Maior responsável pelas emissões de gases de efeito estufa, sistema alimentar deve ser foco na contenção da crise climática

Os próximos 6 anos definirão se a humanidade será capaz de cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em 1,5ºC.

Gustavo Guadagnini, Presidente do GFI Brasil.

Setembro de 2023 foi um mês marcado por eventos climáticos extremos: em apenas 12 dias, dez países foram assolados por tufões, inundações, tempestades, ondas de calor e ciclones. No hemisfério norte, recordes de temperatura foram registrados entre os meses de junho a agosto. O Brasil teve o inverno mais quente dos últimos 61 anos, com ciclones extratropicais no Rio Grande do Sul e 150 botos mortos no Amazônas, depois que o Lago de Tefé e o Baixo Solimões alcançaram os 40ºC. De acordo com o Observatório europeu Copérnicus, 2023 deve ser o ano mais quente da história. Catástrofes climáticas sempre ocorreram, mas, à medida que o nosso mundo aquece, esses eventos extremos – que antes contavam com anos, às vezes décadas de intervalo – estão se tornando cada vez mais frequentes e intensos.

A maioria dos países não possui estrutura para lidar com esses desastres e isso resulta em centenas de milhares de mortes, pessoas desabrigadas e refugiados climáticos pelo mundo. Os governos precisam se preparar para melhorar a capacidade de resposta frente a essas situações, mas é igualmente urgente que ações sejam tomadas não somente para se adaptar, mas também para mitigar os efeitos da crise climática. É por esse motivo que tratados e acordos internacionais sobre o clima passaram a existir: sem metas e compromissos a serem estabelecidos e cumpridos por todos os países, nenhuma ação isolada será suficiente para um impacto climático positivo. 

O Acordo de Paris foi assinado em 2015 com o objetivo principal de não permitir que o planeta aqueça além de 2Cº até o final do século 21 e representou uma grande mudança nas negociações sobre o clima, ao criar uma abordagem universal para alcançar objetivos coletivos com um mecanismo de monitoramento do progresso global. Cada país signatário auto definiu metas de curto a médio prazo para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), chamadas de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que devem ser atualizadas – para metas mais ambiciosas – a cada cinco anos a partir de 2020.

Coletivamente, as NDCs demonstram o quão perto ou longe o mundo está de atingir os objetivos climáticos. A primeira geração das NDC, que fez parte da adoção inicial do Acordo de Paris em 2015, refletiu uma redução agregada da meta de temperatura média global para 3,7ºC. Já a segunda geração, atualizada em 2020 para metas mais ambiciosas, reduziu esse valor para 2,7ºC, ainda insuficiente.

Brasil

A NDC brasileira de 2015 estabeleceu que o Brasil deveria reduzir suas emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030 em relação às emissões de 2005. Em 2021, essas metas foram ampliadas para 50% de redução até 2030 e, recentemente, a ministra Marina Silva elevou os compromissos brasileiros de redução de emissão para 48% até 2025 e para 53% até 2030. Os sete setores contemplados pela NDC nacional incluem energia, mobilidade urbana, florestas, biocombustíveis, resíduos sólidos, iluminação pública e transportes. Como é possível ver, os sistemas alimentares, mais especificamente a agropecuária, não aparecem como foco estratégico e o mesmo vale para muitos outros países. 

É um erro estratégico não colocar os sistemas alimentares no centro do debate climático

O atual sistema alimentar é responsável por 34% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e é preciso encontrar maneiras mais eficientes de produzir alimentos, principalmente as proteínas. Isso porque a produção de proteína animal, sozinha, gera mais da metade do total de emissões do sistema alimentar. Além disso, a pecuária ocupa 77% das terras agrícolas do mundo. Mesmo assim, a carne animal fornece apenas 18% do suprimento alimentar da humanidade e 37% das proteínas na dieta humana – o resto vem de alimentos vegetais. O setor agropecuário é, ainda, responsável por mais de 90% do consumo global de água, e 41% disso se destina à irrigação e crescimento de grãos para ração e pasto para bois, porcos e galinhas.

O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, elaborado pelos principais especialistas e cientistas do mundo e lançado em 2021, afirma que, mesmo se os combustíveis fósseis fossem eliminados da noite para o dia, as emissões do sistema alimentar por si só impediriam o cumprimento da meta do Acordo de Paris.  Por isso, diversificar a atividade agropecuária é uma solução de impacto excepcionalmente elevado para a crise climática global. Na prática, isso implica em liberar terras e recursos como a água para atividades altamente benéficas para o planeta e que também podem ser lucrativas para o agronegócio. Estamos falando de bioeconomia, agroflorestas e agricultura regenerativa, por exemplo. 

Um sistema de produção baseado nestas práticas é capaz de, em um mesmo espaço, alimentos diversos, insumos industriais, energia e reflorestamento. alimento, fibra, madeira e até mesmo energia, aumentando assim a produtividade. O impacto ambiental também é considerável. Segundo o EOS DATA ANALYTICS, este sistema pode reduzir de 20 a 30% as emissões de gases de efeito estufa e sequestrar em torno de 8 toneladas de CO2 por hectare a cada ano.

As proteínas alternativas também são uma das maiores apostas na mitigação da crise climática. Segundo relatório do Boston Consulting Group, se as proteínas à base de vegetais, cultivadas e obtidas por fermentação representarem 11% de todo o consumo de proteínas até 2035, podemos reduzir 0,85 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e) em todo o mundo até 2030, o que equivale à descarbonização de 95% da indústria da aviação. Além disso, qualquer mudança significativa na dieta global para mais proteínas alternativas produzirá um efeito de arrefecimento imediato no planeta, uma vez que a criação de animais é responsável por até 50% das emissões de metano, que tem um potencial de aquecimento muito maior do que o CO2 e uma vida atmosférica muito mais curta. Consequentemente, a redução dos níveis de metano na atmosfera não apenas evitaria um maior aquecimento, mas também traria um efeito de resfriamento à Terra.

Apesar de imprescindível, o debate dos sistemas alimentares foi trazido pela primeira vez em uma Conferência das Partes (COP) apenas em 2022, em espaços como o Food System Pavillion, co-organizado por 9 instituições, dentre elas o GFI. Neste ano, esperamos que as discussões voltadas à transformação do nosso sistema de produção de alimentos se intensifiquem durante as duas semanas da Conferência. Os problemas a serem enfrentados são diversos e estão postos, mas as soluções também. As nações que entenderem a importância dessa transição e investirem, agora, na pesquisa, inovação e comercialização de alimentos provenientes de mercados sustentáveis, vão se tornar as maiores na redução de emissões agrícolas.

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