Insetos são animais e, além de carregarem os mesmos desafios éticos da criação de outros seres vivos para consumo, também apresentam ineficiência de produção, risco de doenças infecciosas e riscos ambientais.
Por Gustavo Guadagnini, presidente do The Good Food Institute Brasil
Recentemente, o programa Globo Repórter da TV Globo exibiu uma reportagem muito interessante sobre tecnologias alimentares já conhecidas e outras que estão em pleno desenvolvimento, com potencial de criar um sistema alimentar mais sustentável. Passando por iniciativas relacionadas à redução do desperdício, PANCS e proteínas alternativas obtidas por fermentação, cultivo celular e feitas de plantas, um dos quadros também trouxe a utilização de insetos para alimentação humana.
Como presidente do The Good Food Institute Brasil, uma organização que apoia o desenvolvimento de proteínas alternativas, quero esclarecer porque nossa organização não endossa o desenvolvimento da cadeia de alimentos a partir de insetos e como ela se compara às tecnologias do nosso setor.
Insetos: animais, não alternativas
A inclusão de insetos como uma opção de proteína não está alinhada com a nossa missão de buscar alternativas aos produtos de origem animal, devido aos desafios éticos similares aos enfrentados na criação de animais para abate, como a questão do bem-estar animal e da moralidade de utilizar seres vivos para consumo.
Aceitação do consumidor
O nosso setor trabalha para entregar alimentos que já façam parte da cultura e dos hábitos alimentares das pessoas, produzidos com tecnologias mais adequadas socioambientalmente. Os alimentos com os quais trabalhamos têm uma alta aceitação pelos consumidores, que estão cada vez mais interessados em experimentá-los e incorporá-los em suas dietas. Já a aceitação do consumo de insetos é notoriamente baixa.
Apesar de serem consumidos em algumas regiões da Ásia, África e América do Sul, na Europa, por exemplo, apenas 10% da população estaria disposta a experimentar insetos, de acordo com uma pesquisa da Organização Europeia de Consumidores. Isso porque boa parte da população não associa insetos com comida, mas com algo grotesco ou que pode fazer mal à saúde. Além disso, uma pesquisa da universidade Imperial College London, no Reino Unido, indica que o desenvolvimento dessa indústria visa atender, majoritariamente, o mercado de países em desenvolvimento. A alegação é de que em países mais ricos, como os europeus, raramente há falta de nutrientes na dieta. O impacto global de qualquer fonte alimentar depende diretamente da sua aceitação pelo consumidor: se as pessoas não aceitarem o inseto como alimento, seu impacto no mundo será sempre limitado.1
Substituição da carne
Sempre que vemos apresentações sobre os benefícios socioambientais do consumo de proteínas alternativas e de insetos, há comparação com a carne. Ambas podem, sim, ser fruto de uma produção mais eficiente do que a carne animal, mas essa comparação só é verdadeira se uma estiver substituindo a outra. Se o consumidor deixar de comer carne animal para comer carne vegetal, haverá um benefício para a sustentabilidade. A questão é que os alimentos vindos de insetos não possuem essa proposta, uma vez que são snacks, barrinhas de proteína e suplementos, por exemplo.
A melhor proposta comercial para insetos é moê-los para transformá-los em pó e incluir em alimentos processados. Não existem bons produtos feitos de insetos que realmente se comparam ao sabor, textura, aroma e aparência da carne. Se não há troca, a comparação com a carne deixa de fazer sentido – e os benefícios para a sustentabilidade não se realizam.
Eficiência na produção
Hoje, nós cultivamos grãos para alimentar animais para consumo em uma taxa extremamente ineficiente. Os dados mostram que 83% das terras aráveis do planeta produzem menos de 20% das calorias consumidas2. São grandes áreas de soja, milho e outros grãos que alimentam os animais e não a população diretamente. Para cada caloria que alguém consome da carne de vaca, cerca de 34 calorias foram dadas ao animal ao longo da vida, o que representa um desperdício desproporcional das calorias produzidas pelo sistema de alimentação3: a produção mais eficiente, de frango, tem taxa de conversão de 8:1, por exemplo.
Enquanto isso, as proteínas alternativas permitem que você coma o vegetal diretamente, sem ser processado anteriormente por um animal. Não é o mesmo para insetos, que também se alimentam para gerar calorias depois. Estudos indicam que os insetos produzidos para a alimentação humana podem ter conversão tão ineficiente quanto a carne de frango4, variando de 4:1 a 9:1 na proporção de alimento consumido versus peso no abate. Vale destacar também que os insetos que se alimentam de resíduos não podem ser utilizados para consumo humano, como muitas vezes somos levados a crer5.
Riscos ambientais
A eficiência de produção está diretamente ligada à emissão de gases, uso de água e de terras. Por isso, todas as tecnologias de proteínas alternativas são mais sustentáveis do que os alimentos que substituem. Como demonstrado acima, o caso dos insetos não é tão claro. Ao mesmo tempo, a produção de insetos agrega novos riscos ambientais: se uma construção que abriga quantidades massivas desses animais for danificada por um acidente ou um evento climático, por exemplo, milhares de insetos exóticos, com um alto potencial de destruição e desequilíbrio, poderiam ser liberados na natureza.
Recentemente, problemas causados por nuvens de gafanhotos foram manchetes globalmente6. Além disso, ainda não existem regulamentações sobre o manuseio de insetos e eles costumam ser transportados de forma manual, seja para fins de pesquisa ou produção de alimentos. Em geral, insetos vivos são transportados em carros comuns, dentro de bandejas ou caixas. No caso de um acidente automobilístico, eles seriam liberados no meio ambiente, com um potencial imensurável de gerar um desastre ecológico.
Riscos de saúde global
Muitas das produções de insetos ainda utilizam grandes quantidades de antibióticos, assim como qualquer outra produção animal. Esse fato colabora para a formação de bactérias resistentes, com potencial de afetar a saúde humana. Ao mesmo tempo, os insetos também são vetores dos vírus, trazendo um risco adicional.
Sabemos que os animais em produção são um grande risco de saúde para a humanidade: a OMS alerta que 60% das novas doenças infecciosas são de origem zoonótica, ou seja, vem dos animais7, como a gripe aviária e a suína, que têm aparecido nos jornais. Isso acontece mesmo considerando que a taxa de transmissão de doenças entre animais de criação e humanos é baixa.
As proteínas alternativas, por sua vez, oferecem zero risco de formação de novas infecções. Já com os insetos, a situação é muito diferente: na verdade, a taxa de transmissão de doenças entre insetos e humanos é muito maior do que entre nós e os animais vertebrados8. Basta pensar em quantas doenças têm insetos como vetores9: esse é o risco adicional que sofreremos com as grandes fazendas de insetos10.
Priorizando alternativas sustentáveis e éticas
Embora o uso de insetos como uma forma de proteína possa ser explorada para outros fins, como alimentação animal, é pouco provável que se estabeleçam como uma opção significativa na dieta humana. Em contraste, as proteínas derivadas de vegetais, fermentação e cultivo celular estão avançando rapidamente, com uma aceitação crescente por parte dos consumidores e impactos socioambientais cada vez mais positivos. Essas tecnologias permitem replicar a experiência sensorial dos produtos de origem animal sem os problemas éticos e ambientais associados à produção de proteína animal e são um movimento plausível e previsto pela maioria das consultorias de mercado.
Nossa missão é clara: promover soluções alimentares que sejam não apenas sustentáveis, seguras e eficientes, mas também éticas e que possam ser adotadas pelo maior número possível de consumidores. É por isso que continuaremos a apostar nas proteínas alternativas como solução para o futuro da alimentação.
- 1. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0195666320316809 ↩︎
- 2. https://www.science.org/doi/10.1126/science.aaq0216 ↩︎
- 3. https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/11/10/105002 ↩︎
- 4. https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0118785&type=printable ↩︎
- 5. https://www.fao.org/3/i3253e/i3253e.pdf ↩︎
- 6. https://www.canalrural.com.br/noticias/agricultura/aconteceu-em-2020-gafanhoto/ ↩︎
- 7. https://www.emro.who.int/fr/about-who/rc61/zoonotic-diseases.html ↩︎
- 8. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24705326/ ↩︎
- 9. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/vector-borne-diseases ↩︎
- 10. https://link.springer.com/article/10.1007/s00217-016-2828-4 ↩︎