A soja e a ervilha são as fontes proteicas mais utilizadas na produção de alimentos plant-based, mas o feijão tem um potencial enorme de assumir maior protagonismo nesse setor. O Brasil é um dos maiores produtores globais de feijão e a maior parte dessa produção é destinada ao consumo interno, o que torna o país um dos maiores consumidores mundiais do grão. Existem mais de 40 tipos dessa leguminosa aqui no Brasil, mas o feijão preto, o fradinho, o caupi, o vermelho, o mungo e o carioca são os que dominam o mercado. O feijão carioca, sozinho, ocupa 50% de toda a área de cultivo do país.
Em 2021, o The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) fez um levantamento com as 11 principais marcas do setor de proteínas alternativas do país e descobriu que apenas 9% dos produtos cárneos feitos de plantas levavam feijão, grão de bico ou trigo como fonte de proteína. Por mais que hoje esse número já tenha aumentado um pouco, a ampla maioria dos produtos cárneos vegetais ainda leva como fonte de proteína a ervilha ou a soja, normalmente combinadas.
Assim como o feijão, a soja é um produto brasileiro – mas a ervilha, que é importada, acaba sendo um ingrediente caro para a indústria nacional. O Brasil tem uma capacidade agrícola de produção de pulses pujante que, se bem explorada, representa um potencial enorme de crescimento: o baixo custo do feijão, por exemplo, pode permitir que a indústria de alimentos desenvolva insumos nacionais mais baratos e, por consequência, produtos ainda mais acessíveis para o consumidor final. Em vez de importar concentrado ou isolado proteico de ervilha do hemisfério norte, seria possível inverter essa lógica e começar a exportar concentrado e isolado proteico de feijão brasileiro para o resto do mundo.
O mesmo vale para a geração de empregos e renda: durante a produção do feijão são geradas as “bandinhas”, que são os feijões quebrados que não são vendidos para o consumidor final e que são basicamente descartados, no máximo usados para alimentação animal. É possível pensar em uma etapa de industrialização sustentável para esse processo, no qual as bandinhas sejam aproveitadas e transformadas em concentrado proteico – um produto de valor agregado – incrementando e diversificando a fonte de renda dos produtores de feijão.
Além disso, o feijão, que não é uma commodity (grão produzido produzido em larga escala e negociado nas bolsas de valores agrícolas internacionais), melhora a absorção de carbono, fixa nitrogênio no solo, demanda muito menos água e fertilizantes do que outros grãos na sua produção, tem baixo custo e é de fácil armazenamento. Ele também é riquíssimo em proteínas, fibras, aminoácidos, vitaminas e minerais. Todos esses aspectos tornam o feijão um ingrediente promissor para o setor de proteínas alternativas e para o planeta, que precisará passar por uma transição no sistema alimentar para garantir a saúde e a segurança alimentar da população global, prevista para alcançar 10 bilhões de pessoas em 2050.
O produtor rural hoje em dia deixa de plantar feijão para plantar soja, milho ou cana-de-açúcar, que são commodities e têm preço fixado nas Bolsas internacionais. Utilizar o feijão é fomentar uma agricultura mais sustentável, gerando renda para as comunidades rurais através de um produto de valor agregado com alto potencial econômico e nutrindo o solo por meio de uma cultura que não poderia representar melhor o Brasil. Se realizarmos o processamento desses grãos nas cooperativas e associações de produtores, estamos falando de bioeconomia em sua essência, com potencial de abastecimento para todo o mundo.
Como estamos envolvidos:
A pesquisadora da Embrapa, Dra. Caroline Mellinger, conduziu uma pesquisa financiada pelo Programa Global de Incentivo à Pesquisa (Research Grant Program) do GFI, a fim de encontrar alternativas para o uso do feijão carioca pela indústria de proteínas alternativas. A pesquisa possuia dois objetivos: o de otimizar a produção de um concentrado protéico e de um isolado de feijão adequado para utilização em produtos vegetais de carne, frango e frutos do mar, e o de determinar a característica físico-química, tecnológica e nutricional dos ingredientes. Ambos objetivos foram alcançados e, com a pesquisa finalizada, o ingrediente com alta concentração de proteínas a partir do feijão está pronto para ser utilizado.
Além disso, o GFI vem trabalhando junto a associações de produtores rurais no Mato Grosso e à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado na elaboração de um acordo de cooperação técnica que terá por objetivo testar a viabilidade, tanto tecnológica quanto econômica, do processamento de feijão dentro das cooperativas rurais. “É uma relação ganha-ganha: o produtor passa a ter uma forma alternativa para comercialização de sua produção, com valor agregado e garantia de compra pela indústria, que por sua vez economiza ao deixar de importar parte de seu insumo do exterior. Somando a isso o potencial de melhoria nos indicadores sociais dessas regiões produtivas, o saldo da equação é extremamente positivo.
Alysson Soares, especialista em Políticas Públicas do GFI Brasil
O setor de alimentos à base de plantas análogos já conta com pelo menos 107 empresas, com produtos que substituem carnes, leite, derivados lácteos e ovos.
De acordo com dados da plataforma Passport da Euromonitor, em 2022 o mercado de substitutos vegetais para carne e frutos do mar no Brasil alcançou R$821 milhões em vendas no varejo, o que representa um crescimento de 42% comparado a 2021. Já o comércio de leites vegetais alcançou R$612 milhões em vendas no varejo, um aumento de 15% em relação ao ano anterior.
Em 2021, a Euromonitor já havia registrado um crescimento de 30% nas vendas no varejo de substitutos vegetais para carne e frutos do mar em relação a 2020. Naquela época, a plataforma estimou que até 2026 este setor poderia ultrapassar os US$425,3 milhões em vendas no mercado brasileiro.
Hoje, o nosso mercado de proteínas alternativas análogas conta com pelo menos 107 empresas e já exporta produtos para cerca de 30 países. Se levarmos em conta que o primeiro hambúrguer vegetal análogo do Brasil foi lançado em maio de 2019, vemos o quão rápido o setor vem se desenvolvendo e o quão expressiva é a penetração desses produtos na rotina dos brasileiros.
O aumento das vendas no varejo, tanto para substitutos vegetais para carne e frutos do mar quanto para leites vegetais, reflete algumas mudanças que vêm ocorrendo no comportamento do consumidor brasileiro, analisados na pesquisa “O Consumidor Brasileiro e o Mercado Plant-Based 2022” do The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil).
Um deles é a redução do consumo de carne: a pesquisa mostra que, em 2022, 67% dos brasileiros diminuíram o seu consumo de carne (bovina, suína, aves e peixes) recentemente, um crescimento de 17 pontos percentuais em relação a 2020. O aumento do preço da carne foi o que motivou 45% dos brasileiros que reduziram seu consumo, mas, para outros 36%, essa redução foi motivada por questões relacionadas à saúde, como melhorar a digestão, reduzir o colesterol ou perder peso. Quando somadas à preocupação com os animais, o meio ambiente, influência de familiares, motivos religiosos e espirituais, vemos que essas questões motivaram mais da metade (52%) dos brasileiros a reduzirem o consumo de carne por escolha própria.
Os dados também mostram que o propósito de diminuir a ingestão de carne não parece ser um comportamento temporário, pelo contrário: independente do motivo inicial, 46% dos consumidores que já reduziram a carne afirmam que pretendem manter esse nível de consumo e 47% pretendem reduzir ainda mais no próximo ano.
Dos consumidores que diminuíram a quantidade de carne no prato, 34% a substituíram somente ou principalmente por carnes vegetais, 9 pontos percentuais a mais do que em 2020. Entre os brasileiros que cortaram a carne por causa da saúde, 40% utilizam a carne vegetal como substituto principal ou exclusivo.
Essa realidade vai ao encontro de outro fator relevante para a consolidação do setor de proteínas alternativas no Brasil, que é a significativa adesão ao flexitarianismo. Esse é o estilo de alimentação que busca reduzir, sem excluir por completo, o consumo de produtos de origem animal. Em 2022, 28% dos brasileiros já se definiam como flexitarianos. Desses, 60% afirmavam que gostariam de reduzir ainda mais o consumo de carne nos doze meses seguintes à realização da pesquisa. Isso indica que já existe uma parcela importante de consumidores que enxerga essa redução como uma parte definidora do seu comportamento alimentar atual.
Vale notar também, que 75% do consumidores pesquisados se dizem abertos a provarem alimentos feitos a partir de novas tecnologias e 68% vislumbram as carnes vegetais incorporadas à sua alimentação no futuro. Portanto, podemos concluir que hoje temos uma parte relevante de consumidores com apetite para a categoria e uma visão postiva sobre as novas tecnologias aplicadas à produção de alimentos.
“Todos estes dados de vendas e comportamento do consumidor apontam para um movimento de consolidação do mercado de proteínas vegetais no Brasil. De um lado temos o consumidor tentando equilibrar escolhas mais econômicas e ao mesmo tempo mais saudáveis e mais sustentáveis na sua dieta. De outro, a indústria que vem investindo no desenvolvimento de produtos que atendam estas demandas sem esquecer do sabor ou seja, de entregar a experiência de uma refeição realmente prazerosa para o consumidor. Nos últimos 4 anos tivemos avanços significativos neste sentido, com o lançamento de uma grande variedade de produtos realmente inovadores. Mas ainda são muitos os desafios a superar e em várias frentes, até que as alternativas vegetais estejam disponíveis e acessíveis de maneira competitiva para todos os consumidores.” – Gustavo Guadagnini, Presidente do GFI Brasil.
Nosso Programa Global de Incentivo à Pesquisa já está aberto. Se você deseja enviar um projeto, mas ainda têm dúvidas sobre como fazer a sua submissão ou quer entender mais sobre as áreas prioritárias de financiamento, temos uma boa notícia para você! O GFI Brasil realizou um workshop para tirar dúvidas gerais sobre o edital do programa e apresentar as quatro áreas prioritárias dessa edição. Você pode assistir aqui ao trecho do workshop onde explicamos cada uma delas. Abaixo, listamos o detalhamento completo das quatro áreas com todas as informações que você pode precisar.
Plataforma de produção: Plant-based
Setor de tecnologia: Formulação e fabricação de produtos finais
Para obter mais informações, consulte os seguintes recursos:
Pesquisas anteriores financiadas pelo GFI relacionadas a este tópico:
Desafio atual
Os sistemas de extrusão são relativamente bem estabelecidos. Eles foram dimensionados para alta produção de até 500 kg/h (McClements & Grossmann 2021) e são usados comercialmente com muitas proteínas vegetais. No entanto, existem oportunidades para melhorar a capacidade de processamento e texturização da extrusão.
A análise do GFI antecipando os requisitos de produção de 2030 para carne à base de plantas modelou que, se o mercado de carne à base de plantas atingisse 6% do volume total de produção de carne (25 milhões de toneladas métricas por ano) até 2030, a indústria de carne à base de plantas precisaria operar em menos 800 fábricas com cerca de 2.000 linhas de extrusão em escala comercial a um custo de pelo menos 27 bilhões de dólares. Essas previsões ressaltam a importância de aumentar os investimentos em infraestrutura e aumentar a capacidade e a eficiência da linha de extrusão.
A extrusão pode ser ainda mais otimizada para melhorar especificamente a estrutura da carne à base de plantas. A extrusão é considerada um método de texturização “de cima para baixo”, que estrutura as misturas de biopolímeros aplicando forças externas e tende a produzir fibras na escala milimétrica ou centimétrica (Dekkers et al., 2018), muito maiores do que as fibras micrométricas encontradas nos músculos dos animais (Bomkamp et al., 2021). Inovações no processo de extrusão são necessárias para elevar a carne à base de plantas para alcançar a paridade organoléptica com os cortes convencionais de músculo animal. No entanto, é notoriamente difícil elucidar como as proteínas interagem consigo mesmas e com outros ingredientes sob várias condições de temperatura, umidade e cisalhamento.
Solução proposta
Para tornar a carne vegetal uma solução ambiental escalável, a texturização de bases proteicas de alta qualidade deve ocorrer em capacidade de alto rendimento e fornecer estratégias inovadoras para replicar a textura e a aparência visual de cortes musculares convencionais de animais. Inovações recentes em extrusão demonstraram a promessa de que ela pode ser ainda mais otimizada para atender às demandas do consumidor. Os pesquisadores estão criando software juntamente com o uso de processamento de matriz exclusivo, otimizando geometrias de matriz e aplicando matrizes rotativas para aprimorar a estrutura da proteína vegetal extrudada. A indústria de carne à base de vegetais precisa urgentemente de mais inovações como essas. Estudos avaliando os mecanismos subjacentes para a formação de estruturas de proteínas vegetais fibrosas podem ajudar os pesquisadores a otimizar estrategicamente a extrusão.
Encorajamos propostas que demonstrem a viabilidade de inovações de processamento de extrusão em escala piloto e incluam um ciclo de vida ou análise técnico-econômica da metodologia de processamento.
As propostas bem-sucedidas articularão:
Plataforma de produção: Carne cultivada
Setor de tecnologia: Desenvolvimento de linhagem celular, Meios de cultura celular
Para obter mais informações, consulte os seguintes recursos:
Pesquisas anteriores financiadas pelo GFI relacionadas a este tópico:
Desafio atual
Relatos de linhagens de células-tronco miogênicas, adipogênicas, mesenquimais (MSC) e células-tronco embrionárias (ESC) de peixes e outros frutos do mar na literatura são relativamente escassos, os tempos de duplicação dessas células tendem a ser maiores em comparação com células de mamíferos. Muitas linhagens de células de peixes têm tempos de duplicação de vários dias, enquanto, por exemplo, o tempo de duplicação da linhagem de mioblastos de camundongos C2C12 é de aproximadamente 20 horas. Os longos tempos de duplicação representam um grande desafio tanto para os esforços de pesquisa de frutos do mar cultivados em escala de laboratório quanto para os que visam expansão comercial.
Além dos desafios impostos pelo crescimento lento das células, formulações de meios de cultivo que evitem o uso de soro e outros componentes derivados de animais são necessárias para que frutos do mar cultivados se tornem economicamente viáveis. O crescimento sem soro de células medaka foi obtido usando FGF2. No entanto, as taxas de crescimento nessas condições foram mais lentas do que o controle contendo soro, sugerindo que o FGF2 substituiu apenas parcialmente o soro. Mesmo na presença de soro, a diferenciação espontânea é observada em muitas células pluripotentes de de peixes (Chen et al. 2003a; Chen et al. 2003b; Parameswaran et al. 2007). A diferenciação prematura apresenta um desafio adicional para a produção de células em larga escala, esgotando o pool de células proliferativas.
A dificuldade para solucionar esses desafios torna-se ainda maior quando verificamos a falta de ferramentas de pesquisa desenvolvidas especificamente para espécies de peixes que são relevantes para alimentação, incluindo anticorpos para identificação de marcadores celulares, por exemplo. Da mesma forma, o conhecimento acerca dos tipos celulares existentes no músculo dos peixes é um ainda incompleto. Entender melhor as diferenças entre tipos de células semelhantes, a forma como elas interagem ao longo do desenvolvimento, quais são os melhores marcadores para cada tipo celular e os impactos sensoriais que cada tipo de célula terá após a maturação permitirá o progresso da área.
Desafios semelhantes existem para os invertebrados aquáticos, que em muitos aspectos receberam ainda menos atenção de pesquisa do que os peixes.
Solução proposta
Os pesquisadores podem empregar várias estratégias que resultem em uma proliferação mais rápida e assertiva de células de frutos do mar que são relevantes para a alimentação. Estes estratégias podem ser amplamente categorizados nas etapas de produção descritas a seguir e poderão ser selecionadas pelos pesquisadores com base na etapa com a qual eles mais se alinham:
Desenvolvimento e otimização da linhagem celular: Estabelecer e otimizar linhagens de células obtidas de animais doadores (peixes e outros frutos do mar relevantes para a alimentação) por manipulação direta ou seleção de fenótipos desejáveis dentro de uma população heterogênea para obtenção de células com características desejadas (ex: tempo de duplicação reduzido, que mantenham o balanço entre quiescência, proliferação e diferenciação, etc.).
Otimização da formulação do meio de cultura e condições de cultura para proliferação:
Desenvolver e/ou otimizar formulações de meio de cultivo adaptadas para o crescimento de células de frutos do mar com o objetivo de melhorar as taxas de proliferação e outras características relevantes do ponto de vista da produção em escala de frutos do mar cultivados.
Diferenciação: Entender melhor o potencial de diferenciação de diferentes tipos de células de frutos do mar, identificar potenciais tipos de células iniciadoras do processo, investigar células de cultivo simples, como fibroblastos, com potencial de transdiferenciação ou aquisição de características de células relevantes para produção de carne (Tsurukawa & Shimada 2022) (Saad et al. 2023), são conhecimentos que podem contribuir muito com a otimização das linhagens e formulações de meio.
No entanto, todas as três estratégias, e especialmente aquelas que dependem da transdiferenciação, podem ser difíceis de investigar adequadamente devido à falta de ferramentas necessárias e informações incompletas sobre as células. Assim, muitos dos primeiros passos para melhorar o desempenho das culturas de células de frutos do mar podem consistir principalmente em pesquisa básica sobre a identidade do tipo de célula (por exemplo, Farnsworth et al. 2020) e no desenvolvimento de ferramentas de pesquisa. Assim, encorajamos propostas que incluam investigações básicas sobre a identidade do tipo celular ou o desenvolvimento de novas ferramentas, seja como foco principal da proposta ou como meio de possibilitar outros experimentos.
As propostas bem-sucedidas articularão:
Nota: Esta área prioritária de financiamento é limitada a projetos focados principalmente em peixes ou invertebrados aquáticos, embora reconheçamos que muitos dos mesmos desafios existem para outros grupos de espécies. Abordagens comparativas que incluam outras espécies podem ser consideradas, mas estudos em que o foco principal são animais terrestres não são elegíveis para esta prioridade de financiamento.
Plataforma de produção: Carne cultivada, Fermentação
Setor de tecnologia: Desenvolvimento de cepas hospedeiras, linhas celulares, meios de cultura celular, matérias-primas
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Pesquisas anteriores financiadas pelo GFI relacionadas a este tópico:
Desafio atual
O meio de cultura de células é atualmente o principal fator que contribui para o custo e impacto ambiental da produção de carne cultivada. Análises de ciclo de vida e avaliações tecno-econômicas sobre a produção em escala de carne cultivada indicam que esse problema pode ser minimizado se os meios de cultivo forem usados com eficiência , resultando em cenários em que a produção de carne cultivada pode ser competitiva em termos de custos e baixo impacto ambiental (Sinke et al. 2023; Vergeer et al, 2021; Tuomisto et al, 2022; Humbird, 2021). Nesses estudos, assume-se que o metabolismo das células é otimizado para a produção da biomassa e que os meios são, ao menos, parcialmente otimizados para os requisitos metabólicos de cada linhagem celular, alcançando assim o uso eficiente do meio. Assumindo essas condições as taxas de conversão alimentar tornam-se mais baixas. Assim, os nutrientes do meio são convertidos de forma mais eficiente, e com baixo desperdício, em biomassa celular.
No entanto, a maioria das pesquisas com carne cultivada feitas até o momento ainda não demonstraram essas condições na prática. Em vez disso, as pesquisas estão focadas no estabelecimento de linhagens celulares contínuas e na derivação de meios isentos de soro. Na primeira fase do desenvolvimento de meios sem soro, que já está em andamento na comunidade científica, a redução de custos de produção é atingida principalmente por meio da utilização de componentes do meio de qualidade alimentar. Substituindo componentes caros de grau farmacêutico por versões mais acessíveis e aumentando em escala a produção de fatores de crescimento (Swartz , 2023). Na segunda fase de desenvolvimento de meios de cultivo, que ainda precisa ser realizada, a redução de custos de produção de carne cultivada se dará principalmente pelo fornecimento eficiente de energia para as células usando componentes de meio de cultivo de baixo custo e da maneira mais metabolicamente eficiente possível. Espera-se que esta segunda fase de desenvolvimento de meios para carne cultiva represente um desafio de longo prazo para a indústria. Esse tipo de desafio também é frequentemente visto no desenvolvimento do processo de fermentação microbiana, mas estes já têm sido mais extensivamente explorados.
Solução proposta
Para formular meios e usá-los com eficiência é necessário uma profunda compreensão dos requisitos metabólicos de uma célula. Uma maneira de entender o metabolismo celular é criar um modelo metabólico em escala genômica (GEM). Trata-se de um modelo matemático capaz de mapear o metabolismo celular, incluindo o fluxo de metabólitos e gargalos nas vias metabólicas. Alguns organismos já possuem rascunhos de GEMs, mas requerem validação experimental adicional (por exemplo, salmão, bovino, camarão e frango). Outros GEMs já foram validados experimentalmente tornando-os mais robustos , como por exemplo modelos experimentais como células CHO, zebrafish. Esses GEMs existentes podem guiar a criação de novos GEMs, especialmente quando estes organismos se relacionam em um nível evolutivo e compartilham vias metabólicas e enzimas.
Em geral, um pré-requisito para criar e aprimorar GEMs inclui a coleta de dados upstream, como sequenciamento e anotação de genoma, estudos de metabolômica, transcriptômica e proteômica. Embora alguns desses dados, como anotações de genoma, já existam para espécies usadas na produção de alimentos convencionais, muitos outros dados estão incompletos e precisarão ser criados e curados para as espécies e células usadas na carne cultivada. Outro tipo de dado crítico para a engenharia metabólica da carne cultivada é a composição da biomassa das células no estado metabólico estacionário, que inclui medidas cuidadosas de massa de todas as macromoléculas celulares, incluindo ácidos nucléicos, proteínas, lipídios, carboidratos, coenzimas e metabólitos específicos da espécie..
Garantir a precisão desses dados pode resultar em GEMs que podem prever e validar experimentalmente resultados específicos, como taxa de crescimento ou acúmulo de biomassa, em conjunto com técnicas como análise de balanço de fluxo (FBA), análise de fluxo metabólico (MFA) e análise de gasto de meio (SMA). Coletivamente, essas técnicas podem informar os pesquisadores sobre como a energia é utilizada em diferentes células, qual a melhor forma de manipular ou otimizar a utilização de energia ou a composição do meio para atingir um determinado objetivo, como por exemplo, o aumento do acúmulo de biomassa. Os GEMs foram implementados com sucesso dessa maneira em outras indústrias para otimizar matérias-primas para uma variedade de objetivos finais (Huang, 2020; Tejera, 2020).
Em resumo, o meio pode ser formulado e otimizado para uso eficiente, estabelecendo um pipeline de engenharia metabólica. Este pipeline começa com a coleta de dados específicos para informar a criação de GEMs adaptados às espécies, tipos de células e, eventualmente, linhagens específicas de células usadas para produção de carne cultivada. Os GEMs podem ser continuamente refinados por meio de técnicas analíticas downstream, como análise de balanço de fluxo, análise de meio gasto e análise de fluxo metabólico. Finalmente, GEMs robustos podem ser adotados por pesquisadores na academia e na indústria para formular e otimizar meios sob medida para a produção de carne cultivada.
Incentivamos propostas de carne cultivada ou fermentação microbiana que possam garantir a acessibilidade de quaisquer conjuntos de dados e modelos relevantes de maneira ampla, depositando-os em bancos de dados ou repositórios abertos. Propostas que incluam validação experimental com componentes de meio de qualidade alimentar e modelagem de custos são incentivadas.
As propostas bem-sucedidas irão articular claramente:
Plataforma de produção: Fermentação
Setor de Tecnologia: Formulação de Meio; Projeto de Bioprocessos; Matérias-Primas, Ingredientes, Insumos
Para obter mais informações, consulte os seguintes recursos:
Pesquisas anteriores financiadas pelo GFI relacionadas a este tópico:
Desafio atual
Atualmente, a grande maioria dos processos de fermentação utilizam açúcares simples como fonte de carbono para o crescimento e metabolismo microbiano. No entanto, o uso de fontes de açúcares simples e utilizadas para alimentação coloca os produtos protéicos alternativos derivados da fermentação em competição com outras fontes alimentares. Além disso, o progresso na tecnologia de fermentação está levando a uma crescente bioeconomia, onde muitos produtos de base biológica são produzidos por fermentação. A competição potencial entre commodities de base biológica desafiará a sustentabilidade, as cadeias de suprimentos e a relação custo-benefício da bioeconomia (Lips, 2021).
Matérias-primas alternativas têm se mostrado promissoras de várias formas nos últimos anos. As fermentações gasosas usam fontes de carbonos simples, como metano ou monóxido de carbono, para alimentar microorganismos que produzem biomassa e moléculas de alto valor. Já os fungos demonstraram a capacidade de crescer em uma variedade de resíduos das indústrias alimentícia e resíduo florestal. Uma das principais espécies usadas em proteínas alternativas, Komagataella phaffii (anteriormente Pichia pastoris), foi originalmente desenvolvida para uso industrial devido à sua capacidade de metabolizar eficientemente o metanol retirado da indústria do petróleo (Cregg, 2012). Ainda assim, há uma necessidade e espaço para inovação no desenvolvimento e diversificação de matérias-primas relevantes para Proteínas Alternativas.
Os microrganismos fermentadores também usam nitrogênio como um bloco de construção essencial para biomassa e fermentação de precisão de proteínas e outros ingredientes. A maioria das matérias-primas de nitrogênio no mundo existe como amônio, uma fonte de nitrogênio criada pelo processo Haber-Bosch. Este processo de fabricação requer metano e é intensivo em energia, e há um desejo de desacoplar a produção alternativa de proteína de uma fonte de nitrogênio intensiva em carbono e energia. Como alternativa, o uso de matérias-primas produzidas biologicamente, como hidrolisados bacterianos ou vegetais, foi demonstrado em muitas fermentações (Zhang et al, 2022). As matérias-primas de nitrogênio que usam fluxos secundários com alto teor de nitrogênio bioprocessados e retiradas de uma variedade de indústrias e fontes têm o potencial de fornecer um nitrogênio sustentável e de baixo custo desacoplado do processo Haber-Bosch.
Solução proposta
Para dimensionar matérias-primas alternativas para a produção de proteínas alternativas derivadas da fermentação, é necessário adotar matérias-primas alternativas seguras e exclusivas para alimentos. Os desafios à segurança alimentar, especialmente de fluxos secundários agrícolas ou off-takes, podem assumir a forma de toxinas microbianas ou bioquímicas, como furfural ou aflatoxina. Estratégias de remediação ou prevenção para garantir a produção de proteínas alternativas seguras para alimentos a partir de fermentações eficientes são necessárias para a adoção e uso generalizado dessas matérias-primas alternativas. Inovações no fornecimento de carbono e nitrogênio para fermentação são de alta prioridade e interesse. As matérias-primas ideais seriam de baixo custo, amplamente disponíveis e compatíveis com plataformas alternativas de produção de proteínas nos estágios de comercialização e pesquisa e desenvolvimento.
Encorajamos propostas que demonstrem a viabilidade de inovações de matérias-primas alternativas em condições relevantes de fermentação e/ou em escala piloto e incluam um ciclo de vida ou análise técnico-econômica da metodologia de processamento.
As propostas bem-sucedidas articularão:
Todas as referências citadas acima podem ser encontradas no edital original: https://gfi.org/wp-content/uploads/2023/01/Research-Grant-Program-RFP-2023.pdf
Sobre o Programa:
O Programa Global de Incentivo à Pesquisa (GFI Research Grant Program) vai receber propostas até dia 21 de setembro. Neste ano, as pesquisas serão aprovadas por meio do mecanismo Field Catalyst, que consiste em financiamentos de projetos de até US$250.000 e 24 meses de duração. Os candidatos podem solicitar US$100.000 adicionais para fazer parceria com pesquisadores externos (que não receberam financiamento do GFI antes) e/ou partes interessadas do setor.
As propostas podem ser criadas e submetidas até dia 21 de setembro de 2023 através do nosso portal de candidaturas. Será necessário criar um perfil de usuário para acessar o formulário de inscrição. O edital completo, com todas as orientações e as demais informações podem ser acessadas neste link.
Aguardamos sua proposta!
Nós estamos em busca de cinco startups de destaque em todo o mundo para se apresentarem ao público ao vivo na Good Food Conference, que acontece de 18 a 20 de setembro em São Francisco, Califórnia.
O Pitch Slam é voltado para startups da Série B ou anteriores focadas em produtos finais, ingredientes ou serviços de upstream de proteínas à base de plantas, cultivadas ou obtidas por fermentação. O evento é um dos favoritos da conferência e uma excelente oportunidade para apresentar sua empresa para investidores e parceiros em potencial! O objetivo é fornecer exposição internacional para as startups, que não irão competir por recursos.
As cinco empresas selecionadas para o Pitch Slam receberão dois ingressos gratuitos para a conferência e um estande de 10×10 no sãlão de exposições. Cada uma terá cinco minutos para se apresentar para o público, seguido de uma sessão de perguntas e respostas.
O evento será encerrado com um meet-and-greet entre os membros do público e as startups do pitch. Nos anos anteriores, os participantes incluíram ADM Ventures, Obvious Ventures, Tyson Ventures, Clear Current Capital, Stray Dog Capital, CPT Capital, Kelloggs, The New York Times, The Wall Street Journal, Wired, BBC e muitos mais!
As inscrições encerram no dia 23 de julho. Inscreva-se já através deste formulário!
O edital do nosso programa global de incentivo à pesquisa (GFI Research Grant Program) acaba de ser lançado! Se você é pesquisador ou pesquisadora e tem interesse em desenvolver um estudo sobre uma das áreas contempladas, não perca essa oportunidade! As propostas serão aceitas até dia 21 de setembro de 2023.
Neste ano, vamos aprovar pesquisas através do mecanismo Field Catalyst, que consiste em financiamentos de projetos de até US$250.000 e 24 meses de duração. Os candidatos podem solicitar US$100.000 adicionais para fazer parceria com pesquisadores externos (que não receberam financiamento do GFI antes) e/ou partes interessadas do setor.
Aceitaremos inscrições em quatro áreas temáticas:
Área prioritária A / Extrusão 2.0: Aprimoramento da extrusão tradicional por meio da inovação de processos e avaliação dos mecanismos de texturização de proteínas;
Área prioritária B / Desenvolver ferramentas e conhecimento para promover a proliferação e diferenciação de células de frutos do mar;
Área prioritária C / Coleta e curadoria de dados sobre o desenvolvimento de modelos de redes metabólicas em escala genômica para otimizar a formulação de matérias-primas e taxa de conversão alimentar;
Área prioritária D / Prospecção de matérias-primas viáveis para produção de alimentos alternativos por meio de fermentação de precisão e fermentação de biomassa.
O GFI Brasil realizou um workshop para tirar dúvidas gerais sobre o edital do programa e apresentar as quatro áreas prioritárias dessa edição. Você pode assistir aqui ao trecho do workshop onde explicamos cada uma delas e, neste post, pode ler o detalhamento completo das quatro áreas, com todas as informações que você pode precisar.
Fechamento da RFP – 21 de setembro de 2023
As propostas podem ser criadas e submetidas até dia 21 de setembro de 2023 através do nosso portal de candidaturas aqui. Será necessário criar um perfil de usuário para acessar o formulário de inscrição. Os resultados serão divulgados até o final de 2023.
O edital completo, com todas as orientações para a submissão da proposta, assim como todas as demais informações sobre o estudo, podem ser acessadas neste link. Dúvidas podem ser enviadas para o e-mail ciencia@gfi.org.
Esperamos por vocês!
O The Good Food Institute Brasil convida pesquisadores e profissionais que tenham interesse em desenvolver o “Mapeamento do Estágio de Desenvolvimento da Tecnologia de Fermentação Aplicada às Proteínas Alternativas no Brasil” a enviarem suas propostas até o dia 14 de agosto.
Além do mapeamento, o estudo deve incluir os potenciais e desafios da tecnologia, gargalos e oportunidades para produção em larga escala, e a elaboração de um plano estratégico para o seu desenvolvimento no país, subsídios técnicos e científicos imprescindíveis para orientar as futuras ações de legisladores, reguladores, empresas, professores e pesquisadores da área.
Conheça os detalhes do edital:
O estudo deve se concentrar no novo papel da tecnologia de fermentação (seja tradicional, de biomassa ou de precisão) na inovação do setor de proteínas alternativas, a fim de atender as demandas da produção de análogos cárneos, lácteos, frutos do mar e ovos; produção de insumos para produtos feitos de plantas e carne cultivada; ou na obtenção direta de produtos por fermentação, como análogos feitos de biomassa micelial, por exemplo. Logo, o uso convencional da fermentação na produção de alimentos não faz parte do escopo deste estudo.
Ele será dividido em três etapas que contribuirão com o desenvolvimento da fermentação aplicada às proteínas alternativas no Brasil:
O projeto deve iniciar em novembro de 2023 e o prazo de execução será de seis meses. As propostas poderão ser enviadas até o dia 14 de agosto, em formato PDF, para o e-mail ciencia@gfi.org. O documento deverá conter, obrigatoriamente, um cronograma, os valores previstos para execução de cada etapa, o investimento total, a metodologia a ser utilizada e o currículo profissional da da equipe que irá desenvolver o trabalho. O resultado será divulgado no dia 22 de agosto. O edital completo, com todas as orientações para a submissão da proposta, assim como todas as demais informações sobre o estudo, podem ser acessadas neste link.
Contextualização
O termo fermentação aplicado à indústria de proteínas alternativas refere-se ao cultivo de microrganismos com a finalidade de processar um alimento ou ingrediente; obter mais do próprio microrganismo como fonte primária de proteína (biomassa), ou ingredientes específicos, como aromatizantes, enzimas, proteínas e gorduras, para incorporação em produtos feitos de plantas ou carne cultivada.
A indústria de proteínas alternativas utiliza a fermentação de três maneiras principais, a saber:
A tecnologia de fermentação tem se apresentado como uma grande aliada na melhoria de produtos feitos de planta, viabilizando o aprimoramento das características desejadas e resultando em produtos vegetais mais saborosos, nutritivos e similares ao produto de origem animal. Os desafios para tornar os produtos feitos de plantas com características similares aos produtos convencionais são diversos. Busca-se por tecnologias e ingredientes que contribuam para o incremento das características funcionais, nutricionais e sensoriais dos produtos feitos de plantas e que proporcionem experiência de consumo igual ou melhor que os de origem animal.
A fermentação também tem contribuído para o desenvolvimento da tecnologia de carne cultivada, produzindo importantes moléculas específicas do processo, como fatores de crescimento livres de origem animal. Além disso, proteínas como colágeno e fibronectina, produzidas por meio da fermentação, podem servir como componentes de suporte em substituição às suas versões de origem animal para serem utilizados em produtos cárneos cultivados de diversos tipos.
A publicação da proposta de marco regulatório marca uma nova etapa do processo de discussão da regulamentação de produtos plant-based, que vêm acontecendo no Brasil e no mundo nos últimos anos
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) abriu, no dia 3 de julho de 2023, uma Consulta Pública para estabelecer os requisitos mínimos de identidade, qualidade, regras de rotulagem e obrigação de cadastro junto ao MAPA de produtos análogos de base vegetal.
Uma Consulta Pública é um mecanismo de transparência que pode ser utilizado pela Administração Pública para obter informações, opiniões e críticas da sociedade a respeito de um determinado tema. O objetivo dessa ferramenta é incentivar a participação da população nas questões de interesse coletivo, ampliar a discussão sobre o assunto e embasar as decisões dos formuladores de políticas públicas. No caso dessa Portaria (SDA/Mapa nº 831/2023), as constribuições podem ser enviadas até o dia 15 de setembro.
Os objetos da Consulta Pública são os produtos alimentícios análogos plant-based (incluindo as bebidas) formulados exclusivamente com ingredientes de origem vegetal, fúngica ou algácea e que buscam uma similaridade de aparência, textura, sabor e outros atributos a produtos tradicionais de origem animal, como carne e produtos cárneos, pescados, ovos, leite e derivados lácteos.
Por mais que já existam regulações para alimentos industrializados e processados, que também são aplicadas aos produtos de origem vegetal, até o momento não há, no Brasil, uma norma específica para os produtos plant-based, principalmente no que diz respeito aos padrões de identificação e nomenclatura.
O tema está em discussão desde 2019 no MAPA, com participação ativa do GFI Brasil. Em 2022, a Anvisa elaborou oficinas virtuais para a elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre alimentos plant-based. Na ocasião, foi concluído que o maior obstáculo regulatório era a assimetria de informação no mercado desse tipo de alimento. Segundo a Anvisa, esse problema possui uma extensão nacional e internacional e pode ser caracterizado como uma falha de mercado que está relacionada à garantia do direito fundamental do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação de suas características, composição e riscos.
Dessa forma, com a Portaria SDA/Mapa nº 831/2023, o MAPA assume a discussão e estabele a proposta de um marco regulatório para suprir a falta de um regulamento mínimo para produtos análogos de base vegetal.
Para o diretor de Políticas Públicas do GFI Brasil, Alexandre Cabral, o marco regulatório proposto pelo MAPA propõe discussões sobre detalhes importantes como terminologia e rotulagem de produtos de base vegetal no país. “Não ter regras é caminhar na incerteza e a consulta contribuirá para o desenvolvimento do setor”.
A proposta normativa inclui as seguintes disposições centrais:
Em relação ao cadastro do produto, eles deverão ser cadastrados junto ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) e incluir em sua rotulagem o selo instituído pelo MAPA.
Os produtos plant-based também deverão cumprir alguns requisitos de qualidade: deverão utilizar ingredientes autorizados em legislação específica; isentos de substâncias nocivas à saúde, deverão atender aos padrões microbiológicos previstos em legislação específica; produzidos de acordo com as boas práticas de fabricação e sem odores estranhos ao produto.
Essa proposta, como disposta hoje, permite que produtos plant-based apresentem em seus rótulos termos como “carne”, “queijo” e “leite”, desde que acompanhados da expressão “análogo vegetal de”, assunto que foi controverso no ano passado, quando o ex-ministro Marcos Montes assumiu uma posição enfática contra o uso desses termos clássicos nos produtos vegetais análogos.
Instituições e pessoas interessadas em enviar sugestões tecnicamente fundamentadas à Consulta Pública podem colaborar através do Sistema de Monitoramento de Atos Normativos (Sisman), até 15 de setembro de 2023. Para acessar a plataforma, o usuário deve efetuar cadastro prévio no Sistema de Solicitação de Acesso Para acessar o Sisman, o usuário deve efetuar cadastro prévio no Sistema de Solicitação de Acesso – Solicita do Mapa.
Casos de zoonoses reabrem o debate sobre os impactos da produção de proteína animal para a saúde global: Gripe Aviária, doença da Vaca Louca e Peste Suína Africana têm potencial pandêmico, provocam prejuízo econômico e expõem fragilidade dos sistemas alimentares.
Em fevereiro deste ano, uma menina de 11 anos infelizmente faleceu no Camboja após contrair o vírus da gripe aviária (H5N1). Este e outros relatos da doença na região das Américas e no Sudeste Asiático levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar, ainda no início do ano, que a situação da H5N1 é preocupante. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) emitiu um alerta epidemiológico enfatizando a importância do controle da infecção em aves e recomendando que os países reforcem a vigilância da gripe sazonal e zoonótica em animais e humanos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) iniciou uma campanha de conscientização sobre a disseminação do vírus e o estado de Mato Grosso reforçou medidas sanitárias, principalmente nas áreas que fazem fronteira com a Bolívia.
Gripe Aviária (H5N1) no Brasil
Zoonoses são doenças infecciosas transmitidas entre animais e pessoas. Em maio, o Brasil registrou oito casos de H5N1, sete no Espírito Santo e um no Rio de Janeiro. Mesmo com todos os casos envolvendo aves silvestres migratórias (sem diagnóstico da doença em humanos ou aves para consumo), no dia 22 de maio, o MAPA declarou emergência zoosanitária por 180 dias. Esse estado é declarado sempre que há risco de uma doença oriunda de um animal se propagar rapidamente e ajuda o governo a agilizar processos para combatê-la. A maior preocupação com essa medida era evitar que a gripe aviária chegasse nas granjas e nas criações de aves porque, como a doença se espalha rapidamente entre os animais, todos eles precisariam ser sacrificados, diminuindo a oferta de carne e ovos. Leia mais no G1
Até final de junho, o Brasil registrava 56 casos de H5N1 em aves silvestres e gaivotas. No entanto, no dia 2 de julho, o Espírito Santo, que já contava com 27 casos, registrou os primeiros casos em um pato e um ganso de criação doméstica. Seguindo o protocolo sanitário nacional, todos os animais da propriedade foram sacrificados. Aves de criação doméstica correm mais risco de contrair a doença porque circulam em ambiente externo, podendo ter contato com as aves silvestres que estavam infecctadas. Como na granja os animais ficam alojados o tempo inteiro, a chance desse contato é bem menor.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), as notificações em aves silvestres e de subsistência não comprometem o status do Brasil como “livre de H5N1” e nem trazem restrições ao comércio internacional de produtos avícolas brasileiros. Mesmo assim, o Japão suspendeu a compra de carne de frango do Espírito Santo, mercado que estava sendo conquistado pelos capixabas.
A transmissão para humanos é rara: segundo a OMS, entre 2003 e 2023, 874 pessoas foram infecctadas com a H5N1. No entanto, a taxa de mortalidade é alta, por volta de 52%, principalmente por insuficiência respiratória. O que criou um alerta maior nos órgãos de saúde é que, nos últimos anos, a gripe aviária chegou a países que antes estavam protegidos (Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Honduras, Panamá, Peru, Venezuela, Brasil e Chile) e que animais mamíferos começaram a contrair H5N1. Neste ano, mais de 3 mil leões-marinhos morreram por suspeita da doença no Peru e quase 9 mil animais mamíferos marinhos morreram devido à gripe aviária no Chile. Como mamíferos possuem células muito mais parecidas com as nossas, a preocupação dos especialistas é que o vírus consiga se adaptar a ponto de ser transmitido de pessoa para pessoa.
A transmissão para humanos se dá quando a pessoa tem contato direto com as secreções e fluídos de um animal infecctado, esteja ele vivo ou morto, porque as aves eliminam o vírus por meio das fezes e secreções respiratórias. Por isso, a doença também pode ser transmitida por água e objetos contaminados com essas secreções. Até agora, não há registros de transmissão entre humanos.
Relembre outros casos de zoonoses
No final de fevereiro, um caso da doença da vaca louca (Encefalopatia Espongiforme Bovina – EEB) foi identificado no Pará. A doença é gerada pelo príon, uma proteína infecciosa naturalmente presente no cérebro de mamíferos que pode se tornar patogênica ao assumir uma forma anormal. Como afeta progressivamente o sistema nervoso, o príon altera o comportamento e provoca irritabilidade no animal, por isso o apelido “vaca louca”.
A forma mais grave de EEB está nos casos de origem clássica, que acontecem quando um animal doente é abatido e sua carne é consumida por outros animais ou por humanos. Esses casos são altamente trasmissíveis, não têm cura e são letais, inclusive para humanos. O primeiro surto da vaca louca estourou no Reino Unido nos anos 90 e fez com que mais de 4.4 milhões de animais fossem abatidos.
Aqui no Brasil é proibido o uso de restos de animais para fabricação de ração para bovinos e, em mais de 20 anos de monitoramento da doença, felizmente nunca foi identificado um caso de origem clássica da EEB no país. Mas, mesmo assim, o Ministério da Agricultura precisou suspender temporariamente a exportação de carne bovina para a China, o maior comprador do Brasil.
Esse auto embargo aconteceu por causa do acordo bilateral firmado entre os dois países em 2015, no qual o protocolo sanitário determina que as exportações sejam interrompidas caso a doença, mesmo que da forma atípica (que não apresenta riscos de transmissão para o rebanho ou para os humanos), seja identificada no país. Em seguida, Irã, Jordânia e Tailândia também suspenderam suas importações brasileiras, enquanto a Rússia apresentou embargo apenas à carne do Pará.
As estimativas apontam que o Brasil deixou de faturar cerca de 17 milhões de dólares por dia com a suspensão chinesa. Dessa receita, 42% vem do estado de Mato Grosso, maior produtor de carne bovina do país. Em fevereiro de 2021 o Brasil também registrou casos da EEB atípica. Na época, a China interrompeu a compra de carne bovina brasileira por 100 dias, derrubando em quase 50% as exportações e gerando um impacto muito negativo na indústria nacional.
Entre os anos de 2018 e 2019, a Peste Suína Africana (PSA) dizimou 60% da população de porcos na China. A doença fez com que o preço da carne subisse no mundo inteiro porque a China precisou comprar uma quantidade enorme de proteína animal no exterior. De acordo com o jornal The Guardian, a falta de carne causada pela pandemia animal foi tão grande que a demanda chinesa não seria suprida nem se todos os porcos vivos no mundo fossem abatidos. As Filipinas, o Vietnã e o Leste Europeu também foram severamente afetados e em maio de 2020 a Índia já havia reportado mais de 11 surtos da PSA. Os efeitos da doença duraram até 2021 e, de acordo com relatório da Rabobank, mesmo acontecendo simultaneamente à Covid-19, o impacto da Peste Suína Africana na produção de proteína global foi ainda mais severo do que o do coronavírus.
Como evitar que as doenças zoonóticas compromeam a oferta de alimentos? Entenda o papel das proteínas alternativas!
Por mais qualificado que seja o trabalho das agências sanitáras, a produção de proteína animal está intimamente ligada ao surgimento de zoonoses. . De acordo com a OMS, 60% das novas doenças infecciosas se originam em animais e a produção de alimentos é uma das principais rotas de transmissão dessas doenças.
Muitas vezes um único caso de uma dessas zoonoses torna obrigatório o abate de todos os animais por causa do alto risco de disseminação da doença. Em um mundo no qual pelo menos 828 milhões de pessoas passam fome, precisamos adotar medidas que não coloquem em risco a oferta de alimentos seguros e em quantidade suficiente para a população, e, que ao mesmo tempo, destine os recursos naturais disponíveis para a produção de comida diretamente para os humanos.
Segundo estimativa da ONU, caso o consumo de proteínas animais permaneça como hoje, será preciso aumentar a produção de alimentos em 70% para que toda a população tenha acesso à comida. A demanda por carne exigirá a criação de mais animais, que precisarão ser confinados em espaços inadequados, sem espaço para circulação, , em contato com diferentes espécies e com uso intensivo de antibióticos. Esse é o cenário ideal para o surgimento de novos patógenos e aumentam tanto o risco de epidemias quanto a insegurança alimentar e a segurança dos alimentos.
É aqui que novas fontes de proteínas vegetais, cultivadas ou obtidas por fermentação entram como solução para muitos dos problemas gerados pelo atual sistema de produção de alimentos. Elas se apresentam como o caminho mais promissor para diversificar, trazer resiliência, fortalecer e otimizar a produção e distribuição de alimentos, oferecendo mais fontes de proteínas sustentáveis e seguras, sem precisar mudar hábitos alimentares.
Os inúmeros avanços científicos e investimentos no setor mostram que as proteínas alternativas vieram com um propósito muito maior do que ser um nicho de mercado e produtores, indústria, governos e cientistas têm se unido para elaborar soluções que viabilizem o ganho de escala desses alimentos. O Brasil, que já é considerado o “celeiro do mundo”, pode assumir uma posição de liderança global na transição para um sistema alimentar baseado em proteínas alternativas, investindo em bioeconomia e na criação de produtos nacionais feitos com ingredientes locais dos nossos biomas. Temos tudo que é necessário para o bom desenvolvimento do setor, como um agronegócio forte, estrutura logística para distribuição global de produtos, clima favorável à produção, uma das biodiversidades mais ricas do mundo e um enorme capital intelectual ligado à produção de alimentos.
A população mundial vai continuar crescendo, assim como a demanda por alimentos. Devemos aproveitar o momento para garantir que teremos condições de entregar o volume de proteína que o planeta deseja consumir, mas sem os impactos negativos do sistema atual. Para isso, acreditamos que oferecer alimentos que tenham o mesmo sabor, aroma e textura, com equivalência de preço e sejam tão disponíveis quanto os convencionais, sejam um dos caminhos a seguir.
Entre os dias 5 a 15 de junho, acontece na cidade de Bonn, na Alemanha, o Bonn Climate Change Conference (SB58). O evento foi projetado para preparar as tomadas de decisões relacionadas à contenção da crise climática, a serem adotadas na COP28 nos Emirados Árabes Unidos em dezembro.
A conferência convocará a 58ª sessão dos órgãos subsidiários das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), incluindo discussões de importância crítica, como o Balanço do Objetivo Global de Adaptação. Esse documento subsidia uma análise profunda sobre como o mundo está em ação ao clima, identificando as lacunas e trabalhando de forma articulada para chegar a um acordo sobre os caminhos das soluções, até 2030 e além.
O GFI é uma das organizações observadoras das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), podendo participar de eventos, acompanhar negociações e submeter contribuições técnicas aos grupos de trabalho que se juntam para analisar e definir resoluções da Conferência das Partes, a COP.
Por isso, Mariana Bernal, Analista de Políticas Públicas do GFI Brasil, estará presente participando do evento paralelo Unlocking the Potential of Alternative Proteins and Plant Rich Diets, das 16h15 às 17h30 (CEST) | 11h15 às 12h30 (GMT-3), a fim de mostrar o papel que as proteínas alternativas podem desempenhar no debate climático. Você pode assistir ao evento através deste link.
“Queremos mostrar que, por meio do desenvolvimento de ingredientes vegetais como o feijão e espécies vegetais nativas da Amazônia e do Cerrado, podemos contribuir para a preservação da biodiversidade desses biomas. Uma das formas de fazer isso é apoiar pequenos e médios produtores de alimentos a diversificarem suas produções por meio da bioinovação”.