Até recentemente, a carne cultivada era comercializada apenas em dois mercados: Singapura e Estados Unidos. Agora, um terceiro mercado entrou em cena: Hong Kong.
A Vow, startup de foodtech australiana, após o sucesso de seu lançamento em Singapura, estreou seu produto feito de codorna japonesa, tornando-se a primeira empresa a vender carne cultivada no maior centro financeiro da Ásia.
Um toque gourmet com inovação
A codorna cultivada da Vow integra a marca premium da empresa, Forged, que se dedica a alimentos inovadores e refinados. O primeiro produto lançado foi o Forged Parfait, uma combinação de codorna japonesa com alho, cebola, conhaque e manteiga, resultando em um patê leve e cremoso. Após a aprovação regulatória em Singapura, em março de 2024, o prato chegou a Hong Kong e já está disponível no restaurante The Aubrey, um izakaya de alto padrão localizado no Mandarin Oriental.
Além disso, outro produto da Vow fará sua estreia em Hong Kong: o Forged Gras, inspirado no foie gras. Segundo a empresa, este prato oferece “uma experiência rica e satisfatória”, consolidando o apelo sofisticado de sua linha de produtos.
A aprovação inicial pela Singapore Food Agency foi crucial para a entrada da Vow em Hong Kong, conforme destacou o CEO George Peppou. Ele explicou que a validação em Singapura serviu como um “ponto de partida estratégico” para atender aos rigorosos padrões do Departamento de Higiene Alimentar e Ambiental de Hong Kong.
Como a primeira empresa a comercializar carne cultivada em múltiplos mercados asiáticos, a expansão rápida da Vow ressalta os benefícios de um alinhamento regulatório entre países — um objetivo que o GFI APAC tem trabalhado para promover. Regulamentações harmonizadas ajudam a reduzir barreiras comerciais, simplificar a entrada em novos mercados e diminuir custos, permitindo que startups tenham prazos mais ágeis para aprovações.
E o restante da China?
Embora o lançamento em Hong Kong seja um marco, o acesso ao mercado continental chinês ainda depende de aprovação regulatória em Pequim. Atualmente, não existe um processo específico para aprovação de carne cultivada na China continental. No entanto, o China National Center for Food Safety Risk Assessment indicou que está acompanhando os avanços internacionais e desenvolvendo um marco regulatório robusto para a avaliação de segurança desses produtos.
Enquanto isso, o desenvolvimento de carne cultivada segue em ritmo acelerado no restante do país. Em abril de 2024, Pequim anunciou a criação do primeiro centro de inovação científica da China dedicado à carne cultivada e outras tecnologias de proteínas alternativas, respaldado por um investimento de 80 milhões de yuans (cerca de 11 milhões de dólares).
Avanços estratégicos no continente
Durante o World Agrifood Innovation Conference, Qiang Fu, vice-chefe do distrito de Pinggu em Pequim, reafirmou o compromisso de sua região em acelerar o desenvolvimento de proteínas alternativas. O evento marcou ainda o lançamento da Aliança da Indústria de Alimentos de Proteína Alternativa de Pequim e contou com um discurso do Bruce Friedrich, fundador do GFI.
Em agosto, o GFI APAC coorganizou o primeiro simpósio científico China-Singapura, reunindo acadêmicos, representantes da indústria e autoridades governamentais. Durante o evento, foram compartilhados avanços em técnicas como a criação de produtos híbridos que combinam células cultivadas com proteínas vegetais e o desenvolvimento de biorreatores inovadores que reduzem custos de produção por meio de simulações computacionais.
Também em agosto, a startup Joes Future Food, de Nanjing, apresentou carne suína cultivada a autoridades locais após receber financiamento público para o desenvolvimento de métodos de fabricação em escala industrial. Apoios semelhantes estão sendo disponibilizados em várias províncias por meio de iniciativas governamentais.
Mais recentemente, Samuel Goh, gerente de políticas do GFI APAC, participou da Conferência Internacional de Segurança e Qualidade Alimentar da China, em Xangai, onde destacou o marco regulatório inovador de Singapura e explorou oportunidades para fortalecer a colaboração pan-asiática.
Um olhar voltado para Pequim
Especialistas do GFI APAC destacaram em uma coluna recente na Nature que a carne cultivada pode seguir uma trajetória de crescimento semelhante à da energia solar e das baterias de veículos elétricos. No entanto, isso dependerá de investimentos governamentais significativos para acelerar a pesquisa e o desenvolvimento, além de aumentar a capacidade de fabricação.
A China já lidera o mundo em financiamento público para pesquisa agrícola, investindo o dobro do que os Estados Unidos e publicando o maior número de artigos acadêmicos sobre o tema. Entre 2003 e 2013, investimentos governamentais ajudaram a elevar a produção de grãos, leite, carne e aquicultura entre 20% e 50%. Um esforço semelhante no setor de carne cultivada poderia catalisar uma revolução na indústria alimentar global.
O futuro da carne cultivada na Ásia
O lançamento da carne cultivada em Hong Kong é um marco histórico, oferecendo a líderes governamentais, empresários e representantes da mídia uma amostra tangível dos “alimentos do futuro”. A grande questão é se esse passo será o ponto de inflexão para atrair novos investimentos em um setor em ascensão.
Se o histórico da China com tecnologias emergentes servir como exemplo, uma vez que a carne cultivada ganhar espaço no maior mercado da Ásia, mudanças transformadoras podem acontecer, ganhando força de maneira exponencial.