Estudo inédito avalia aspectos de segurança na produção de carne cultivada

Conduzido pelo GFI Brasil e pela Unicamp, o documento identifica perigos e propõe medidas de controle para garantir a produção segura de carne cultivada. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em torno de 420 mil pessoas morrem todos os anos em decorrência da ingestão de alimentos contaminados. A fim de inspirar ações globais que ajudem a prevenir, detectar e gerenciar riscos de origem alimentar, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) instituiu o Dia Mundial da Segurança de Alimentos, celebrado em 7 de Junho. Para contribuir com a campanha deste ano, cujo tema é “Padrões alimentares salvam vidas”, o The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) e a Universidade Pública de Campinas (Unicamp), lançam um estudo inédito que mapeia perigos e apresenta medidas de controle para garantir a segurança da carne cultivada, alimento que deve chegar ao mercado brasileiro em 2024. Motivado a partir de discussões com a Anvisa e o Ministério da Agricultura (MAPA) durante um workshop realizado pelo GFI Brasil em 2021, o objetivo foi desenvolver um Plano APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) para um produto-alvo de carne cultivada. Entenda como o estudo foi conduzido O estudo optou por modelar o processo de produção completo e em escala piloto de um hambúrguer de carne cultivada. Os 10 cientistas envolvidos avaliaram os perigos potenciais em todas as fases do processo, desde a escolha do animal doador até o processamento final. Amanda Leitolis, Especialista Sênior de Ciência e Tecnologia do GFI Brasil e uma das cientistas responsáveis pelo estudo, explica que muitos dos perigos identificados, como resíduos de drogas veterinárias e auxiliares de processamento que possam permanecer no produto final, microorganismos oriundos dos animais doadores ou de falhas de manipulação durante o processo, já são antigos conhecidos da indústria de alimentos convencionas. “Isso pode nos indicar que as ferramentas e os sistemas de gestão normalmente empregados na indústria de alimentos, como é o caso do APPCC, também são úteis para garantir a segurança de alimentos feitos por cultivo celular”, afirma Amanda. O estudo também apontou algumas lacunas de conhecimento que ainda precisam ser aprofundadas, como a determinação dos fatores que influenciam o prazo de validade dos produtos cultivados e as potenciais diferenças nos eventos bioquímicos que acontecem nas células da carne cultivada após a coleta. “Com esse trabalho, nós conseguimos antecipar gargalos para acelerar o desenvolvimento e a comercialização de carne cultivada. Criamos uma primeira estrutura que agora poderá contribuir para que outros profissionais da indústria possam desenvolver seus próprios planos e fazerem toda a gestão de segurança. Nossa intenção é conhecer os perigos antes para que tudo seja feito de forma segura desde o início. É uma iniciativa que certamente contribui com o desenvolvimento da própria indústria como um todo”, completa Amanda. Bibiana Matte, pesquisadora especializada em engenharia de tecidos e co-fundadora da Cellva Ingredients, explica que, inicialmente, o desafio do estudo foi combinar competências da agricultura celular, como biotecnologia, engenharia de tecidos, bioprocessos e alimentos, para desenvolver o processo e o produto. “Buscamos trabalhar em equipes interdisciplinares que trazem diferentes vivências e, através dessa combinação, desenvolvemos tecnologias pioneiras no Brasil como o primeiro hambúrguer de carne cultivada bovina e, mais recentemente, as primeiras degustações de alimentos com gordura cultivada suína na Cellva. Quando a carne cultivada estará no prato do brasileiro? Por enquanto, Singapura permanece como o único país onde produtos de carne cultivada já são comercializados. No entanto, a Food and Drug Administration (FDA), equivalente à Anvisa dos Estados Unidos, fez consultas pré-comercialização de produtos feitos a partir de cultivo celular das empresas UPSIDE Foods e a GOOD Meat, e os considerou seguros para consumo humano. No Brasil, além da Cellva, JBS, BRF e Sustineri Piscis são outras marcas que estão desenvolvendo carne cultivada, com lançamentos previstos para 2024 e 2025. “Em relação ao futuro, entendo que o Brasil tem um papel essencial na produção e exportação de alimentos para o mundo e que, para a agricultura celular acontecer, o país também precisará ter relevância como parte dessa cadeia de fornecedores. Acreditamos que a nossa biodiversidade e relevância alimentar propiciam o desenvolvimento dessa tecnologia. A agricultura celular democratiza a produção da cadeia de suprimentos de alimentos, uma vez que substitui o abate animal, utiliza menos recursos naturais e produz em menor tempo. Da mesma forma, preserva o sabor e textura dos alimentos que conhecemos e pode trazer benefícios nutricionais”, completa Bibiana. Gordura de porco cultivada da Cellva
GFI Brasil lança chamada para estudo sobre segurança de alimentos plant-based

Projeto inicia em setembro de 2022 e tem prazo de 5 meses por Victoria Gadelha O The Good Food Institute Brasil convida pesquisadores, empresas e instituições interessadas em desenvolver o Estudo dos Aspectos de Segurança de Alimentos Aplicados na Produção de Produtos Cárneos Feitos de Plantas a enviarem suas propostas até dia 9 de junho. O objetivo do estudo é estabelecer um plano que contemple os aspectos de segurança de alimentos para produção de produtos cárneos feitos de plantas, usando como base a ferramenta de “Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle” (APPCC). Devem ser abordados pelo menos quatro produtos feitos de plantas e devem ser considerados os principais pontos da cadeia de produção que precisam ser controlados para obter produtos seguros, assim como os pontos que requerem aprofundamento científico para identificação e controle dos perigos. Dessa forma, o documento visa prover subsídios técnicos e científicos para embasar e orientar as futuras ações de legisladores, pesquisadores, professores, produtores rurais e empresários desse segmento. O estudo será dividido em quatro etapas (estruturação da equipe multidisciplinar, treinamento da mesma, desenvolvimento do estudo e elaboração do relatório final) e o GFI Brasil, além de validar essas etapas, vai também acompanhar o processo por meio de relatórios e reuniões de acompanhamento. O projeto é previsto para iniciar em setembro de 2022 e o prazo desejado para a execução do estudo é de cinco meses. As propostas poderão ser enviadas até dia 9 de junho, em formato PDF, para o email ciencia@gfi.org. A proposta deve conter obrigatoriamente um cronograma, os valores previstos para a execução de cada etapa, o investimento total, a metodologia a ser utilizada e o currículo dos profissionais que irão desenvolver o trabalho. As orientações completas para submissão, assim como todas as demais informações sobre o estudo, podem ser acessadas neste link. Contextualização Os produtos feitos de plantas costumam apresentar uma maior diversidade de ingredientes do que os produtos de carne convencional. Essa é, ao mesmo tempo, uma grande vantagem e uma desvantagem, porque apesar da possibilidade de usar vários ingredientes para ajustar a composição do produto e alcançar as necessidades tecnológicas, nutricionais, funcionais e sensoriais, um maior número de ingredientes também significa um maior número de fontes de onde perigos podem potencialmente surgir. Apesar da indústria de produtos cárneos feitos de plantas ter nascido fortemente associada à indústria de produtos animais, as considerações de segurança para produtos plant-based são diferentes das necessárias para produzir produtos de origem animal: a segurança dos alimentos à base de plantas depende do solo, dos insumos agrícolas usados onde as plantas de origem são cultivadas, de como as plantas são colhidas, armazenadas, transportadas, processadas para obter os isolados de proteína e manuseadas pós-processamento. O consumo de carne vegetal vai continuar crescendo nos próximos anos e a indústria precisa se preparar para atender à demanda. O Brasil tem grande potencial para se tornar referência mundial em proteínas alternativas: nossa capacidade, força e “know-how” de produção pecuária e agrícola, somadas à diversidade dos biomas brasileiros (que pode colocar o país no centro da produção sustentável de matérias-primas e desenvolver alternativas nacionais que sejam competitivas, como o Licuri), e ao anúncio feito recentemente pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de que vai regular o mercado de produtos plant-based, indicam que estamos nesse caminho. Agora, o desafio é conhecer os perigos potenciais para superá-los, estabelecendo as medidas de controle eficazes para que o Brasil possa avançar na oferta de produtos de carne feitos de plantas refrigerados e estáveis em temperatura ambiente (e não só congelados). Vale destacar que o GFI Brasil vem trabalhando em parceria com o governo sob demanda das agências reguladoras MAPA e ANVISA, com o objetivo de fornecer informações científicas essenciais para o processo regulatório de produtos cárneos vegetais no Brasil envolvendo desde estudos regulatórios até o estudo de segurança alimentar.
Pandemia revela um dos grandes desafios da humanidade: como alimentar quase 10 bilhões de pessoas?

Passados quase cinco meses de isolamento social, fica evidente que o mundo como conhecemos não será mais o mesmo. Estamos diante de um fato histórico que determinará a forma de organizar e manter a vida neste planeta. Evidentemente, desafios antigos permanecem e se intensificam diante de um problema que afeta a todos, direta ou indiretamente. Dentre eles o de como alimentar de forma segura quase 10 bilhões de pessoas até 2050 em um cenário onde 820 milhões já passam fome. O que vamos comer e como vamos produzir esses alimentos? Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) será necessário aumentar a produção de alimentos em 70% para que todos tenham acesso à comida. Essa nova realidade impacta especialmente a demanda por carne, que exigirá a criação de ainda mais animais. Para que isso seja possível, muitas vezes é necessário confiná-los em espaços pequenos, pouco arejados e sem espaço para movimentação adequada. O número de animais em proximidade, com contato entre diferentes espécies e as condições citadas, favorecem a transmissão de patógenos entre espécies, podendo levar a eventual transmissão dessas doenças para seres humanos. O Covid-19 surgiu devido ao consumo e comercialização de animais silvestres, assim como a AIDS, Ebola e outras pandemias. Ao mesmo tempo, há patógenos que surgem nas produções de animais para consumo, como é o caso da gripe aviária, gripe suína e da gripe espanhola. De acordo com a OMS, 60% das novas doenças infecciosas se originaram em animais. Esse mesmo estudo ainda cita que a produção de alimentos tem sido uma das mais importantes rotas de transmissão dessas doenças, também pelo uso intensivo de antibióticos na produção animal. Por fim, ainda há um grande risco de insegurança alimentar (falta de comida) associado às pandemias animais. No ano passado, a Peste Suína Africana dizimou populações de porcos na China, fazendo com que esse país tivesse que comprar alimentos no exterior, o que gerou aumento do preço da carne no mundo todo, inclusive no Brasil. De acordo com o jornal britânico The Guardian, mesmo abatendo todos os porcos vivos no mundo não seria possível suprir a demanda chinesa, tamanha foi a falta de carne causada pela pandemia animal. Em maio de 2020, a Índia já havia reportado mais de 11 surtos da mesma doença, que no momento está sendo considerada o maior impacto na produção de proteína global (maior do que o Covid-19, mesmo tendo acontecido no mesmo período). Por isso, cada vez mais os produtores, indústria, governos e cientistas se unem para elaborar soluções que possam permitir o aumento da produção global de proteínas de forma mais sustentável do ponto de vista ecológico e, acima de tudo, sem colaborar para o desenvolvimento de novas pandemias, seja em humanos ou animais. Dentre os possíveis podemos citar melhorias nas práticas de manejo, estudos para aumento sustentável de produtividade no campo, implementação de novas tecnologias agrárias e, também, o desenvolvimento de novas fontes de proteína. Por isso a indústria de proteínas alternativas surge com tanta força: é um dos caminhos necessários para o futuro da alimentação no mundo. Essa indústria não tem mais como objetivo atender somente uma demanda de nicho do mercado vegetariano. O objetivo agora é entregar alimentos que tenham as características de sabor, aroma e textura daqueles que não consumidos em larga escala, porém produzindo-os por uma tecnologia inovadora. Daí surgem os substitutos vegetais análogos à carne ou mesmo a tecnologia de carne cultivada a partir de células: o objetivo é permitir que as pessoas continuem comendo o que gostam, mas fazer essa comida (ou parte dela) com uma nova tecnologia. Nessa lógica, o Brasil pode assumir uma posição de liderança global, pois temos tudo o que é necessário para o bom desenvolvimento do setor: um agronegócio forte, estrutura logística para distribuição global de produtos, clima favorável à produção e um enorme capital intelectual ligado à produção de alimentos. Já somos chamados de “o celeiro do mundo”, pois conseguimos desenvolver tecnologias que colocaram nosso agro à frente de outros países. Agora, devemos seguir nesta mesma rota e investir nas tecnologias que serão imprescindíveis para o futuro, garantindo a manutenção de nossa liderança e da competitividade dos negócios brasileiros. Soluções viáveis já estão em curso e essa é a hora de investir consistentemente para que o agronegócio brasileiro consiga atender à demanda global por novas fontes de proteína e, com isso, liderar o mundo no sentido de alimentar todas as pessoas, minimizar danos ambientais e diminuir a possibilidade de novas pandemias. Proteínas Alternativas Vegetais Diferentes instituições de pesquisa brasileiras já estão realizando estudos de viabilidade de outras fontes de proteína e produtos vegetais. A EMBRAPA, por exemplo, está pesquisando sobre a fibra de caju, e proteína de feijão, enquanto a UNICAMP iniciou estudos para a obtenção de proteínas a partir da folha da mandioca. Esses são só alguns exemplos dentre inúmeras pesquisas que já ocorrem em instituições espalhadas por todo o Brasil. Além disso, as maiores empresas brasileiras de carne e alimentos em geral investiram no mercado de proteínas alternativas consistentemente no último ano, juntando-se a uma série de startups que já estavam sendo bem sucedidas no setor. Por fim, produtores estão aproveitando essa nova tecnologia para expandir seus negócios e criar novas fontes de renda. Essa é a chave para entender o setor de proteínas alternativas: não se trata de uma ameaça ao produtor rural ou às empresas de carne, mas sim de uma oportunidade para rentabilização desses negócios. O produtor que cria gado pode agora plantar grão de bico e se rentabilizar vendendo a proteína que é utilizada como matéria prima da indústria de substitutos vegetais análogos à carne. As cooperativas de leite podem facilmente produzir leite vegetal utilizando pequenas áreas das fazendas para plantação de, por exemplo, aveia ou soja. Os sinais de uma guinada nessa direção já puderam ser vistos nos primeiros meses da pandemia. Na segunda semana de abril, as vendas de análogos vegetais, que são produtos que mimetizam os de origem animal, subiram 200% nos Estados Unidos em comparação com