A soja e a ervilha são as fontes proteicas mais utilizadas na produção de alimentos plant-based, mas o feijão tem um potencial enorme de assumir maior protagonismo nesse setor. O Brasil é um dos maiores produtores globais de feijão e a maior parte dessa produção é destinada ao consumo interno, o que torna o país um dos maiores consumidores mundiais do grão. Existem mais de 40 tipos dessa leguminosa aqui no Brasil, mas o feijão preto, o fradinho, o caupi, o vermelho, o mungo e o carioca são os que dominam o mercado. O feijão carioca, sozinho, ocupa 50% de toda a área de cultivo do país.
Em 2021, o The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) fez um levantamento com as 11 principais marcas do setor de proteínas alternativas do país e descobriu que apenas 9% dos produtos cárneos feitos de plantas levavam feijão, grão de bico ou trigo como fonte de proteína. Por mais que hoje esse número já tenha aumentado um pouco, a ampla maioria dos produtos cárneos vegetais ainda leva como fonte de proteína a ervilha ou a soja, normalmente combinadas.
Assim como o feijão, a soja é um produto brasileiro – mas a ervilha, que é importada, acaba sendo um ingrediente caro para a indústria nacional. O Brasil tem uma capacidade agrícola de produção de pulses pujante que, se bem explorada, representa um potencial enorme de crescimento: o baixo custo do feijão, por exemplo, pode permitir que a indústria de alimentos desenvolva insumos nacionais mais baratos e, por consequência, produtos ainda mais acessíveis para o consumidor final. Em vez de importar concentrado ou isolado proteico de ervilha do hemisfério norte, seria possível inverter essa lógica e começar a exportar concentrado e isolado proteico de feijão brasileiro para o resto do mundo.
O mesmo vale para a geração de empregos e renda: durante a produção do feijão são geradas as “bandinhas”, que são os feijões quebrados que não são vendidos para o consumidor final e que são basicamente descartados, no máximo usados para alimentação animal. É possível pensar em uma etapa de industrialização sustentável para esse processo, no qual as bandinhas sejam aproveitadas e transformadas em concentrado proteico – um produto de valor agregado – incrementando e diversificando a fonte de renda dos produtores de feijão.
Além disso, o feijão, que não é uma commodity (grão produzido produzido em larga escala e negociado nas bolsas de valores agrícolas internacionais), melhora a absorção de carbono, fixa nitrogênio no solo, demanda muito menos água e fertilizantes do que outros grãos na sua produção, tem baixo custo e é de fácil armazenamento. Ele também é riquíssimo em proteínas, fibras, aminoácidos, vitaminas e minerais. Todos esses aspectos tornam o feijão um ingrediente promissor para o setor de proteínas alternativas e para o planeta, que precisará passar por uma transição no sistema alimentar para garantir a saúde e a segurança alimentar da população global, prevista para alcançar 10 bilhões de pessoas em 2050.
O produtor rural hoje em dia deixa de plantar feijão para plantar soja, milho ou cana-de-açúcar, que são commodities e têm preço fixado nas Bolsas internacionais. Utilizar o feijão é fomentar uma agricultura mais sustentável, gerando renda para as comunidades rurais através de um produto de valor agregado com alto potencial econômico e nutrindo o solo por meio de uma cultura que não poderia representar melhor o Brasil. Se realizarmos o processamento desses grãos nas cooperativas e associações de produtores, estamos falando de bioeconomia em sua essência, com potencial de abastecimento para todo o mundo.
Como estamos envolvidos:
A pesquisadora da Embrapa, Dra. Caroline Mellinger, conduziu uma pesquisa financiada pelo Programa Global de Incentivo à Pesquisa (Research Grant Program) do GFI, a fim de encontrar alternativas para o uso do feijão carioca pela indústria de proteínas alternativas. A pesquisa possuia dois objetivos: o de otimizar a produção de um concentrado protéico e de um isolado de feijão adequado para utilização em produtos vegetais de carne, frango e frutos do mar, e o de determinar a característica físico-química, tecnológica e nutricional dos ingredientes. Ambos objetivos foram alcançados e, com a pesquisa finalizada, o ingrediente com alta concentração de proteínas a partir do feijão está pronto para ser utilizado.
Além disso, o GFI vem trabalhando junto a associações de produtores rurais no Mato Grosso e à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado na elaboração de um acordo de cooperação técnica que terá por objetivo testar a viabilidade, tanto tecnológica quanto econômica, do processamento de feijão dentro das cooperativas rurais. “É uma relação ganha-ganha: o produtor passa a ter uma forma alternativa para comercialização de sua produção, com valor agregado e garantia de compra pela indústria, que por sua vez economiza ao deixar de importar parte de seu insumo do exterior. Somando a isso o potencial de melhoria nos indicadores sociais dessas regiões produtivas, o saldo da equação é extremamente positivo.
Alysson Soares, especialista em Políticas Públicas do GFI Brasil