Alimentação à base de vegetais pode reverter a trajetória das mudanças climáticas

por Victoria Gadelha para o GFI Brasil

No final de 2020, uma pesquisa publicada na revista Science mostrou que, mesmo se todas as emissões de combustíveis fósseis fossem imediatamente zeradas, seria impossível cumprir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris (de limitar o aumento da temperatura terrestre a 1,5°C ou até 2°C acima dos níveis pré-industriais) por conta das emissões geradas pelo sistema alimentar global sozinho.

Um artigo publicado na Nature Food indicou que se as 54 nações mais ricas do planeta (17% da população mundial) adotassem a dieta EAT-Lancet, que é baseada majoritariamente em vegetais, elas poderiam reduzir suas emissões de CO2 em dois terços ou 61%.

Em fevereiro de 2022, um novo estudo publicado pela PLOS Climate mostra que, se a produção global de carne e laticínios for gradualmente reduzida até zerar durante os próximos 15 anos, será o mesmo que “cancelar” as emissões de gases de efeito estufa (GEE) geradas por todos os outros setores econômicos por 30 a 50 anos. Ou seja: uma transição progressiva para um sistema alimentar global baseado em vegetais tem a capacidade de, em pouco mais de uma década, zerar a quantidade de GEE que todas as indústrias, transportes e o setor energético, combinados, levariam até mais de meio século para emitir na atmosfera.

O sistema alimentar vigente é responsável por 34% de todas as emissões de GEE e a produção de proteína animal, sozinha, gera mais da metade (ou 15%) desse valor. Essas emissões vêm de várias fontes, mas principalmente da fermentação entérica (processo digestivo que ocorre em animais ruminantes) e do esterco dos ruminantes (que, juntos, também são responsáveis por 32% das emissões de metano no mundo), da queima de combustíveis fósseis na cadeia de produção e abastecimento dos alimentos, e do desmatamento intensivo e extensivo (para abrir pastagens e para plantar os grãos que viram ração para os animais de abate).

Mais de 70% de todas as terras agrícolas do mundo são focadas na produção de alimentos para animais e 30% da superfície terrestre são ocupadas pela pecuária. Isso significa que um terço de toda a terra existente no planeta é usada para abrigar e/ou alimentar animais que, dentro de muito pouco tempo – e em escala industrial – são abatidos e chegam até nós como hambúrguer, bife, filé, coxa, linguiça e inúmeros outros tipos de formatos e cortes. Segundo o estudo, para sustentar um sistema alimentar baseado em vegetais, seria necessário usar apenas 7% das terras do nosso planeta.

Quando se trata da contribuição da pecuária para o aquecimento global, a maioria das análises tende a olhar diretamente para as emissões do setor e deixam de lado a questão do uso da terra, que é extremamente relevante. Isso porque, ao interromper a prática da pecuária e restaurar ou “renaturalizar” (rewild, em inglês) essas terras, todo o carbono que seria emitido passa a ser capturado e armazenado.

O estudo publicado no início deste mês na PLOS Climate é uma colaboração entre o professor de biologia molecular e celular da Universidade da Califórnia, Michael Eisen, e o professor de bioquímica da Universidade de Stanford e CEO da Impossible Foods Inc, Patrick Brown. Importante mencionar que a Impossible Foods é uma das grandes fabricantes de produtos vegetais substitutos de carne dos Estados Unidos, avaliada em US$4 bilhões em 2020. Os autores expõem esse conflito de interesse no início do artigo, mas garantem que a ciência é sólida.

Mas a diminuição gradual na produção de carnes e laticínios é viável?

Para Brown, as mudanças necessárias devem ser orientadas pelo mercado, que segundo ele, é a instituição de ação mais rápida na Terra. “Esse movimento será impulsionado pela escolha do consumidor do lado da demanda. Se existem produtos que fazem um trabalho melhor em entregar o que eles desejam, nada pode impedir isso”.

Comprovando o que Brown diz, de acordo com o relatório da Research and Markets, o mercado global de carne e laticínios à base de plantas pode alcançar US$68,7 bilhões até 2025, com um crescimento anual (CAGR) de 17,42%. O mercado de proteína animal também deve crescer, mas numa taxa menor do que 4% ao ano. AT Kearney, empresa líder em consultoria de gestão, projeta que as carnes à base de plantas representarão 10% do mercado de carnes já em 2025.

Os desafios já começam a aparecer. Um novo relatório do The Good Food Institute aponta que o setor de alternativas vegetais pode ter problemas para suprir a demanda projetada para 2030. A pesquisa identificou entraves sobre a disponibilidade de volume para o fornecimento global de ingredientes essenciais para a indústria (como óleos, gorduras e proteínas). O estudo concluiu ainda a necessidade de investimento em infraestrutura, modernização das instalações de processamento existentes e colaboração entre os stakeholders do setor para que esse mercado prospere.

O CEO da Impossible Foods admite no estudo que uma transição completa para um sistema alimentar à base de plantas enfrentará, sim, vários obstáculos e desafios porque carne, laticínios e ovos são um componente importante da dieta humana e a criação de gado é parte integrante das economias rurais em todo o planeta. Quase 2 bilhões de pessoas, a maioria no Sul Global, criam seus próprios animais para alimentação e renda – embora comam muito menos carne do que os consumidores de nações ricas. Essas pequenas fazendas produzem cerca de 80% dos alimentos consumidos na Ásia e na África Suubsaariana, mas estas regiões apresentam os menores índices de consumo per capita por ano de carne do globo (Ásia: 26.6kg e África (toda): 13kg).

Por esses motivos, Brown e Eisel apontam o Ocidente como o principal responsável pelas altas emissões do setor de alimentos e, assim como o estudo da Nature Food, concluem que o foco da transição alimentar deve estar nesses países que, representando 68% do PIB global, é onde a mudança causaria o maior impacto positivo para o clima. Contudo, é importante dividir a responsabilidade dessa transição alimentar globalmente. Essa é uma mudança que, para ser efetiva, precisa acontecer do lado de quem produz e de quem consome.

Mas, por mais que os consumidores estejam demonstrando entusiasmo com os alimentos feitos de plantas, que replicam cada vez melhor sabor, textura e nutrição das versões convencionais e com preços cada vez mais competitivos, será que basta contar com a tomada de consciência do consumidor? As abordagens orientadas para o mercado podem fazer muito, mas serão suficientes para garantir o cumprimento de metas climáticas?

É inevitável pensar que os governos precisarão agir e elaborar, por exemplo, políticas para ajustar a pecuária a um modelo de produção mais sustentável. Isso foi feito – de forma intensiva – com o setor de energia e de transportes nos últimos anos. E enquanto outras tecnologias “amigas do clima” (como baterias e energias renováveis) já são discutidas regularmente em fóruns globais, como no Clean Energy Ministerial (CEM), onde as principais economias do mundo, em parceria única, trabalham em conjunto para acelerar a transição global de energia limpa, isso parece ainda ser um desafio para o setor de alimentos.

Uma das explicações pode estar no fato de que o potencial da contribuição das proteínas alternativas para cumprir as metas do Acordo de Paris tenha permanecido incompreendido até pouco tempo mas, com toda a ciência revelada nos estudos recentes, esse potencial não pode mais ser subestimado. Há muito a ser feito em nível internacional e, de acordo com um relatório do GFI com o Climate Advisers, as prioridades dos líderes políticos deveriam ser financiar a ciência de acesso aberto, incentivar a Pesquisa e o Desenvolvimento (P&D) do setor privado e apoiar a infraestrutura para fabricação de carnes cultivadas e feitas de plantas.

Enquanto isso não acontece, o mercado tem investido em soluções de curto prazo para incentivar a alimentação à base de plantas. São incontáveis os grandes e pequenos varejos, além de restaurantes e comércios locais, que têm colocado produtos vegetais em suas lojas ao redor do mundo. São inúmeras as empresas que estão desenvolvendo produtos híbridos e são enormes os avanços pelos quais o setor de carne cultivada tem passado recentemente.

As gigantes do fast food e do varejo também não estão ficando para trás – porque já entenderam que esses produtos vendem. O Panera Bread pretende tornar 50% do seu cardápio plant-based até 2025. O mesmo vale para o Burger King do Reino Unido, que até 2030 vai ter metade do menu com produtos feitos de planta para reduzir em 41% suas emissões de GEE. No final de 20, a rede Burger King também abriu sua primeira loja 100% vegetal em Madri. No Brasil, a rede conta com um sanduíche feito de plantas em seu menu. O McPlant, hambúrguer de carne à base de plantas do McDonald´s, já é vendido em 600 estabelecimentos. Já a Tesco, uma gigante do varejo europeu, está no processo de aumentar suas vendas de alimentos à base de plantas (como hambúrgueres, salsichas, quiches, tortas e comidas prontas) em 300% até 2025 para acompanhar as medidas que desenvolveu em parceria com a ONG WWF. No início deste ano, a KFC lançou o “frango frito vegetal” em todos os pontos dos Estados Unidos – depois do teste feito em Atlanta, em 2019, ter esgotado todo o produto em 5 horas. Ainda no Brasil, a rede Bob´s também conta com um lanche feito à base de plantas mimetizando o sabor de carne e frango.

Todas essas ações mercadológicas são importantíssimas para impulsionar uma transição alimentar porque tempo é um luxo que não temos de sobra. Para Brown, “a rapidez é tão importante quanto a magnitude. Todos os dias que não estamos fazendo algo a respeito, estamos avançando mais no caminho para danos irreversíveis.

E a questão da pressa toca em outro ponto extremamente importante: o respeito aos animais. Mais de 70 bilhões de animais terrestres são consumidos todos os anos e os consumidores estão cada vez mais atentos e preocupados com a maneira que isso está sendo feito. A Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou no começo de março de 2022, durante assembleia em Nairóbi, no Quênia, uma resolução que inclui o bem-estar animal como política essencial no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A proposta foi aprovada pelos 193 países membros. Antes da assembleia, um grupo de 27 organizações, que juntas representam mais de 1 milhão de membros, enviaram uma carta ao Ministério do Meio Ambiente solicitando que o país votasse a favor da resolução. O The Good Food Institute Brasil foi um dos signatários da carta.

A carta solicitou que “os Estados-membros protejam a vida selvagem e outros animais não-humanos, considerando o crescente consenso de que o bem-estar animal e a proteção dos ecossistemas estão intrinsecamente relacionados com alguns dos mais significativos desafios enfrentados pela comunidade global atualmente – incluindo a redução do risco de novas e emergentes infecções por doenças zoonóticas, a mitigação das mudanças climáticas e de outras ameaças ambientais – e assegurando sistemas alimentares seguros e sustentáveis”.

O texto ainda menciona que o bem-estar animal é uma importante preocupação para os cidadãos do Brasil e ao redor do mundo. De acordo com uma pesquisa de setembro de 2021 do instituto Datafolha, 88% dos brasileiros se importam em maior ou menor grau com o sofrimento dos animais nas fazendas, o que representa 9 em cada 10 brasileiros acima de 16 anos, ou aproximadamente 148 milhões de pessoas. Além disso, também foi apontado que 84% dos consumidores comprariam em outro lugar caso soubessem que o estabelecimento vende produtos de fazendas originados de práticas cruéis. Em 2020, 50% dos brasileiros já haviam reduzido o consumo de carne, segundo pesquisa do GFI Brasil com o IBOPE.

Seja pela compaixão, pela empatia, pela consciência ambiental, pela preocupação social, pelo sabor, pela saúde ou por todas as alternativas anteriores, o que importa é que mais e mais pessoas estão mudando suas dietas e descobrindo que essa transição pode ser, além de necessária, incrível e deliciosa, ao mesmo tempo em que começam a perceber que o garfo é uma importante ferramenta política e que os alimentos que botamos no prato são um voto pelo mundo que queremos.

Setor de proteínas alternativas recebeu investimento recorde de $5 bilhões em 2021, 60% a mais do que em 2020

Interesse de investidores segue crescendo como solução sustentável em meio a crises de saúde pública e ambientais

por Bruna Corsato e Vinícius Gallon para o GFI Brasil

O The Good Food Institute acaba de divulgar dados comprovando que 2021 foi um ano de investimento recorde no ecossistema de empresas de alternativas aos produtos de origem animal. Neste setor estão incluídas não apenas empresas de proteína vegetal, mas também as de carne cultivada e de fermentação. Desde 2010, foram investidos quase US$11,1 bilhão no setor, sendo US$8 bilhões (73%) após o início da pandemia do coronavírus e a consequente disrupção dos mercados globais.

Em um contexto onde o mundo está voltado a buscar soluções para mitigar a crise climática, lidar com questões de uso de terra e água, e prevenir a próxima pandemia, as proteínas alternativas despontam como um investimento que vai além de retornos rápidos, sendo sustentável para o planeta a longo prazo.

A análise dos investimentos foi realizada utilizando a plataforma PitchBook Data, e mostrou que 740 empresas globais do setor, incluindo três brasileiras, receberam US$5 bilhões em investimentos em 2021. Este número é 60% maior que os US$3,1 bilhões registrados no ano anterior e cinco vezes mais que o US$1 bilhão investido no setor em 2019. “A metodologia utiliza como base anúncios públicos de investimentos, porém, há muitos outros acordos que figuram ainda em carater privado ou de confidencialidade. Por isso, o estudo não é suficiente para definirmos como os investimentos performaram no Brasil no último ano. No entanto, esses números são uma importante sinalização sobre o otimismo dos investidores sobre esse mercado globalmente que, sem dúvida, está se refletindo por aqui”, afirma Raquel Casselli, gerente de engajamento corporativo do GFI Brasil.

Vale ressaltar que em 2021 a JBS anunciou investimento de US$ 100 milhões nesta nova frente, consolidando um trabalho de análise mercadológica iniciado há três anos, com apoio do GFI Brasil. Com esse recurso, a JBS firmou acordo para aquisição do controle da empresa espanhola BioTech Foods, prevendo o investimento na construção de uma nova unidade fabril na Espanha, além da implantação do primeiro Centro de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) em Biotecnologia e Proteína Cultivada no Brasil. Por não ter sido registrado no PitchBool Data Inc., esse investimento não foi contabilizado pelo estudo.

A confiança dos investidores em empresas de proteínas alternativas é impulsionada por vários fatores de mercado, e as crises de saúde pública e ambientais que dominaram o mundo ao longo de 2020 e 2021 tornaram claros os riscos associados a portfólios e práticas de negócios habituais. Nesse contexto, tem relevância ainda maior a perspectiva de carne produzida sem risco de contribuição para a transmissão de doenças zoonóticas e emissões dramaticamente menores do que a carne convencional.

Embora os investimentos em proteínas alternativas tenham crescido a uma taxa impressionante, eles continuam sendo uma fração minúscula dos trilhões de dólares que foram investidos globalmente em empresas de tecnologia climática como um todo. Somente em 2021, o capital privado em empresas de tecnologia climática em estágio inicial totalizou US$ 47 bilhões. ”Com cada vez mais investidores reconhecendo que o risco climático é um risco de investimento, as proteínas alternativas oferecem uma solução escalável que aproxima o mundo de um sistema alimentar mais seguro e neutro em emissões de carbono. Gerenciar os riscos climáticos é impossível sem abordar os alimentos, e a agricultura e as proteínas alternativas nos oferecem uma ferramenta para fazer isso”, explica Sharyn Murray, especialista de engajamento corporativo do GFI-EUA.

Apesar do bom momento, o processo de diversificação de tipos e fontes de investimento no setor está apenas no começo uma vez que as proteínas alternativas ainda não são vistas como solução fundamental na equação da sustentabilidade. “Considerando a escala de reduções de emissões que ocorreriam com uma mudança para proteínas alternativas, este é um momento crítico para investir em tecnologias e inovações que podem levar nosso sistema alimentar a zero líquido e rápido”, pondera a vice-presidente de engajamento corporativo do GFI-EUA Caroline Bushnell. Os investimentos no setor são consideravelmente menores em comparção com outras indústrias como energia renovável e carros elétricos, por exemplo. “Aumentar os investimentos em proteínas alternativas sustentáveis permitirá que as empresas financiem P&D, produção em escala e reduzam custos para competir efetivamente com a proteína animal produzida convencionalmente e, finalmente, levar proteínas alternativas para mais pratos.”, conclui.

Metodologia

Para quantificar essa atividade de investimento, o GFI utilizou a sua própria ferramenta company database para criar uma lista global customizada de empresas de carnes, ovos, pescados, leites e produtos lácteos vegetais, carne cultivada e alimentos obtidos por fermentação rastreadas pelo PitchBook Data Inc. Isso gerou uma lista de mais de 740 empresas, incluindo 3 brasileiras: Fazenda Futuro, The New e Vida Veg. Os números publicados nesta versão podem diferir dos números anteriores publicados pelo GFI à medida que aprimoramos continuamente nosso conjunto de dados. Para os fins deste comunicado, “investimento”, “capital de investimento” e “capital investido” são usados alternadamente para se referir a negócios que incluem financiamento de acelerador ou incubadora, financiamento anjo, financiamento inicial, financiamento coletivo de capital ou produto, capital de risco em estágio inicial, capital de risco em estágio avançado, crescimento/expansão de private equity, capitalização, empreendimento corporativo, joint venture, dívida conversível e dívida geral (mas exclui fusões, aquisições, fusões reversas, aquisições alavancadas, IPOs, ofertas de ações subsequentes e investimento privado em capital público). Os dados de 2021 pertencem ao período de 52 semanas que termina em 31 de dezembro de 2021. Esses dados não foram revisados pelos analistas do PitchBook.

Neste Dia Internacional das Mulheres, GFI Brasil destaca o protagonismo feminino em iniciativas que devem acelerar inovações no setor de proteínas alternativas

por Vinícius Gallon

Em um campo emergente como as proteínas alternativas, o financiamento de pesquisa tem um papel crucial. Estudos sobre carne cultivada, alimentos feitos de plantas e obtidos por fermentação geram avanços na oferta de produtos saborosos, acessíveis e seguros, além de impactar positivamente o clima, a saúde global, a oferta de alimentos para toda a população e o respeito aos animais. Identificar lacunas de conhecimento e articular soluções tecnológicas requer uma compreensão profunda da ciência em proteínas alternativas e em campos relacionados. E no Brasil, quem tem assumido esse desafio, em grande número, são as mulheres.

Como uma organização sem fins lucrativo, o GFI se dedica ao avanço da pesquisa de acesso aberto em proteínas alternativas e à criação de um ecossistema de pesquisa e formação. O Programa de Incentivo à Pesquisa distribui recursos para apoiar cientistas a fim de garantir a viabilidade comercial de seu trabalhos. Na chamada de 2021, o objetivo foi o de produzir conhecimento e tecnologia para replicar cortes inteiros de carne, como bife, peito de frango, costeleta de porco, filé de salmão e frutos do mar. Foram selecionados 22 projetos, dos quais 5 são brasileiros e, desses, 3 liderados por mulheres.

Conheça as pesquisadoras brasileiras contempladas pelo Programa de Incentivo à Pesquisa

No campo de alimentos híbridos, a Dra. Aline Bruna da Silva, professora no departamento de engenharia de materiais do CEFET-MG, lidera uma pesquisa para produzir cortes inteiros de carne de frango através da combinação de tecnologias de cultivo celular e plant-based. O produto final deverá ter textura e sabor de frango convencional, mas com gordura mais saudável do que a de origem animal. 

Já a pesquisa da Dra. Olga Lúcia Mondragón-Bernal, pesquisadora da Universidade Federal de Lavras, vai desenvolver protótipos de análogos de peixe (semelhantes a salmão, truta e tilápia) utilizando proteína texturizada de cogumelo ostra. A equipe da cientista vai utilizar como matéria-prima cogumelos de agricultura orgânica e familiar da própria região de Lavras (MG) e pretende estabelecer parcerias para transferir parte da tecnologia para esses pequenos produtores. 

A Dra. Vivian Feddern, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, lidera uma pesquisa para produzir pedaços inteiros de carne cultivada de frango (similar ao filé de peito desossado) a partir de céulas musculares de frango cultivadas em scaffold, além de estabelecer uma linha de células-tronco de frango que poderão ser expandidas, semeadas e diferenciadas em novos tipos de scaffolds para produção de cortes inteiros de carne.

Neste mesmo Programa, mas na edição de 2019, o Brasil foi contemplado com três financiamentos, todas para pesquisadoras mulheres: Dra. Ana Carla Sato, da Unicamp (folha de mandioca), Dra. Ana Paula Dionísio, da Embrapa (fibra de caju), e Dra. Caroline Mellinger, da Embrapa (feijão carioca). As três pesquisas estão avançando para a fase final e já colhem excelentes resultados. 

Em outra iniciativa, desta vez do GFI Brasil, o fomento visa financiar estudos sobre o uso de espécies nativas que podem ser base para análogos vegetais de produtos de origem animal. A expectativa é que espécies da Amazônia e do Cerrado – babaçu, baru, castanha do Brasil, cupuaçu, guaraná, macaúba e pequi – sejam fonte de proteínas, pigmentos e fibras que integrem outras matrizes já usadas na indústria. Das 14 pesquisas contempladas pelo Programa Biomas, 7 são lideradas por mulheres. 

Conheça as pesquisadoras contempladas pelo Programa Biomas

Focando suas pesquisas no baru, tanto a Dra. Ana Paula Rebellato, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), quanto a Dra. Mariana Egea, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (IFGoiano), visam obter ingredientes para a produção de alimentos feitos de planta. Enquanto a primeira pretende obter ingrediente extrusado com elevado teor proteico e rico em fibras a partir do subproduto da extração do óleo da amêndoa do baru, a segunda quer obter ingredientes a partir de resíduos do produto nativo.

A Dra. Luiza Helena Meller da Silva, da Universidade Federal do Pará, vai desenvolver ingredientes a partir dos resíduos do processamento do cupuaçu e do guaraná para aplicação em produtos plant-based. Já a Dra. Fabiana Queiroz, da Universidade Federal de Lavras – MG, pretende obter ingredientes a partir da extração integral da polpa, amêndoa e casca do pequi para aplicação em produtos vegetais análogos. Para conhecer as outras três pesquisadoras e seus temas de pesquisa, acesse o site.

Proteínas Alternativas: um campo com protagonismo feminino

Para além dos programas de incentivo do GFI, que financiam pesquisas em carne cultivada lideradas por mulheres, também há protagonismo feminino em outras iniciativas. A começar por nossa própria equipe de ciência e tecnologia, formada 100% por mulheres. Liderada pela Dra. Katherine de Matos, a equipe conta, ainda, com Ma. Cristiana Ambiel, Dra. Amanda Leitolis, Dra. Luciana Fontinelle, Dra. Lorena Silva Pinho, e a doutoranda Mariana Demarco. 

Também contribuindo com a produção de conhecimento e formação, a Universidade Federal do Paraná lançou, em 2020, a primeira disciplina brasileira sobre carne cultivada ofertada em um programa de pós-graduação. Coordenado pela professora Dra. Carla Molento, a disciplina  Introdução à Zootecnia Celular foi criada com o objetivo de colaborar na formação de novos profissionais para atuarem no mercado de carne cultivada. Graduada em medicina veterinária pela UFPR, a Dra. Carla tem se dedicado especialmente a iniciativas que promovem o bem-estar animal, coordenando, ainda, o LABEA – Laboratório de Bem-Estar Animal da mesma universidade.

Outro nome que vem despontando no setor é o da pesquisadora Dra. Bibiana Matte, diretora científica da Núcleo Vitro, que está desenvolvendo a primeira carne cultivada brasileira, com investimento de R$ 5 milhões disponibilizados pelo edital da Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul). Dra. Bibiana é, ainda, fundadora da primeira startup de carne cultivada do país, a Ambi Real Food.

No final de 2021, a JBS anunciou um investimento recorde de US$ 100 milhões no mercado de carne cultivada. Com o valor, a empresa firmou acordo para aquisição do controle da empresa espanhola BioTech Foods, investimento na construção de uma nova unidade fabril na Espanha, além da implantação do primeiro Centro de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) em Proteína Cultivada do Brasil, que será co-liderado pela Dra. Fernanda Berti, que tem passagem pelo Research Institute I3Bs, e criou uma startup incubada no Vale do Silício (EUA) que desenvolve produtos baseados em medicina regenerativa e células-tronco para o tratamento de animais na Europa. Também na JBS, a Dra. Roberta Ferreira é cientista sênior, atuando também com carne cultivada.

Quando o assunto é empreendedorismo, elas também não ficam para trás

Eleita pelo MIT como uma das jovens mais inovadoras da América Latina, Amanda Scarpa é fundadora da N.Ovo Plant-Based, primeira startup brasileira a criar produtos para substituir ovos em receita, omelete e molhos. Co-fundadora do Grupo Planta, hub da indústria plant-based que promove a alimentação e o empreendedorismo consciente, Daniele Zuckerman, que também é embaixadora do GFI Brasil, é uma das maiores promotoras de uma alimentação a base de plantas. 

Uma das principais vozes do veganismo no Brasil, a autora, apresentadora, cantora e ativista Alana Rox, também é proprietária do restaurante Purana, um dos mais badalados de São Paulo, além de grande entusiasta do mercado de proteínas alternativas. Coordenadora do departamento de saúde e nutrição da Sociedade vegetariana Brasileira, com vasta experiência em alimentação vegetariana e sustentabilidade, Alessandra Luglio também é consultora para o desenvolvimento de produtos feitos de planta para diversas marcas brasileiras. 

Outro restaurante também muito conhecido dos paulistanos, o Pop Vegan Food, é co-liderado pelas empreendedoras Carol Caliman e Monica Buava. À frente da diretoria de Marketing da Incrível Seara, uma das maiores linhas de produtos plant-based do Brasil, está Camille Lau, que também atuou em função semelhante na The Vegetarian Butcher, linha de produtos feitos de planta da Unilever. Mari Dalla Vecchia é fundadora da Mr. Veggy, 1ª marca brasileira a oferecer um hambúrguer plant-based custando menos de dois reais. Nathália Pires é co-fundadora da NoMoo, startup com mais de dez produtos lácteos vegetais que recebeu sua primeira rodada de investimentos (R$10 milhões) da DXA no ano passado. Também no mercado de laticínios vegetais, Cintia Lombardi é co-fundadora da BasiCo, que já conta com oito produtos no portfólio e alimenta diversas marcas do food service. 

Também não poderíamos deixar de citar outras mulheres que têm apoiado em suas áreas de atuação o desenvolvimento estruturado do setor de proteínas alternativas: Eloisa Garcia, Diretora Geral do Ital, eleita pela Forbes como uma das mulheres mais poderosas no campo, Ana Lúcia de Paula Viana, Diretora do Dipoa-MAPA, Thalita Antony de Souza Lima, Gerente-Geral de Regulamentação e Boas Práticas Regulatórias da Anvisa, Tatiana Schor, Secretária-executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas, além de Raquel Casselli, Ana Carolina Rossetini, Camila Lupetti, Karine Seibel, Jaqueline Gusmão e Mariana Bernal, que integram, áreas do GFI Brasil.

Neste Dia Internacional das Mulheres, queremos celebrar e agradecer à todas as profissionais que tem promovido as principais transformações no setor de proteínas alternativas. Além de serem presença significativa na liderança de empresas, startups e no governo, também são elas que empreendem a maior parte das pesquisas em carne cultivada, alimentos feitos de plantas e obtidos por fermentação no Brasil.

Das 22 pesquisas apoiadas pelo GFI, 16 são lideradas por mulheres. Das 17 pessoas que atuam no GFI Brasil, 12 são mulheres, 70% em cargos de liderança. Sabemos que a equidade de gênero ainda tem um longo percurso para deixar de ser utopia, para se tornar realidade. Mas, em nosso setor, temos bons motivos para acreditar que um cenário mais diverso e equitativo é possível. À todas as mulheres, desejamos mais conquistas de direitos, espaços e reconhecimento. Contem sempre com o GFI Brasil.

Cientistas estudam aplicação de espécies nativas do Cerrado e da Amazônia no mercado de proteínas alternativas. Conheça os projetos

Fomentado pelo The Good Food Institute Brasil, Programa Biomas tem início com estudos de sete espécies nativas que podem substituir produtos de origem animal

A diversidade dos Biomas brasileiros pode colocar o país no centro da produção sustentável de matérias-primas do setor de proteínas alternativas. Com o crescimento do mercado interno de produtos feitos de plantas, 14 pesquisadores iniciam neste ano estudos sobre o uso de espécies nativas que podem ser base para análogos de produtos de origem  animal. A expectativa é que espécies da Amazônia e do Cerrado – Babaçu, Castanha do Brasil, Cupuaçu, Guaraná, Baru, Macaúba e Pequi – sejam fonte de proteínas, pigmentos e fibras que integrem outras matrizes já usadas na indústria. 

As pesquisas ocorrem no âmbito do Programa Biomas, criado pelo The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil). As espécies foram selecionadas a partir de seu potencial econômico e técnico. Mais do que apenas encontrar alternativas às fontes protéicas, o programa selecionou investigações que pensam todo o ciclo econômico da produção do ingrediente, passando pelo uso de resíduos normalmente descartados, aplicação de tecnologias limpas, e fomento às comunidades locais.

Nesta edição do programa, mais de 80 propostas de pesquisa foram recebidas de cerca de 34 instituições de 14 estados brasileiros. O número mostra o avanço da pesquisa brasileira na área. Desses, o GFI Brasil selecionou 14 pesquisas. Os resultados das investigações que duram um ano serão divulgados abertamente a fim de tornar possível a aplicação e escalonamento das tecnologias desenvolvidas. 

As pesquisas contribuem para consolidar a tendência de consumo de proteínas alternativas à carne, peixes e frutos do mar, leite e laticínios e ovos no Brasil, cuja demanda cresce a cada ano. O objetivo é encontrar o potencial real de aplicação desses ingredientes na indústria, desenvolvendo o mercado nacional, agregando valor às espécies nativas e promovendo o uso sustentável dos recursos naturais – caminho que leva à conservação da floresta. 

Além disso, os pesquisadores buscarão identificar as características de sabor, textura, experiência de consumo, custo e nutrição de seus produtos, com foco em criar possibilidades reais de uso e consumo. “Nada melhor para a valorização do produto do que colocá-los no nosso prato e transformá-los em produtos do nosso dia a dia. Que o brasileiro possa se apropriar da riqueza que temos, que poucos têm acesso”, defende a gerente de Ciência e Tecnologia do GFI Brasil, Cristiana Ambiel.  

Segundo estudo do GFI Brasil, 84% das empresas querem mais ingredientes nacionais. Na prática, os resultados podem apresentar alternativas às matrizes importadas para produtos à base de plantas, como a ervilha, que assim como a soja, domina a produção plant-based no Brasil. No cerrado, por exemplo, se estuda a possibilidade de produção de um hambúrguer totalmente feito com base no Baru. Na Amazônia, a castanha do Brasil pode ser uma fonte de proteína com maior diversidade de aminoácidos que os concorrentes estrangeiros.

“A gente vê o quanto o Brasil pode ser referência em proteínas alternativas para o mundo. Lançando tendências de proteínas. Temos como desenvolver alternativas nacionais, que sejam mais competitivas, levar isso para fora do país e servir como modelo e referência no mercado”, completa a especialista em ciência e tecnologia do GFI Brasil, Luciana Fontinelle.

Cristiana Ambiel também destaca que uma diversidade maior de ingredientes pode equilibrar a sustentabilidade de produtos plant-based. “O GFI já tem esse propósito da sustentabilidade, tanto é que fomenta produtos vegetais por serem mais sustentáveis que a produção animal. Mas conseguimos uma sustentabilidade ainda maior quando olhamos para a obtenção de ingredientes da nossa biodiversidade, em especial, quando visamos o aproveitamento completo das espécies nativas agregando valor às partes que são subaproveitadas como cascas, sementes e resíduos de processo”.

No contexto brasileiro, desenvolver o setor de proteínas alternativas significa gerar mais empregos com a diversificação da matriz econômica. É também um passo em direção a processos economicamente viáveis ​​de produtos protéicos alternativos inovadores, que podem ser compartilhados com os atuais processos de produção de proteína animal para superar o desafio de alimentar de forma sustentável 10 bilhões de pessoas em 2050.

Fabiana Queiroz, pesquisadora da Universidade Federal de Lavras, uma das contempladas pelo edital, ressalta que o Programa é fundamental para o país e que também leva à preservação dos biomas. “A preservação desses frutos depende que a gente tenha a tecnologia de processamento para que seja interessante continuar a produção deles e impedir o desmatamento”, lembra.

Em qualquer cenário, é consenso entre os pesquisadores que as pesquisas devem deixar um legado de viabilidade ambiental, técnica, econômica e social para cada ingrediente, produto e processo desenvolvido.

Conheça algumas das pesquisas aprovadas:

PEQUI

Fabiana Queiroz,  Universidade Federal de Lavras – MG

Tema da pesquisa: Obtenção de ingredientes a partir da extração integral da polpa, amêndoa e casca do Pequi para aplicação em produtos plant-based

Apesar de estar presente em muitos estados do Brasil, o pequi, fruto chamado de “ouro do cerrado”, pode passar despercebido e não ter suas potencialidades aproveitadas se não for resgatado na pesquisa. É o que lembra a pesquisadora Fabiana Queiroz, professora do departamento de ciência de alimentos da Universidade Federal de Lavras, que propõe extrair diferentes compostos do pequi e usá-los na produção de um hambúrguer vegetal. 

Considerado carro-chefe do bioma, o pequi é rico nutricionalmente: a casca é fonte de fibras e a polpa é rica em carotenóides, com porcentagem grande de carboidratos. Na amêndoa, a abundância de óleo é acompanhada de um complexo protéico, cuja farinha desengordurada pode ser usada na produção de produtos vegetais. 

Essas propriedades tecnológicas serão estudadas pela pesquisadora e avaliadas para a fabricação de produtos alimentícios. “O pequi já é explorado por cooperativas, em termos de conservas e farinhas. Estamos entrando mais na possibilidade de processamento em grande escala”, explica Fabiana. Um dos focos da equipe é também contribuir com uma produção limpa, de aproveitamento integral do fruto e capaz de atingir escala sem afetar o meio ambiente. 

“Essa exploração ao máximo de todo o potencial do fruto de uma maneira ambientalmente correta é o diferencial”, afirma Fabiana.  “Não é extrair por extrair. É aproveitar ao máximo o produto. É um projeto que tem aplicação muito direta. A ideia é levar para a mesa de todos, em grande escala.”. O desafio, diz Fabiana, será contornar o cheiro e sabor do pequi, forte e exótico. 

CUPUAÇU E GUARANÁ

Luiza Helena Meller da Silva, Universidade Federal do Pará

Tema da pesquisa: Desenvolvimento de ingredientes a partir dos resíduos do processamento do cupuaçu e do guaraná para aplicação em produtos plant-based

Parente próximo do cacau, o cupuaçu é uma potência energética – sua árvore produz até 16 kg de frutos. Já o guaraná é um fruto que ganhou importância cultural ao longo do tempo em diversas regiões do país. Ambos encontrados na região amazônica, já são conhecidos na culinária, mas seu consumo gera um desafio: a quantidade de resíduos que “sobram” e são descartados. 

Gerar valor agregado e diminuir a produção dessas sobras se tornou a prioridade de Luiza Meller da Silva, professora titular da Universidade Federal do Pará, que coordenará estudo sobre os frutos com objetivo de produzir análogos cárneos. 

“Quando vimos um edital que trabalhava biodiversidade aliado ao desenvolvimento de produtos baseados em plantas, a gente pensou em usar algum tipo de resíduo que pudesse ter essa função de ser utilizada para desenvolver algum alimento que pudesse estar presente no mercado”, conta. 

No caso do cupuaçu, a equipe de Luiza optou por trabalhar com a casca, que tem aplicações menos nobres – a polpa do fruto já é bastante conhecida e explorada comercialmente. Já o xarope de guaraná, usado em diversos alimentos, também gera um resíduo que será aproveitado. Uma das buscas é capacitar as fibras desses produtos para uso em produtos vegetais.

O estudo vai usar tecnologias que possam ser aplicadas em pequenas comunidades, sem a necessidade de técnicas sofisticadas ou processos agressivos. “O projeto visa o repasse não só do produto, mas do treinamento para que as pessoas também tenham esse conhecimento básico”, afirma. Na proposta exploratória, a equipe buscará agregados menos “óbvios” na indústria. No caso da matriz do produto final, é possível o uso da jaca, por exemplo, no lugar do grão de bico. “A ideia é fechar o ciclo e que as empresas que produzem tenham essa alternativa, ou de desenvolver na própria indústria ou de repassar o resíduo”, conclui a pesquisadora.

CASTANHA-DO-BRASIL

Raul Nunes de Carvalho Júnior, Universidade Federal do Pará

Tema da pesquisa: Estudo e Aplicação da Extração Supercrítica da Castanha-do-Brasil em Formulações Proteicas de Hambúrgueres e Nuggets Vegetais

Encontrada na região amazônica, a castanha do Brasil tem motivos para ser considerada um tesouro nacional. Além da versatilidade da semente do fruto, o produto amazônico é essencial para a manutenção da renda de comunidades extrativistas e é tomada como peça-chave para a manutenção da biodiversidade da região. 

Da castanha, o pesquisador da UFPA pretende obter diversos produtos como óleo e farinha desengordurada com perfil de ácidos graxos mais insaturado e elevada atividade antioxidante; extrato aquoso da farinha desengordurada com maior teor de carboidratos, de compostos bioativos como polifenóis e atividade antioxidante; e concentrado fibroso proteico em pó da castanha-do-Brasil. Ao final da pesquisa, espera-se elaborar um hambúrguer e um nugget vegetais com os ingredientes obtidos nos processos de extração supercrítica da castanha-do-Brasil.

Um dos principais motivos que levou projeto a ser selecionado foi a aplicação da tecnologia supercrítica, utilizando o dióxido de carbono (CO2) como solvente para obtenção dos ingredientes. Esta tecnologia é reconhecida como uma técnica 100% verde e sustentável, se encontrando em destaque no cenário atual da bioeconomia. Além disso, o projeto beneficiará as cooperativas extrativistas locais por meio de visitas técnicas e treinamentos para o beneficiamento da castanha-do-Brasil.

MACAÚBA

Acácio Antonio Ferreira Zielinski, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Tema da pesquisa: Obtenção de ingredientes a partir de subprodutos da extração do óleo da Macaúba para aplicação em produtos plant-based

A macaúba é uma palmeira com intensa distribuição geográfica no Brasil, mas que tem maior concentração no Cerrado. Seu fruto tem importância na indústria por ser uma base promissora na fabricação de biocombustíveis. Assim como outros frutos da região, porém, a extração de seus subprodutos peca na produção e descarte de resíduos. “Eu estou vindo da perspectiva do aproveitamento completo da matéria-prima”, diz Acácio Zielinski do departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina. 

“O caso da macaúba nós sabemos que, desse resíduo, uma fração vai ser proteína, a segunda fração vai ser polissacarídeo. Uma fração vai ser gordura, outra fenólico e outra carotenóide. E a gente vai fracionando”, explica o pesquisador, remetendo ao processo de biorrefinaria, usado para “desmontar” o fruto em subprodutos.

O projeto usará um processo hidrotérmico, tendo a água como solvente, para obtenção de ingredientes subutilizados da macaúba. Entre os destacados pela pesquisa, estão compostos bioativos, polissacarídeos, proteína e o pigmento amarelo, todos com potencial de fomentar a produção de um análogo ao empanado de frango. 

A macaúba foi resgatada na pesquisa em especial pelo seu potencial de uso e cultivo por meio de pequenos produtores. “Nós estamos acostumados a uma economia linear, que vem o produto, usamos e jogamos fora”, afirma Acácio. A pesquisa pretende inverter esse processo, focando em uma economia circular, com redução do descarte. 

BABAÇU

Nedio Jair Wurlitzer, Embrapa Fortaleza (CE)

Tema da pesquisa: Obtenção de ingrediente rico em fibras a partir de resíduo do babaçu para aplicação em produtos plant-based

Original da região amazônica, o coco babaçu compete em importância ao bioma com a castanha-do-Brasil, dada a sua relevância para as comunidades extrativistas locais. A extração de sua amêndoa é feita de forma bastante artesanal, e impulsiona uma atividade econômica fundamental para a manutenção de renda e conservação da floresta. Agora, o estudo liderado pela Embrapa quer aproveitar os resíduos do babaçu, normalmente subutilizados, como forma de dar sustentabilidade ao sistema e condição de vida aos pequenos produtores.

A experiência da unidade de Fortaleza da Embrapa com o babaçu já vinha de iniciativas de produção de análogos do leite e queijo. Observando os primeiros resultados deste estudo, os pesquisadores perceberam condições positivas de trabalho com o resíduo da extração do óleo da amêndoa de babaçu. A expectativa é que ele possa ser usado na produção de um ingrediente rico em fibras para compor análogos cárneos. 

Além da amêndoa, a casca pode ser usada para obtenção de carvão e farinha. “São aplicações diversas que o pessoal de comunidades espalhadas na amazônia já utilizam”, aponta Nedio. “Não é uma produção concentrada, é uma produção bastante espalhada, com muito extrativismo”. 

O resíduo compõe cerca de 40% da amêndoa, explica Nedio. O objetivo, então, é recuperá-lo para obter um ingrediente fibroso. O projeto também quer identificar as condições de armazenamento do produto, aferir a digestibilidade e o comportamento do material. 

BARU

Mariana Egea, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (IFGoiano)

Tema da pesquisa: Obtenção de ingredientes a partir de resíduos do baru para aplicação em produtos plant-based 

Presente no Cerrado, o baru é uma oleaginosa que, apesar de pouco conhecida em comparação à castanha-do-Brasil, está ameaçada dada a extração predatória de sua madeira. No escopo do Programa Biomas, a ideia da pesquisadora Mariana Egea, do IFGoiano, é aproveitar várias partes da cadeia de processamento do fruto, inclusive como forma de manter a floresta em pé. 

Segundo a pesquisadora, é comum o consumo da amêndoa do baru, que corresponde a apenas 5% de todo o fruto. Quase 95% da matéria-prima é destinada à alimentação animal e adubação. “A ideia é aproveitar esses outros subprodutos”, diz Mariana. Por ser sazonal, o aproveitamento dos resíduos pode, por exemplo, contribuir para que produtores tenham renda por mais tempo durante o ano e se sintam conscientes de trabalhar pelo bioma, explica a pesquisadora. 

O projeto quer constituir um hambúrguer aproveitando todas as propriedades do baru. Os elementos do fruto são extraídos e depois reincorporados em uma técnica de produção do hambúrguer que valoriza, por exemplo, a obtenção da textura ideal. Um dos resíduos que envolve a amêndoa pode ser fermentado para a produção de um fungo, base de um pigmento vermelho.  A amêndoa, além do potencial lipídico, pode contribuir com a obtenção de proteínas e fibras. “O que a gente faz é a separação dos resíduos, uma modificação de forma biológica e uma reincorporação”, explica a pesquisadora. 

Ana Paula Rebellato, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Tema da pesquisa: Obtenção de ingrediente extrusado com elevado teor proteico e rico em fibras a partir do subproduto oriundo da extração do óleo da amêndoa do Baru para aplicação em produto plant-based

O alto índice de proteínas e fibras do baru chamou a atenção da pesquisadora Ana Rebellato, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No estudo de sua equipe, o diferencial será o uso da técnica de extrusão – processo mecânico, considerado limpo, que usa energia térmica.  “A ideia é chegar em um produto extrusado, com teor de proteína elevado, que também tenha fibras”, diz a pesquisadora. O grupo pretende fazer testes com diversas misturas para avaliar as diferentes proporções de proteína e misturar a soja com o resíduo do baru. 

Esse resíduo é obtido a partir do óleo do baru. Se aproveitado, agrega valor ao produto e contribui com a renda de pequenos produtores. Como resultado, se espera uma proteína texturizada que pode ser usada para elaborar um hambúrguer, que terá suas qualidades tecnológicas, microbiológicas e sensoriais avaliadas. 

Para conhecer todas as pesquisas aprovadas acesse a lista completa aqui. 

Consumo de carne vegetal vai continuar crescendo nos próximos anos, mas a indústria precisa se preparar para atender a demanda

Estudo do The Good Food Institute revela requisitos globais para atingir as metas de 2030 relativos à colheita, infraestrutura e investimentos para a indústria. 

No ano de 2020, as vendas de alternativas vegetais cresceram duas vezes mais rápido do que as vendas gerais de alimentos nos EUA. Em 2019, o mercado de alimentos à base de plantas valia US$ 5 bilhões. Hoje, já vale mais de US$7 bilhões. A categoria de leites vegetais continua como a mais desenvolvida do setor, representando 35% do mercado de alimentos à base de plantas e 15% do mercado de leite em geral. Mas, quando falamos de carnes vegetais, o aumento das vendas dessa categoria supera o de todas as outras: enquanto a procura por leites vegetais cresceu 27% nos últimos dois anos, por exemplo, as vendas de carnes vegetais aumentaram 72% no mesmo período.

O boom na procura por essas alternativas está influenciando e remodelando todo o setor alimentício. Dados os aumentos previstos na demanda global por proteína e nas mudanças nos hábitos dos consumidores nas próximas décadas, a indústria de proteínas à base de plantas precisará de grandes investimentos – em todas as áreas – para que a cadeia de suprimentos e a capacidade de fabricação consiga saciar a demanda.

Pensando nisso, o The Good Food Institute lançou o relatório “Plant-based Meat: Anticipating 2030 Production Requirements”. A partir de levantamentos de dados e análises da utilização atual de ingredientes, o estudo prevê os requisitos globais de volume de produção para atingir as metas de 2030 relativos à colheita, infraestrutura e investimentos para a indústria. Com estimativas de abrangência global, o estudo traz orientações para investidores, processadores de ingredientes, fornecedores de equipamentos e fabricantes de carne vegetal quanto às urgências, oportunidades, obstáculos e níveis de investimentos necessários para suprir a demanda prevista para 2030.

Em relação ao volume global de ingredientes, o relatório calcula que a indústria precisará produzir no mínimo 25 milhões de toneladas métricas (MMT) de carne à base de plantas para conseguir atender ao mercado anual. O estudo também examina outros pontos como, por exemplo, a futura pegada de fabricação do setor. Com base em instalações de produção hipotéticas usadas para produzir proteínas vegetais estruturadas (SPP), o material base da carne vegetal, estima-se que pelo menos 810 fábricas devam entrar em operação até 2030 para suprir a demanda, o que deve custar aproximadamente US $27 bilhões em despesas de capital global (CapEx) e pelo menos US $17 bilhões de custos operacionais por ano.

A pesquisa identificou potenciais entraves sobre o fornecimento global de ingredientes fundamentais (como óleo de coco e proteína de ervilha) nos próximos anos. No entanto, demonstrou que a capacidade de fabricação, e não a disponibilidade de volume suficiente de ingredientes, é que provavelmente será o elo limitante da cadeia de suprimentos de carne vegetal a nível global. 

A análise do GFI indica que a modernização de instalações de processamento de alimentos existentes, a formação de parcerias, a estreita colaboração entre os stakeholders do setor e, principalmente, o investimento inicial em infraestrutura são as medidas necessárias para evitar um cenário de escassez e conseguir expandir o aporte de produção com mais eficiência na próxima década.

Cenário Brasileiro

Apesar da previsão ser de abrangência mundial, a nível regional ela também se confirma. Cristiana Ambiel, gerente de Ciência e Tecnologia do GFI Brasil, enxerga que essa questão é também um gargalo no país. “Nós precisamos desenvolver empresas interessadas em processar ingredientes (proteína concentrada, texturizada e isolada) para podermos atender a futura demanda”, afirma.

Inclusive, a pesquisa “Oportunidades e Desafios na Produção de Produtos Feitos de Plantas Análogos aos Produtos Animais”, lançada pelo The Good Food Institute Brasil no final de 2021, possui muitos pontos de contato com o relatório “Anticipating 2030 Production Requirements”. Pensando em acelerar a inovação na indústria de proteínas alternativas, o GFI Brasil ouviu profissionais das indústrias de ingredientes e processamento de produtos vegetais no país, identificou os maiores desafios no desenvolvimento de alternativas à base de plantas (com a qualidade, preço e características buscadas pelos consumidores) e definiu sete linhas de pesquisa prioritárias para o avanço desse mercado no Brasil.

O desenvolvimento de matérias-primas e ingredientes nacionais foi apontado como a principal demanda por 84% das empresas que participaram da pesquisa. Por causa da pouca oferta de opções nacionais no mercado, onde a soja ainda predomina, a busca por ingredientes importados é alta. Essa dependência na importação (vulnerável à volatilidade da cotação de moedas estrangeiras e ao tempo de espera pela entrega, por exemplo) eleva os custos de produção e, consequentemente, o preço final do produto, que acaba se tornando inacessível para muitos brasileiros.

Tal realidade parece incompatível com o Brasil, berço de 20% de toda a biodiversidade do planeta. O país possui, de fato, inúmeras espécies nativas que podem agregar características sensoriais e nutricionais únicas a um produto, além de ser um grande produtor de matérias-primas vegetais (como feijões, arroz, aveia, gergelim, trigo, centeio, milho, cevada, sorgo e amendoim) com potencial de se tornar fonte de proteína para a indústria plant-based.

O elo que falta para começar a transformar esse potencial em realidade é a pesquisa científica: tempo e investimentos são necessários para definir os processos de extração mais adequados de cada proteína, caracterizar e melhorar suas funcionalidades proteicas, aprimorar as características sensoriais e reduzir custos finais. O GFI Brasil trabalha para preencher essa lacuna com o Programa Biomas, voltado a universidades, instituições de pesquisa e empresas privadas que financia pesquisas com potencial para transformar produtos nativos da Amazônia e Cerrado em ingredientes alimentícios demandados pela indústria de proteínas alternativas, agregando valor às espécies brasileiras, gerando oportunidades de renda para as comunidades locais e promovendo a preservação da biodiversidade.

O relatório “Anticipating 2030 Production Requirements” corrobora que a pesquisa de ingredientes alternativos é uma frente importante – e especialmente interessante –  para o Brasil. Isso por que, apesar da capacidade de fabricação e processamento ter sido identificada pela análise como a principal barreira a ser enfrentada pela indústria, a pressão sobre o fornecimento global de ingredientes fundamentais também pode se tornar um entrave nos próximos anos.

Por exemplo: é esperado que a indústria de carne à base de plantas exija pelo menos 16% da oferta global do óleo de coco até 2030. Graças ao seu alto teor de gordura saturada e propriedades funcionais, ele se tornou um componente essencial em grande parte dos produtos plant-based. Mas, com mais de 70% da produção concentrada na Indonésia e nas Filipinas, o óleo de coco também se tornou uma commodity volátil e fortemente dependente de exportação. Por isso, além de desenvolver meios de produção alternativos, a indústria deve trabalhar – com urgência – na diversificação de ingredientes e criar novos métodos de fabricação para produzir gorduras vegetais semelhantes. O mesmo cenário vale para outros produtos fundamentais, como proteína de soja e de ervilha, uma vez que a indústria de carne à base de plantas vai passar a exigir, respectivamente, 3 vezes e 10 vezes a oferta global projetada desses produtos até o ano de 2030.

Muito além da indústria de alimentos

O relatório do GFI é uma primeira análise em macroescala de um modelo que deve ser frequentemente atualizado e que aumentará em complexidade, robustez e precisão conforme novos dados forem se tornando disponíveis. Enquanto a análise indica que a indústria plant-based não deve subestimar os desafios na expansão da cadeia de fornecimento de carne à base de plantas para uma escala que rivalize com a da carne convencional, ela garante que existe um amplo precedente para fundamentar esse nível de expansão de investimento em infraestrutura: o setor de energia renovável. 

Os investimentos globais em capacidade de energia limpa cresceram de US $40 bilhões em 2004 para US $282 bilhões em 2019 e, assim como as proteínas vegetais, a energia limpa é uma alternativa mais econômica e sustentável para uma indústria em larga escala latente, com altos custos iniciais de P&D e CapEx, mas baixo custo para financiamento de infraestrutura. E, quando se fala de carne à base de plantas, as cadeias e os processos de produção apresentam ainda várias vantagens de eficiência estrutural e flexibilidade sobre a carne convencional que podem melhorar a resiliência do setor, garantindo vantagem competitiva a longe prazo e, claro, benefícios profundos para o meio ambiente, saúde pública e segurança alimentar.

Israel e Argentina anunciam colaboração em edital de pesquisa científica sobre proteínas alternativas

Edital visa estreitar a colaboração entre os dois países através do financiamento de cinco projetos bilaterais em proteínas alternativas

Os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina e de Israel se uniram para avançar o desenvolvimento técnico-científico de ambos os países, por meio de um edital de pesquisa em proteínas alternativas. A cooperação visa também estreitar as relações entre os países, em especial entre a comunidade científica. Para tanto, foi estabelecido um edital bilateral com foco em promover a troca de conhecimento e estreitar a rede de conexões entre pesquisadores argentinos e israelenses.

Equipes de cientistas são convidadas a enviar propostas de projetos que se encaixem em uma das frentes programáticas designadas para receber apoio financeiro em sua execução. Uma das áreas de interesse é a Pesquisa em Medicina e Saúde, onde proteínas alternativas são contempladas ao lado de bem-estar, envelhecimento saudável e tecnologia médica. O segundo foco é Transição para Energias Renováveis, abarcando mudança climática, energia limpa e pesquisa em desertificação.

O acordo prevê o financiamento de até cinco projetos com duração de dois anos, dando suporte a equipes formadas por pesquisadores argentinos e israelenses. Além do suporte financeiro, o edital também prevê visitas mútuas a instituições complementares.

As propostas devem ser submetidas até o dia 31 de março para ambos os Ministérios, acessando esse link, no caso de projetos argentinos, e este outro link, no caso de projetos israelenses. Interessados devem acessar o edital para mais informações.

GFI renova acordo de cooperação técnica com o estado do Amazonas

A colaboração visa fortalecer a indústria de proteínas vegetais no bioma Amazônico através de princípios de economia sustentável

Texto: Mariana Bernal

Revisão: Bruna Corsato

Grande parte da biodiversidade de nosso país se encontra no estado do Amazonas. Sua biodiversidade tem papel fundamental no equilíbrio ambiental brasileiro, sendo também fonte de recursos naturais capazes de abastecer e fortalecer diversos setores da nossa economia se explorados de forma sustentável. O The Good Food Institute Brasil acredita que na riqueza do bioma Amazônico esta parte da solução para uma das grandes questões do nosso tempo, o de alimentar de forma segura, sustentável e justa quase 10 bilhões de pessoas até 2050. Diversificando sua matriz econômica para incluir pesquisa e produção de matérias-primas e produtos para a indústria de proteínas alternativas é possível que a região contribua para que o Brasil avance na transição de celeiro a supermercado do mundo.

Neste contexto, o GFI Brasil renovou o Acordo de Cooperação Técnica com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI) do Amazonas. “Pensar em fontes e insumos para a indústria plant-based permite vislumbrar a possibilidade de transformação da matriz econômica do estado do Amazonas em uma onde  possamos trazer proteínas alternativas, alta tecnologia e ciência de ponta para dentro do debate da sustentabilidade, da biodiversidade, da conservação do  bioma amazônico.”, acredita Tatiana Schor, secretária da SEDECTI.

A colaboração teve início em 2020 e, ainda que em meio à pandemia de COVID-19, obteve excelentes resultados. Grande impacto foi gerado sobre o ecossistema de pesquisa e desenvolvimento da região por meio do edital do Programa Biomas, além de contribuir na dinamização do ambiente de empreendedorismo através de contatos e palestras com diferentes atores do circuito estadual de inovação. 

Ao longo da primeira edição do acordo, o GFI Brasil lançou um edital com apoio institucional da SEDECTI e financiamento da Climate and Land Use Alliance, em busca de projetos de pesquisa para desenvolver produtos e ingredientes a partir de espécies nativas dos biomas Amazônia e Cerrado. Na segunda edição do Acordo, pretende-se que mais projetos do estado do Amazonas sejam contemplados por uma nova fonte de financiamento. 

Ainda na primeira edição, foram realizadas entrevistas preparatórias com pesquisadores e investidores como parte de um estudo preliminar de fomento a um empreendimento de base tecnológica voltado a produzir linhagens celulares de espécies nativas, tendo o peixe-boi como primeiro estudo de caso. “Temos projetos em desenvolvimento que visam fortalecer a pesquisa em proteínas alternativas e carnes cultivadas, com estratégias que visam trazer novidades desse setor para o Amazonas”, explica Tatiana. Ao longo da segunda edição, as entrevistas para construir uma narrativa que sustente a mobilização necessária do ecossistema de inovação local para este empreendimento serão continuadas.

“O desenvolvimento da bioeconomia a partir da biodiversidade e mantendo a floresta em pé é uma atividade mandatória para o futuro sustentável da Amazônia, do Brasil e do mundo.  Articular um ambiente integrado de pesquisa e negócios da floresta, na floresta e para a floresta é fundamental  nesse sentido. O GFI Brasil, em parceria com a SEDECTI/AM vem trabalhando nesse sentido.”, comentou Alexandre Cabral, diretor de políticas públicas do GFI Brasil.

As 7 tendências globais que vão dominar o setor de proteínas alternativas em 2022

Nossos especialistas globais apontam as tecnologias que devem despontar ou se fortalecer este ano com o amadurecimento da indústria e quais delas já estão acontecendo no Brasil

Texto: Bruna Corsato

Revisão: Camila Lupetti, Guilherme Vilela, Raquel Casselli e Vinícius Gallon

Após anos de crescimento constante, a indústria de proteínas alternativas caminha para uma fase de consolidação, com empresas do setor entrando em estágios mais avançados e aprimorando os produtos que chegam ao mercado. Mas ainda há espaço para crescimento e inovação, além de muitas oportunidades a serem exploradas nesse ambiente. O time de especialistas globais do The Good Food Institute apresenta quais são as tendências que devem dominar o setor em 2022.

1- A fermentação vai abrir novos caminhos para os produtos vegetais

A utilização de processos de fermentação na indústria plant-based vem crescendo como um dos pilares da produção de alimentos vegetais e a tendência é que essa posição se consolide através de lançamentos que devem chegar ao mercado em 2022.

EM 2021, a norte-americana Perfect Day criou uma proteína de soro de leite (whey protein) a partir de fermentação de precisão, técnica que utiliza microorganismos para produzir ingredientes funcionais específicos, como proteínas, moléculas de sabor, vitaminas e até gorduras. O whey fermentado chegou aos consumidores dos Estados Unidos sob a forma do Brave Robot, o serve de base vegetal da Perfect Day. Mas a lista de lançamentos que aderiram ao novo ingrediente não parou por aí: houve também o cream cheese da Modern Kitchen, mistura para bolo da Climate Hero e até novo leite alternativo no Starbucks.

A tendência é que a indústria continue a explorar essa tecnologia, aprimorando características sensoriais de produtos já existentes e criando novidades para conquistar o consumidor. As previsões de lançamentos deste ano incluem:

 A primeira proteína de ovo fermentado do mundo. A responsável pela inovação é a Every Company e chegará ao mercado através dos smoothies da Pressed Juicery.

Esse é só o começo, prepare-se para ouvir falar muito de fermentação no mercado plant-based em 2022.

2- Mix de tecnologias para criar produtos híbridos

Quando falamos em proteínas alternativas, estamos nos referindo a uma categoria que inclui diversos processos de produção resultando em produtos à base de plantas, de fermentação e de cultivo de células. A tendência é que esse ano vejamos produtos feitos através da combinação dessas tecnologias chegarem ao mercado, que são conhecidos como produtos híbridos:

Além disso, deve se tornar mais comum o uso de machine learning e inteligência artificial no desenvolvimento do perfil de sabor e textura de produtos vegetais para se aproximar mais da experiência sensorial da carne tão desejada pelo consumidor. Empresas como a NotCo, Culture Biosciences e Climax Foods já estão atuando nessa direção.

3- Produtos vegetais se tornarão cada vez mais segmentados e fiéis aos produtos animais

3.1 Frutos do mar: o investimento neste setor bateu recorde em 2021, chegando a $116 milhões de dólares. Já são mais de 87 empresas no setor produzindo frutos do mar a partir de plantas, fermentação ou cultivo de células. A expectativa é de que esses produtos cheguem a lojas e restaurantes já em 2022. 

No Brasil:

3.2 Cortes inteiros de carne: 2022 deve ser o ano em que vamos ver cortes inteiros de carnes vegetais se tornar realidade, contemplando uma variedade maior de preparos na cozinha. Já está no mercado o filet mignon vegetal da Juicy Marbles e a Umiami está desenvolvendo uma nova tecnologia para produzir cortes inteiros em escala.

No Brasil:

3.3 Ovos: esta é uma das categorias plant-based que cresce mais rapidamente, com espaço para produtos como ovo cozido, clara de ovos e uma mistura para que sirva para o preparo de diversos pratos. Vemos grande potencial no uso da fermentação para produzir ingredientes de ovo que melhorem o sabor de produtos vegetais.

No Brasil:

3.4 Leite vegetal: se antes o foco de produção eram os ingredientes vegetais, agora os esforços se concentram em atingir sabor, textura e funcionalidade idênticos aos do leite tradicional. Novidades nesse sentido como o whey da Perfect Day e a caseina da Nobell Food devem avançar essa frente e ser utilizados não apenas por leites vegetais mas também em iogurte, queijo e sorvete vegetais. 

No Brasil:

4 – Aprovações regulatórias para carne cultivada estarão mais  próximas

Até janeiro de 2022, o único país a aprovar a venda de carne cultivada foi Singapura, a partir de um processo que teve início em dezembro de 2020. Entretanto, é possível quer consumidores de outras partes do mundo provem carne cultivada ainda esta ano, com o governo dos Estados Unidos trabalhando ativamente em um marco regulatório para o setor desde 2018. Diversas empresas como UPSIDE Foods, Wild Type e BlueNalu já indicaram estar prontas para comercializar produtos de carne cultivada assim que a regulamentação for aprovada.

No Brasil

5 – Sustentabilidade será prioridade para consumidores e levará a indústria a incorporar melhores práticas

A sustentabilidade é um importante motivador para o consumo de proteínas alternativas, principalmente entre os consumidores mais jovens, e seus benefícios sobre alimentos de origem animal são bem estabelecidos em fatores como uso da terra, emissões de gases de efeito estufa, uso da água e poluição.

Essa preocupação com a sustentabilidade influenciará cada vez mais o momento da decisão de compra. Vemos também investidores cada vez mais identificando que as proteínas alternativas são uma indústria chave para investimento em ESG.

Várias soluções de sustentabilidade já estão sendo exploradas por atores do setor:

No Brasil

6- Empresas de proteína alternativa vão continuar a bater recordes de investimento

Com o amadurecimento da indústria, esperamos ver empresas de proteína alternativa levantando rodadas de investimento maiores à medida que mais delas entram no estágio de crescimento. O ano passado viu as maiores rodadas do setor até o momento, incluindo uma rodada Série B recorde de US$ 347 milhões da empresa de carne cultivada Future Meat Technologies, com sede em Isarel. Também esperamos ver mais IPOs (Oferta Pública Inicial) e aquisições em 2022, à medida que as empresas atingem estágios mais avançados de desenvolvimento.

No Brasil

7- Governos vão se envolver mais

Lideranças de todo o mundo, incluindo UE, Israel e Canadá, investiram mais de US$ 66 milhões em projetos de pesquisa sobre proteínas alternativas. Esse número é apenas uma fração dos mais de US$ 3,4 bilhões arrecadados de forma privada por empresas de proteínas alternativas apenas no primeiro semestre de 2021. O financiamento público para pesquisa é essencial para escalar o setor no ritmo necessário, e esperamos ver mais investimentos públicos dedicados a atender às necessidades de infraestrutura e pesquisa de alta prioridade que beneficiarão todo o setor.

Manter as emissões globais abaixo de 1,5 graus Celsius até 2050 é cientificamente impossível sem uma transformação no sistema de produção global de alimentos, especialmente na obtenção de proteínas para consumo humano. As proteínas alternativas são parte inexorável nessa equação por serem soluções sustentáveis, duráveis ​​e seguras, capazes de contribuir para o atingimento das metas climáticas globais.

China anuncia inclusão de carnes cultivadas em planejamento para os próximos 5 anos

Novas medidas visam aumentar práticas de sustentabilidade e segurança alimentar no país incentivando “alimentos do futuro”

Texto: Bruna Corsato

Revisão: Alexandre Cabral e Vinícius Gallon

Créditos da imagem: Aleph Farms

O Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China anunciou o plano agrícola do país para os próximos cinco anos. O documento inclui carnes cultivadas, chamadas pelos chineses de “alimento do futuro”, como parte do planejamento para lidar com as questões de sustentabilidade e segurança alimentar no país. A decisão inédita solidifica a expansão e aceitação pelas quais o setor de carne cultivada passa no mundo todo. A decisão inédita do país asiático de produzir carne cultivada em escala até 2027 também sinaliza iniciativas do governo chinês para mitigar os efeitos da crise climática. 

A China é o país responsável pelo maior índice de emissão de gases de efeito estufa no mundo todo, sendo boa parte proveniente da pecuária. Segundo pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas em 2014, 14,5% das emissões de gases de efeito estufa mundiais são provenientes da pecuária e, destes, 29% vêm da China. “Ao incluir tecnologias alimentares revolucionárias, como a carne cultivada, os líderes chineses estão dizendo publicamente o que outros ao redor do mundo esperavam há muito tempo: que a China pretende se empenhar na construção do futuro dos alimentos”, disse Mirte Gosker, diretora executiva do The Good Food Institute Ásia Pacífico.

O investimento em produção de carne cultivada permite que a China diminua as emissões geradas pela pecuária tradicional e importação de carne, que aumentaram signficamente após surtos de peste suína africana no país em 2019 e 2020 – trazendo também questões de segurança alimentar para o centro do debate nacional chinês. A carne cultivada diminui significativamente o risco da transmissão de doenças como essas, pois é produzida fora do animal, em ambiente controlado.

O setor de carne cultivada vem mostrando desenvolvimento promissor nos últimos anos, mas ainda são necessários grandes investimentos em pesquisa para que a tecnologia consiga ganhar escala comercial, além de regulações e legislações favoráveis por parte dos governos nacionais locais. A iniciativa da China certamente é um passo nessa direção e deve dar início a uma fase de aceleração em pesquisa científica no mercado. “Esta é uma das ações políticas mais importantes na história das proteínas alternativas.”, conclui Josh Tetrick, CEO da empresa de ovos vegetais Just Inc.

Brasil também está na corrida para liderar o mercado de carne cultivada

No Brasil, já são vistos movimentos similares acelerando o desenvolvimento dessa indústria por aqui. Com apoio técnico do The Good Food Institute Brasil, A JBS entrou para o setor de carne cultivada investindo USD $100 milhões, um recorde para o setor. O valor foi direcionado ao início da construção do Centro de Pesquisa em Proteína Cultivada no Brasil, que deve ser inaugurado ainda este ano, e à aquisição da espanhola BioTech Foods, uma das líderes no desenvolvimento de biotecnologia para a produção de proteína cultivada.

O apoio técnico do GFI Brasil também possibilitou outra parceria envolvendo uma gigante de carne tradicional, a BRF. Cooperação firmada com a israelense Aleph Farms, fará uso do know-how da foodtech para adaptar produtos de carne cultivada para o gosto do brasileiro. Em um segundo momento, uma unidade fabril será construída em território nacional para atender o mercado interno.

Outro avanço significativo para o setor foi realizado pelo Banco de Células do Rio de Janeiro (BCRJ), que anunciou ter cultivado tecidos de quatro espécies de carne de pescado. A previsão é de que a foodtech tenha um protótipo de seus produtos para teste já em 2022.

Já são vistas também iniciativas de capacitação profissional para atuação na área. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem oferecido regularmente cursos relevantes para o setor, como “Carne Cultivada e Empreendedorismo” e “Introdução à Zootecnia Celular“, ambos realizados em parceria com o GFI Brasil. 

Além disso, o GFI organizou um workshop para os reguladores do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (DIPOA/MAPA) e da Gerência Geral de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (GGALI/Anvisa). O evento abordou técnicas de cultivo celular para a obtenção de produtos cárneos, bem como questões a serem consideradas no processo de regulação para garantir a segurança alimentar do processo e do produto final.

No Brasil, a Secretaria Geral de Alimentos da Agência Nacional de Saúde (ANVISA) e o DIPOA/MAPA, serão responsáveis ​​por analisar os pedidos de aprovação de produtos cárneos cultivados. “A ANVISA está empenhada em compreender os desafios de segurança alimentar e rotulagem impostos pela carne cultivada e está em processo de desenvolvimento de uma estrutura regulatória que abranja produtos cárneos cultivados. O GFI Brasil propôs em 2021 um protocolo único para carne cultivada dentro da estrutura de novos alimentos existente no Brasil. Esperamos que o Brasil realize uma análise de impacto regulatório em 2022”, afirmou Alexandre Cabral, diretor de políticas públicas do GFI Brasil.. 

De acordo com a ANVISA, o Brasil planeja adotar um modelo semelhante ao dos Estados Unidos e da União Europeia. As empresas primeiro enviarão uma solicitação incluindo informações sobre seu produto ao regulador no início do processo de pesquisa e desenvolvimento. Então, o regulador analisará a segurança do produto, provavelmente sob a atual estrutura regulatória de novos alimentos.

R & S BLUMOS lança primeira carne vegetal bovina à base de proteína de feijão carioca, custando menos de R$30,00 o kg

A novidade foca no food service e foi lançada no Dia Mundial das Pulses, durante feira do agronegócio, em Cascavel-PR 

Texto: Bruna Corsato

Revisão: Vinícius Gallon

Créditos de imagem: R & S BLUMOS

Anos de crescimento da indústria plant-based no país levaram ao surgimento de uma demanda entre as empresas do setor: o desenvolvimento de matérias-primas nacionais para serem utilizadas na composição de produtos feitas de planta. Pesquisa realizada pelo The Good Food Institute Brasil mostrou que 84% das empresas de proteína vegetal brasileiras considera essa uma prioridade alta. A R & S BLUMOS, empresa que fornece ingredientes e tecnologias inovadoras para a indústria, mostra que é possível fazer uso da biodiversidade do país para atender às demandas da indústria.

A Carnevale WUT, proteína vegetal feita a partir de matérias-primas 100% nacionais como a soja não-transgênica e concentrado de feijão carioca, foi desenvolvida utilizando extrusão úmida, tecnologia que possibilita produzir fibras de carne vegetal análogas às de animais. O produto será lançado custando menos de R$30,00 o kg para o food service, antecipando as previsões do setor de proteínas alternativas de vender carne vegetal mais barata do que a convencional em 2023. “O produto promete chegar ao consumidor a um preço bastante competitivo. Sem dúvida, esse lançamento está alinhado com o que temos observado sobre os anseios do consumidor a respeito desse novo mercado”, pondera Raquel Casselli, gerente de engajamento corporativo do GFI Brasil.

As vantagens do Carnevale WUT vão além de preço acessível e ingredientes nacionais. Ao passar pelo processo de extrusão úmida, o produto já é cozido, o que significa mais praticidade no preparo sem perda de rendimento do prato final. “Pela primeira vez, estamos criando uma proteína 100% brasilera com com aptidão para análogos de carne bovina de panela.” conta Fernando Santana, da R & S BLUMOS. A ideia é de que encontre um grande mercado no food service e entre chefs de cozinha e depois, com algumas atualizações, que chegue aos açougues”, conta Fernando Santana, diretor de vendas da R & S BLUMOS.

O lançamento aconteceu durante o Show Rural Coopavel, evento anual com foco em inovação tecnológica e sustentabilidade para o agronegócio, explicitando as oportunidades de colaboração entre produtores rurais nacionais e o mercado plant-based. “O agro brasileiro vai se beneficiar muito pois este produto tem um potencial gigante tanto de exportação quanto de consumo no mercado local.”, explica Fernando.

Lançamentos como este sinalizam a consolidação do mercado de proteínas alternativas no Brasil, que segue crescendo de forma mais madura à medida que as empresas investem em novas tecnologias e conquistam ainda mais os consumidores. “O lançamento de hoje une diversos aspectos que o consumidor brasileiro vem demonstrando procurar em produtos vegetais. O seu formato pronto para ser utilizado em receitas do dia dia, utilizando ingredientes nacionas, aproveitando a nossa biodiversidade, ingredientes produzidos pelo nosso agronegócio e também a questão do custo, cada vez mais decisivo na decisão de compra do consumidor.”, conclui Raquel.

A nova carne vegetal tem mais em comum com o churrasco de domingo do que você imagina

O setor de proteínas alternativas, conhecido por suas inovações, agora aposta em uma técnica milenar para produzir de alimentos e bebidas

pro Bruna Corsato

O setor de proteínas alternativas é reconhecido por suas tecnologias disruptivas, do cultivo de células para criar músculo e gordura animal a cortes de carne feitos em impressora 3D. Aprimorar as técnicas disponíveis e despontar à frente com a próxima inovação que aprimore a experiência de consumo lançou as empresas de produtos vegetais em uma verdadeira corrida pelo santo graal vegetal.

Entretanto, o que vem ganhando cada vez mais espaço nesse cenário não é exatamente uma nova descoberta: é a fermentação. Apesar de ser uma técnica de produção milenar e amplamente utilizada na produção de diversos alimentos e bebidas, de pão à cerveja passando por tempeh e kimchi, sua aplicação na criação de alimentos que mimetizam a carne animal é relativamente recente e ainda tem muitas oportunidades a serem exploradas.

A fermentação continua sendo o que se ensina nas escolas: processo no qual os microrganismos realizam a transformação de matéria orgânica em outros produtos e energia. Ou seja, é a forma que esses seres encontram de produzir energia para o desempenho de suas funções biológicas. O que a torna atrativa para as empresas do setor é sua versatilidade, baixo custo e, principalmente, seus resultados. Através da técnica é possível entregar sabor, textura e aparência muito similares ao produto animal, uma exigência cada vez mais presente entre os consumidores flexitarianos.

Conheça os diversos processos de fermentação:

A fermentação tradicional utiliza bactérias e fungos, grupo que inclui bolores e leveduras, no processamento de ingredientes vegetais para transformá-los em alimentos com sabor e textura realçados. Esse é o caso do tofu e do tempeh, ambos feitos a partir dos grãos de soja fermentados. Queijos e iogurtes também passam pelo mesmo processo, tanto o de origem animal quanto o vegetal. 

Biomassas vegetais também são excelentes matérias-primas/substratos para fermentação, sendo uma forma rápida e eficiente de produzir grandes quantidades de alimentos ricos em proteínas. No conceito de fermentação de biomassas ocorre o desenvolvimento de fungos filamentosos que produzem a micoproteína ou proteína de micélios, uma biomassa fúngica semelhante a um filamento. Esse filamento tem alto teor de proteína e dará origem a análogos à carne com textura similar à carne.

Proteína de micélios

O nome soa como novidade, mas o micélio nada mais é do que o leque de estruturas finas, similares a raízes, que fungos e cogumelos formam embaixo da terra enquanto crescem. A proteína micelar está causando grande impacto na indústria de proteínas vegetais devido a sua eficiência, resultando em grandes quantidades de proteína a custos baixos quando comparados com outras formas de produção de carne vegetal. 

O processo acontece em câmaras giratórias que alimentam o fungo com uma solução nutritiva para o seu desenvolvimento, normalmente levando açúcar e uma matéria-prima vegetal como trigo, soja, ervilha e muitas outras. Após poucos dias, o micélio está pronto para ser colhido em grandes quantidades pelas próximas semanas ou até meses. A micoproteína então é congelada para unir suas raízes longas, que conferem ao produto final a textura similar à carne. Por fim, a proteína de micélios pode ser moldada em diversos tipos de carne vegetal.

Outra grande vantagem é sua maleabilidade e versatilidade. O micélio pode ser a solução para mimetizar a textura e entregar cortes inteiros de carne pela formação de suas estruturas, resolvendo assim um dos  maiores desafios enfrentados atualmente pela indústria de proteínas alternativas.

O cenário internacional

Já existem diversas foodtechs se aventurando na fermentação sob diversas formas e também apostando na proteína micelar como a nova revolução plant-based. Conheça algumas marcas:

A fermentação de precisão é outro processo onde se aplicam os conceitos de fermentação, porém neste caso, usa-se de hospedeiros microbianos como “fábricas de células” para produção de proteínas e outros ingredientes funcionais como: gorduras, aromas, vitaminas, pigmentos que permitem elaborar produtos análogos de carnes, de ovos, lácteos, frutos do mar e muito mais. 

Esta tecnologia tem a capacidade de transformar microrganismo numa fábrica de células para a produção de ingredientes funcionais específicos. Esses ingredientes funcionais são importantes na melhoria sensorial e nas características de funcionalidade de produtos plant based. Alguns exemplos são:

E o Brasil?

Por aqui, proteínas alternativas produzidas a partir de fermentação ainda são uma conversa bastante nova. A rica biodiversidade do país pode, mais uma vez, vir a ser uma grande vantagem se utilizada estrategicamente. “Uma das vantagens de se investir em fermentação no Brasil, é justamente o fato do país ser uma grande potência agrícola e possuir diversas fontes de proteínas vegetais nacionais a serem exploradas.”, explica Luciana Fontinelle, especialista de ciência e tecnologia  do GFI Brasil.

“Muitas vezes estas fontes apresentam barreiras tecnológicas e/ou sensoriais para serem utilizadas na produção de produtos plant based. E a Fermentação entra como aliada para quebrar estas barreiras, possibilitando a utilização mais efetiva destas.”, acrescenta.

Essa grande gama de fontes de proteína vegetal encontradas em nosso país nem sempre apresenta características funcionais, nutricionais ou sensoriais desejadas para desenvolver os produtos vegetais. A fermentação representa uma grande aliada para solucionar essas questões, viabilizando o aprimoramento das características desejadas e resultando em produtos vegetais mais saborosos, nutritivos e similares ao produto de origem animal. Desta forma, a indústria pode entregar produtos cada vez mais competitivos feitos a partir de matérias-primas nacionais, gerando impacto positivo para a economia nacional.

Além disso, a fermentação é uma tecnologia muito eficiente e pode usar como substratos resíduos das agroindústrias tornando os processos mais viáveis economicamente e permitindo um aproveitamento integral dos alimentos.

Proteínas alternativas são aliadas na garantia de um futuro mais sustentável

Na contramão das inovações alimentares, iniciativas tentam barrar o desenvolvimento do setor, mas este é um mercado do “e” e não do “ou”. Há espaço e demanda para toda a indústria.

Texto: Alexandre Cabral

Revisão: Vinícius Gallon

Mais um ano se inicia. Deixamos para trás um ano complexo, onde a vida em geral foi novamente pautada pela pandemia, onde experimentamos o alívio da vacinação de grande parte da população e a incerteza sobre novas variantes do vírus e seus efeitos. Abrimos um ano onde temos a sensação de estarmos na segunda metade da luta contra a Covid-19 e a certeza de que algo de novo precisa ser feito na relação entre o homem e o planeta.

Hora de ouvir os ecos das discussões sobre sistemas alimentares (UNFSS) e suas conexões com os desafios da sustentabilidade (COP26). Hora de olhar para os números crescentes da fome no mundo. Hora de convergir as forças em prol de um tema crucial que atravessa diversas dessas questões: a oferta de proteína obtida de forma sustentável para consumo humano, não importa a fonte. A indústria da proteína de origem animal intensificou o debate nessa direção, anunciando diversos programas em busca da neutralidade de suas emissões nas próximas décadas, dentre elas Danone, JBS e BRF.

A indústria de proteínas alternativas pode colaborar muito neste debate. Está provado que é possível juntar alguns ingredientes usuais na indústria de alimentos com outros desenvolvidos especificamente para esse mercado e criar um alimento gostoso, sustentável e seguro, que pode ser preparado e consumido da mesma forma que o produto de origem animal,  mas utilizando uma quantidade radicalmente menor de terra e água em seu processo produtivo. 

Essa é uma corrida tecnológica que está acontecendo em diversas partes do mundo e tanto as empresas quanto os cientistas brasileiros estão muito bem posicionados. Trata-se de um campo fértil para a inovação e o Brasil sempre se destacou em avançar tecnologias que já dominava antes. Somos uma potência em alimentos e temos tudo para sermos uma potência também em alimentos de alta tecnologia, como os produtos plant-based e as carnes cultivadas. Somos hoje o celeiro do mundo, imbatíveis e fundamentais no fornecimento de commodities agrícolas. Como disse um importante executivo do setor, podemos nos tornar rapidamente o supermercado do mundo, fornecendo produtos de alto valor agregado desenvolvidos e fabricados no Brasil. 

Reimaginarmos a forma como obtemos proteína para consumo humano é urgente e fundamental. As proteínas alternativas, como chamamos os produtos análogos aos de origem animal obtidos a partir de plantas, por processos de fermentação ou por cultivo de células, é uma das alternativas concretas para ajudarmos o Brasil na sua transição para uma agricultura de baixo carbono. Lado a lado com as proteínas sustentáveis de origem animal, podemos formar uma resposta consistente do nosso país e da nossa economia agrícola ao novo cenário de médio prazo, onde diferentes fontes de obtenção de proteína para consumo humano conviverão. Esse é um mercado “E”, e não um mercado “OU”: há espaço e demanda para atuação de todos.

O papel do GFI é ser um catalisador dessa mudança, estimulando a produção de proteína sustentável para consumo humano através de análogos aos produtos de origem animal. Hora de rever o que foi feito ou deixou de ser feito e alinhar ideias e atitudes para o ano que se inicia.

O mercado de produtos análogos aos produtos de origem animal vem crescendo muito. Nascido em 2019 a partir do movimento de algumas poucas empresas, veio tomando corpo em 2020 e se consolidou em 2021. Diversas empresas de diferentes portes passaram a operar no mercado nacional e hoje tanto o consumidor brasileiro tem acesso a produtos saborosos e seguros em qualquer supermercado quanto ele já é exportado para mais de 25 países, incluindo Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Alemanha, Emirados Árabes, África do Sul, México, Colômbia e tantos outros.

O principal desafio para as empresas em 2022 é caminhar na direção do aumento ao mesmo tempo da escala de produção e do número de ingredientes nacionais utilizados. Isso poderá permitir a produção a um custo cada vez mais baixo, para um público cada vez maior. E permitirá produtos de alcance global cheios de “brasilidade” na sua composição. É hora de consolidar a tendência de que o Brasil passe a utilizar em seus análogos de base vegetal seus próprios feijões e pulses como fonte principal de proteína e ingredientes naturais extraídos de forma sustentável da biodiversidade brasileira por meio da agregação de valor local.

Assim como no mercado de proteína de origem animal para consumo humano, onde o Brasil é indiscutivelmente protagonista no cenário internacional, a tendência ao protagonismo também no mercado de proteínas alternativas parece ser apenas uma questão de tempo. O mapeamento das empresas mostra desde gigantes do mercado de proteína animal que anunciaram ou iniciaram seus negócios em proteínas de origem vegetal até empresas de médio porte que se posicionaram no setor, passando pelas inúmeras startups que já nasceram com foco neste mercado. Sem esquecer de como o Brasil vem se posicionando no promissor território das carnes obtidas por cultivo celular, com os anúncios da JBS e BRF e o surgimento das primeiras startups no segmento, Ambi e Sustineri.

E quando a indústria se move, a pesquisa científica precisa ser chamada a caminhar junto, desenvolvendo a tecnologia necessária para as inovações a serem introduzidas no mercado. A ciência é fundamental para encontrar respostas aos desafios do mercado. O mapeamento das instituições de pesquisa envolvidas com o tema mostra também um engajamento em universidades e institutos de pesquisa de todo o país.

Assistimos a um crescimento exponencial do número de empresas atuantes no setor de proteínas alternativas no Brasil e a uma mobilização acadêmica que pode sustentar um cenário muito favorável de crescimento.

Mas nem tudo são flores nesta cena. E nem esperávamos que fossem. Fechamos 2021 e estamos abrindo 2022 com algumas ações contrárias ao desenvolvimento deste setor no Brasil. Descontentes com o nosso discurso, alguns movimentos e associações se posicionaram na mídia e judicialmente tentando interromper esse desenvolvimento. Estamos prontos para o bom debate, e atentos para as batalhas políticas e judiciais. As descobertas e invenções sempre foram feitas nos laboratórios, mas a inovação (que é levar estas descobertas e invenções ao mercado) sempre passou também pela opinião pública e pelos tribunais.

Repetimos há tempos e continuaremos repetindo que este é um mercado “e” e não um mercado “ou”. Os novos alimentos se somam aos já existentes, ampliando o arco de opções do  consumidor brasileiro. Treinado pelos mais de 30 anos do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor não é enganado pelos termos usados nestes produtos. O consumidor faz escolhas num processo de decisão informada. Ter que criar termos novos para os novos produtos, isso sim seria desinformá-lo e causar confusão.

As empresas que antes operavam apenas com produtos de origem animal lançam suas linhas de produtos análogos feitos de plantas, além de um número crescente de startups que estão se desenvolvendo a partir da oferta de produtos neste segmento. Dificultar a introdução destes novos produtos do mercado, sob qualquer argumento não científico, é tentar barrar esse progresso. Clamar pelo cumprimento estrito de um marco regulatório desenhado (e muito bem desenhado) em tempos passados é ignorar que a inovação caminha sempre à frente do regulatório e que este precisa se adaptar aos novos tempos. Estabelecer o regramento adequado, dentro de um debate científico isento e democrático, é não apenas a tarefa dos reguladores brasileiros como também uma demanda da indústria, que hoje opera com um grau bastante grande de incerteza no desenvolvimento de seus produtos e uma exigência do consumidor, consciente da necessidade urgente de mudarmos a maneira como obtemos nosso alimento.

Para uma refeição saudável, prefira alimentos frescos e orgânicos. Um hambúrguer vegetal nunca se pretendeu substituto de uma alimentação completa em nutrientes. Mas para uma refeição sustentável, preocupe-se em como seus alimentos foram obtidos e qual a relação de suas cadeias de produção com o planeta. Pessoas tendem a resistir menos à mudança do que a serem mudados. Não estamos sugerindo que você se torne vegano, embora reconheçamos o valor dessa dieta. Estamos trabalhando para o mercado lhe oferecer um outro tipo de carne, leite e laticínios, ovos e pescados, tão saborosos quanto (ou melhores) e com o mesmo preço (ou menor) que os produtos de origem animal. Mas a escolha final é e sempre será do consumidor.

O GFI segue sua luta, no Brasil e no mundo, reimaginando proteínas e sendo um catalisador das mudanças que se fazem necessárias nessa direção. Nosso discurso tem mais semelhanças que diferenças com o discurso dos defensores de processo mais sustentáveis de obtenção de produtos de origem animal. Temos a certeza que caminhamos lado a lado com eles. O rio da história é caudaloso e certamente engolirá as vozes que olham para o futuro pelo retrovisor e se apegam a um modo de fazer as coisas que já não cabe mais no nosso único planeta. Venha conosco.