Carne cultivada pode ser considerada halal

O Conselho Religioso Islâmico de Singapura (Majlis Ugama Islam Singapura – MUIS), a única entidade com autorização legal para emitir certificados halal no país, declarou que, sob certas condições, o consumo de carne cultivada é permitido como halal.

O anúncio foi feito em 3 de fevereiro na Conferência Fatwa do MUIS, que incluiu um painel com a cientista Ph.D Maanasa Ravikumar, do GFI Ásia Pacífico. A fatwa, que é um pronunciamento legal sobre um ponto da lei islâmica, afirma que a carne cultivada pode ser considerada halal se as células forem provenientes de animais que os muçulmanos podem consumir e se não houver mistura de componentes não halal no processo de produção.

A fatwa foi emitida depois de mais de um ano de deliberações ponderadas por parte do conselho, durante as quais os especialistas do GFI Ásia Pacífico fizeram inúmeras apresentações técnicas sobre o processo de cultivo de carne a partir de células animais. Os representantes do MUIS também visitaram uma instalação local de produção de carne cultivada e estudaram profundamente o assunto de todos os ângulos da perspectiva islâmica. Ao apresentarem os resultados do seu estudo na conferência, os acadêmicos deixaram claro que acreditam que as muitas vantagens da carne cultivada, especialmente para o meio ambiente e a segurança alimentar, superam qualquer possível desvantagem teórica.

A orientação religiosa sobre  produtos cárneos cultivados passou a ser debatida porque, depois que a Agência Alimentar de Singapura (SFA) aprovou a venda de carne cultivada em 2020, começaram a surgir dúvidas sobre a permissibilidade do consumo para os muçulmanos. Com a comercialização e consolidação desses novos alimentos na região, o MUIS entendeu que seria necessário ter uma posição religiosa sobre se tais produtos poderiam ser consumidos ou não.

O GFI Ásia Pacífico fez a primeira apresentação para o MUIS em julho de 2022, e ao longo dos últimos 18 meses, fortaleceu a relação com o conselho por meio de várias imersões profundas e apresentações sobre a regulação e a ciência por trás da carne cultivada. A parceria foi tão bem sucedida que o MIUS adicionou o logotipo do GFI aos seus banners e usou nossa nomenclatura e dados em suas próprias apresentações. O GFI Ásia Pacífico também estabeleceu contato com o correspondente do MUIS na Indonésia, e eles demonstraram intenção em seguir um princípio semelhante.

Novo estudo do GFI Brasil e UNICAMP mapeia fontes de proteínas vegetais cultivadas no Brasil com potencial para a indústria plant-based

Arroz, aveia, centeio, cevada, milho, sorgo, trigo, canola, amendoim, feijão preto, feijão caupi, feijão mungo, grão-de-bico, lentilha, mandioca, sementes de gergelim e de girassol e batata foram as espécies analisadas, quatro se mostraram mais promissoras

Em parceria com pesquisadores da UNICAMP, o The Good Food Institute Brasil apresenta o novo Estudo de Proteínas Vegetais Nacionais Aplicadas à Produtos Plant-Based, que tem como objetivo explorar a capacidade de matérias-primas cultivadas no Brasil para serem aplicadas em alimentos vegetais análogos.

O trabalho visa impulsionar o aproveitamento dessas fontes, contribuindo para a diversificação das opções de proteínas vegetais disponíveis no mercado nacional. Além disso, a pesquisa busca identificar as matérias-primas mais promissoras em termos de desempenho tecnológico e econômico, visando a sustentabilidade e a viabilidade desses alimentos.

A soja e a ervilha são, atualmente, as principais fontes proteicas utilizadas na produção de produtos cárneos vegetais. No entanto, a biodiversidade brasileira abriga uma vasta gama de matérias-primas vegetais com um potencial ainda inexplorado para a indústria de proteínas alternativas, e essa necessidade de inovação é ecoada pela comunidade empresarial do país: uma pesquisa realizada pelo GFI Brasil em 2021 revelou que 84% das empresas brasileiras consideram prioritário o desenvolvimento de novos ingredientes proteicos de origem nacional. 

Considerando este cenário, o estudo identificou 18 espécies vegetais nacionais com potencial para a indústria plant-based, das quais quatro – milho, mandioca, arroz e batata – se destacaram como as fontes mais promissoras para fornecer ingredientes proteicos para o setor, por serem as variedades que movimentam a economia nacional devido ao volume produzido.

Além de beneficiar diretamente o setor de proteínas alternativas, novas fontes de proteínas vegetais produzidas nacionalmente podem trazer vários outros benefícios para a economia brasileira, como geração de renda extra para os agricultores, fortalecimento da indústria agrícola e alimentícia, redução de preços para os consumidores e promoção de práticas sustentáveis.

Alinhado às tendências globais de consumo e à demanda crescente por alternativas alimentares que sejam mais sustentáveis e respeitem a biodiversidade nacional, este estudo representa um passo na direção de uma indústria brasileira mais sustentável e competitiva no mercado global, beneficiando tanto os consumidores quanto os produtores.

“O mercado de proteínas alternativas no Brasil vem crescendo a cada ano e mostrando todo o seu potencial. Nós acreditamos que estudos voltados para a valorização de subprodutos e resíduos nacionais na obtenção de proteínas são uma estratégia chave para o desenvolvimento de novos ingredientes, contribuindo para a diversificação de fontes para além da soja e da ervilha” – Graziele Karatay, especialista de Ciência e Tecnologia do GFI Brasil.

Acesse o resumo executivo e o relatório completo aqui.

Carne cultivada no Brasil em 2024? 

Confira análise do GFI Brasil sobre a regulação de alimentos feitos a partir de cultivo celular e fermentação de precisão

A Anvisa publicou no dia 18 de dezembro de 2023 a Resolução RDC Nº 839, que regulamenta o registro de alimentos e ingredientes inovadores, incluindo os oriundos de cultivo celular e fermentação. Esse marco regulatório, que entra em vigor a partir do dia 16 de março de 2024, coloca o Brasil em uma posição de destaque internacional, abrindo caminhos para atrair investimentos em inovações alimentares sustentáveis, e nos coloca também cada vez mais próximos de lançar produtos feitos a partir dessas duas tecnologias ainda este ano. 

O regulamento tem alcance amplo, envolvendo os critérios para avaliação de segurança para todos os novos alimentos e ingredientes, que são aqueles sem histórico de consumo por pelo menos 25 anos no país. Isso alcança muitas das diversas inovações que a engenharia de alimentos nos apresenta todos os dias e representa um importante passo na direção da regulamentação da carne cultivada no Brasil.

No regulamento, a agência define todas as etapas e requisitos necessários para as empresas produtoras de carne cultivada e dos seus ingredientes apresentarem dados que garantam que estes produtos são seguros para o consumidor. O documento técnico a ser apresentado para avaliação da agência deverá conter os métodos para triagem, seleção, preparo e manutenção das linhagens celulares, a descrição do processo de produção e da composição do meio de cultivo e a composição nutricional dos produtos obtidos.  

“Este movimento da Anvisa aponta que carne cultivada é segura como alimento se produzida dentro de padrões técnicos rígidos. Para que as empresas possam começar a produzir no Brasil, cabe agora ao Ministério da Agricultura e Pecuária definir os regulamentos complementares, que englobam o registro do produto, suas regras de rotulagem e o regulamento de inspeção das unidades produtivas. Esperamos que isso aconteça ao longo de 2024, porque esse mercado vai avançar rápido no mundo”, diz Alysson Soares, especialista sênior em Políticas Públicas do GFI Brasil.

Com a publicação deste regulamento, a Anvisa se coloca ao lado de outros agentes reguladores, como a EFSA na União Europeia, a parceria USDA/FDA nos Estados Unidos, a SFA em Singapura e a NFS em Israel, como pioneiras em perceber a importância de definir um marco regulatório para carne cultivada baseado em ciência e favorável à inovação e aos investimentos. Foi de fundamental importância para esse posicionamento das principais agências reguladoras globais os estudos científicos desenvolvidos pela Organização Mundial de Saúde e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) nos últimos dois anos.

Sobre isso, o Vice-Presidente de Políticas Públicas do GFI Brasil, Alexandre Cabral, acrescenta que  “é muito significativo que o Brasil, um dos países mais importantes no cenário global da produção de alimentos, afirme que carne cultivada é segura num momento onde em diversos países aparecem ações legislativas na direção de proibir ou limitar o avanço dessa tecnologia”.

O GFI Brasil vem fomentando este debate no Brasil desde 2018, quando promoveu o primeiro seminário dentro do governo brasileiro sobre carne cultivada. De lá pra cá, vem colaborando no tema no Brasil e no exterior, através da participação em grupos especialistas e da publicação de estudos regulatórios e científicos.

Entrevista com Bruce Friedrich: “Construir um sistema alimentar melhor e mais sustentável é um dos desafios mais importantes da nossa época”

Originalmente publicado por Steff Bottinelli no Food Matters Live em 18 de setembro de 2023

Se você se interessa por inovação alimentar e sustentabilidade, Bruce Friedrich é um nome com o qual você deve estar familiarizado. Formado em direito pela Georgetown Law, pela Universidade Johns Hopkins e pela London School of Economics, em 2016 Friedrich fundou o The Good Food Institute (GFI), organização sem fins lucrativos da qual ele é presidente.

Hoje, o GFI tem mais de 200 membros em tempo integral em afiliadas nos EUA, Europa, Índia, Israel, Brasil e Singapura. O trabalho do instituto é focado em políticas, ciência e envolvimento corporativo no setor das proteínas alternativas e visa fortalecer o fornecimento global de proteínas ao acelerar a produção de carne à base de plantas e cultivada, promover práticas agrícolas sustentáveis e melhorar a segurança alimentar e a saúde global.

Além de supervisionar a estratégia global do GFI, Bruce Friedrich escreve regularmente artigos de opinião para veículos como The Wall Street Journal, USA Today, Los Angeles Times e Wired, é convidado frequente em mesas redondas, podcasts, programas de rádio e é um TED Fellow. A palestra TED de Bruce em 2019 foi vista duas milhões de vezes e traduzida para dezenas de idiomas.

Conversei com Bruce para discutir o futuro das proteínas alternativas e o papel dos governos em ajudar a expandir o setor, a recente aprovação da venda de carne cultivada nos Estados Unidos e a posição de países como a Itália em relação à agricultura celular.

Hoje, há mais informações do que nunca sobre os efeitos prejudiciais da produção de carne, peixe e laticínios no meio ambiente e mais empresas de alimentos, restaurantes e redes de fast food estão produzindo ou oferecendo alternativas à base de plantas. No entanto, apesar da maior disponibilidade de produtos veganos no mercado e o aumento de pessoas comprando regularmente, o consumo de carne animal continua aumentando globalmente. O que você acha que será necessário para as pessoas perceberem que precisam reduzir ou parar completamente de consumir produtos de origem animal? Por que ainda há essa desconexão, apesar de toda a informação disponível?

A resposta é simples: as escolhas alimentares da maioria das pessoas são baseadas em dois fatores simples: sabor e preço. Muitos dos problemas que vimos recentemente no mercado de produtos à base de plantas são devido ao fato de que esses alimentos ainda não atendem a essas métricas – não proporcionam os sabores que os consumidores desejam e ainda são caros demais. Isso me leva à sua última pergunta: a carne à base de plantas ainda está em sua infância e, para que esses alimentos se tornem deliciosos e acessíveis ao maior número possível de pessoas, precisamos que os governos invistam na pesquisa e infraestrutura que o setor precisa – assim como fizeram com a energia renovável.

É impossível exagerar a importância disso: a população mundial está prevista para atingir 10 bilhões até 2050, e essas pessoas estão consumindo cada vez mais carne. Será impossível alimentá-las usando um sistema tão ineficiente quanto a agricultura animal industrial, que consome nove calorias de ração para produzir uma caloria de carne de frango.

Os alimentos à base de plantas são frequentemente acusados de serem ultraprocessados. No entanto, sabemos que muitos produtos de origem animal muitas vezes mal contêm os ingredientes que deveriam, mas têm uma grande quantidade de aditivos, enquanto muitos produtos à base de plantas são feitos com apenas alguns ingredientes. Como podemos mudar a percepção dos alimentos veganos?

Acredito que precisamos de uma conversa mais bem informada sobre o que o termo “ultraprocessado” significa. Praticamente tudo o que comemos, desde molho de massas até pão, é processado. O processamento pode ser usado para tornar os alimentos mais seguros, adicionar vitaminas e minerais e preservá-los por mais tempo para evitar o desperdício. O número de ingredientes não determina, necessariamente, a saúde de um produto. A banha tem um ingrediente e um pão integral tem muitos, mas poucos argumentariam que a banha é mais saudável que o pão integral. Comparado à carne produzida convencionalmente, a carne à base de plantas tem menor teor de gordura saturada, menor densidade calórica, mais fibras e carboidratos complexos e nenhum colesterol. Em resumo, é mais saudável.

Muitos gigantes do setor alimentício agora entraram no setor de alimentos à base de plantas, como Nestlé, Unilever… Alguns os acusam de lucrar, outros de normalizar a produção à base de plantas e torná-la mais democrática. Quais são seus pensamentos sobre isso?

Essas grandes empresas de alimentos têm a infraestrutura para ampliar a produção e o conhecimento técnico para impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento, então precisamos que elas entrem no jogo se quisermos melhorar a qualidade, reduzir os custos e fazer com que os alimentos à base de plantas se tornem uma opção padrão para todos. No entanto, a carne à base de plantas pode ser produzida por empresas de todos os tamanhos e formas, adaptadas às necessidades e gostos de diferentes culturas.

Há espaço para todos neste setor, o que significa que as grandes empresas trabalham de mãos dadas com as startups. Para permitir um ecossistema diversificado de empresas onde os produtores independentes podem prosperar, precisamos que os governos financiem pesquisas de acesso aberto, para democratizar as possibilidades de carne à base de plantas – em vez de deixar a inovação para empresas privadas.

Você frequentemente fala sobre a necessidade de subsídios governamentais para ajudar a expandir proteínas alternativas da mesma forma que os governos subsidiaram a energia renovável. No entanto, com algumas exceções, isso ainda não está acontecendo amplamente. O que você acha que será necessário para os governos entenderem a necessidade desse apoio financeiro e assumirem um papel ativo na produção de proteínas sustentáveis?

Nosso relatório sobre o Estado da Política Global constatou que estamos começando a ver lentamente uma mudança nessa direção, com governos em todo o mundo percebendo a importância das proteínas alternativas na sustentabilidade. Na Europa, o governo holandês está liderando o caminho ao anunciar 60 milhões de euros para o maior investimento público já feito em agricultura celular e, no início deste ano, o governo do Reino Unido investiu 13 milhões de libras em um novo centro de pesquisa para investigar como produzir carne cultivada em escala.

No entanto, os governos precisam ir mais longe e mais rápido. Os líderes mundiais precisam observar as inundações, ondas de calor e incêndios florestais que temos visto nos últimos meses e entender a urgência de construir um sistema alimentar mais resiliente e sustentável. Eles precisam perceber que, mesmo se as emissões de combustíveis fósseis fossem eliminadas da noite para o dia, o mundo não atingiria suas metas do Acordo de Paris sem se afastar da agricultura animal convencional. Eles precisam entender a importância de investir em alimentos que possam reduzir as emissões e liberar terras para a restauração da natureza e para uma agricultura mais sustentável.

E, em um nível prático, eles precisam reconhecer o potencial deste setor em termos de custo-benefício: de acordo com o Boston Consulting Group e a Blue Horizon, para cada trilhão de dólares investidos no desenvolvimento de carne à base de plantas, 4,4 Gt de CO2 equivalente poderiam ser economizados – três vezes mais do que o mesmo investimento em outros setores de alto impacto, como transporte ou construção.

Você acha que as escolas deveriam ensinar as crianças sobre agricultura e de onde vem a comida? Por exemplo, ter aulas sobre agricultura industrial e pecuária?

Eu não acho uma má ideia, estou aberto a qualquer sugestão que torne as pessoas mais conscientes dos danos causados pela agricultura animal industrial. Mas eu não acredito que isso vá ao cerne do problema. Organizações vegetarianas e veganas em todo o mundo têm tentado educar as pessoas há décadas sobre por que deveriam comer menos carne, e isso não alterou o fato de que a demanda global por carne deverá crescer mais da metade até 2050.

Você pode fornecer às pessoas todas as informações que quiser, mas enquanto não conseguirmos fazer com que a carne à base de plantas, cultivada ou fermentada tenha o mesmo sabor ou melhor, e seja tão acessível ou mais barata do que a carne convencional, não conseguiremos reverter essa tendência.

A carne cultivada é frequentemente acusada de ser “sintética”, no entanto, a forma como é produzida significa que demanda menos aditivos, como antibióticos, que podem gerar problemas para os humanos, como a resistência aos antibióticos. Alguns governos, como o atual governo italiano, são firmes em afirmar que irão proibir a pesquisa, produção e venda de carne cultivada no país, embora o consumo humano de produtos cultivados ainda não tenha sido legalizado na Europa. Por que você acha que há resistência a essa tecnologia? Entrevistei recentemente o Ministro da Agricultura italiano, e ele afirmou que a carne cultivada poderia acabar com a agricultura animal tradicional na Itália e que a forma como é produzida – em sua opinião – poderia ser potencialmente menos sustentável do que a agricultura tradicional. Por que tantas pessoas e políticos hesitam em considerar a ciência?

A carne cultivada é uma tecnologia transformadora e eu entendo totalmente por que muitas pessoas hesitam quando ouvem falar sobre ela. É por isso que precisamos de conversas abertas, honestas e baseadas em evidências, especialmente com políticos. Pesquisas mostram que a carne cultivada tem o potencial de reduzir as emissões em até 92% em comparação com a carne convencional, além de ajudar a combater a ameaça da resistência antimicrobiana. Também precisamos de diálogo aberto sobre como a eficiência da carne cultivada pode possibilitar práticas agrícolas mais sustentáveis, liberando terras, e os formuladores de políticas públicas precisam trabalhar com comunidades agrícolas para apoiá-las na implementação dessas práticas.

É uma pena ver um país que sempre foi pioneiro em inovação alimentar se afastando da oportunidade de moldar o futuro da carne cultivada. O governo italiano é um verdadeiro ponto fora da curva aqui, tanto em termos de querer interromper a ciência quanto em querer restringir a escolha do consumidor – enquanto outros governos na Europa e no mundo começam a investir. Ninguém gosta de ser regulado sobre o que pode ou não pode comer, e um estudo do GFI Europa do ano passado descobriu que 55% dos italianos estavam dispostos a comprar carne cultivada quando ela chegasse ao mercado. Quando os reguladores europeus aprovam produtos, cabe aos consumidores, e não aos políticos, decidir se desejam ou não consumir carne cultivada.

A carne cultivada foi recentemente aprovada para consumo humano nos Estados Unidos. Na sua opinião, quanto tempo levará para que outros países sigam o exemplo?

Acabamos de receber a emocionante notícia de que a Aleph Farms apresentou as primeiras solicitações europeias aos reguladores suíços e britânicos, e as solicitações também estão sendo analisadas em Israel, Austrália e Nova Zelândia, com outras esperadas até o final de 2023. Não quero fazer previsões e dar uma data – os reguladores precisam do tempo e espaço necessários para realizar seu trabalho e passar aos consumidores confiança sobre esse novo alimento – mas estou confiante de que veremos pessoas em muitos mais países dando suas primeiras mordidas de carne cultivada nos próximos anos.

No que diz respeito à Europa, Suíça e Reino Unido têm uma história de inovação alimentar e consumidores com apetite por produtos mais sustentáveis, então tenho certeza de que veremos filas ao redor do quarteirão quando esse alimento estiver à venda lá, provavelmente em pelo menos 18 meses. Mas é impressionante que as primeiras solicitações para comercialização de carne cultivada da Europa não tenham chegado a Bruxelas. Com a Itália tentando proibir a carne cultivada enquanto outros países investem, a Europa está enviando mensagens mistas para empresas que precisam de certeza para alcançar seu potencial. A União Europeia deve desenvolver uma estratégia coerente para apoiar o setor de proteínas sustentáveis e garantir que os processos regulatórios sejam claros.

Em muitas entrevistas, você disse que se quisermos mudar o sistema alimentar, precisamos trabalhar dentro do sistema. Você acha que isso está acontecendo rápido o suficiente? O que mais precisa ser feito?

A resposta curta é não. Estamos vendo alguns exemplos excelentes, como a empresa de laticínios Arla Foods trabalhando com a empresa de biotecnologia Novozymes para desenvolver ingredientes usando fermentação de precisão, e a Bitburger Brewery fornecendo subprodutos da produção de cerveja para a alemã Mushlabs alimentar seu processo de fermentação. Mas precisamos urgentemente ver mais grandes empresas de alimentos entrando e fornecendo a infraestrutura e o peso de P & D necessários para impulsionar as proteínas alternativas para o mainstream.

Para que isso mude, as empresas precisam entender os enormes benefícios de se envolver em proteínas alternativas – há uma grande oportunidade em termos de explorar novos mercados e impulsionar suas credenciais ESG. Nossos relatórios recentes de análise de fabricação de proteínas à base de plantas e obtidas por fermentação fizeram algumas excelentes sugestões para empresas, como a possibilidade de modernizar edifícios e equipamentos existentes como uma maneira viável e acessível de ganhar escala rapidamente.

Atualmente, várias startups estão trabalhando no campo de carne cultivada. Algumas provavelmente se tornarão comerciais e viáveis, enquanto outras não vão conseguir – assim como em qualquer outro setor. Você acha que veremos um dia em que a carne cultivada se torne uma concorrente direta da carne derivada de animais abatidos?

Pesquisas da CE Delft mostram que até 2030 os custos de produção da carne cultivada podem cair drasticamente, se aproximando do nível em que ela possa competir com a carne convencional. Mas, para que isso aconteça, os setores público e privado precisarão investir valores significativos em pesquisa e desenvolvimento para superar os obstáculos existentes, que vão desde aumentar a disponibilidade de linhagens celulares até reduzir o custo dos meios de cultura celular – o caldo nutritivo de que as células precisam para crescer – e construir cultivadores maiores e mais eficientes.

Construir um sistema alimentar melhor e mais sustentável é um dos desafios mais importantes de nossa era e, se quisermos aproveitar essa enorme oportunidade, governos e empresas precisam apoiar esse esforço e investir.

Histórico: Israel se torna o primeiro país no mundo a liberar venda de carne bovina cultivada!

Hoje, dia 17 de janeiro de 2024, Israel concedeu aprovação regulatória para a Aleph Farms comercializar seus produtos no país. Com isso, Israel se une a Estados Unidos e Singapura, os únicos países que já permitem a venda de carne cultivada em seus territórios. O diferencial é que, até o momento, todas as aprovações tinham sido relativas à carne de frango cultivada, tornando Israel o primeiro país no mundo a liberar a venda de carne bovina cultivada.

Essa aprovação concede à Aleph Farms permissão para produzir e comercializar seus produtos no território israelense, sujeita às diretrizes específicas para rotulagem e publicidade fornecidas pelo Ministério da Saúde local e à conclusão da inspeção da instalação de produção piloto.

Petit Steak

O primeiro produto a ser lançado pela empresa sob a marca Aleph Cuts será o “Petit Steak”, um bife cultivado a partir de células de Angus premium. O produto híbrido de carne é composto por células não modificadas e não imortalizadas de uma vaca Angus preta premium, juntamente com uma matriz de proteína vegetal feita de soja e trigo. Além das células derivadas de um dos óvulos fertilizados da vaca, não há outros componentes de origem animal no processo de cultivo ou no produto final. O processo controlado e rastreável é realizado em um ambiente de produção asséptica, o que reduz significativamente os riscos de contaminação e exclui a necessidade da presença de antibióticos.

Assim que os requisitos de rotulagem e inspeção da instalação forem concluídos, o produto será disponibilizado em restaurantes selecionados para, depois, ser distribuído para outros serviços de alimentação e varejo. Quanto ao custo, a empresa revelou que, no momento do lançamento, o Petit Steak terá preços semelhantes aos da carne bovina premium convencional.

Participação do GFI no processo

Nós do The Good Food Institute celebramos a aprovação porque tivemos uma grande participação para alcançar esse marco. Nós realizamos diversos workshops com a equipe da Aleph Farms e fomos os primeiros a apresentar a tecnologia de carne cultivada aos reguladores israelenses e ao Primeiro Ministro Netanyahu em 2020 e em 2023, ocasiões em que ele experimentou a carne cultivada da empresa. Além disso, a Aleph Farms foi fundada com base no projeto de doutorado do nosso ex-Cientista Sênior, Dr. Tom Ben Arye Cohen.

Esta aprovação não apenas marca um momento crucial, mas também serve como uma garantia sólida para o setor de carne cultivada em meio a dúvidas e questionamentos prevalecentes. Confiamos que este marco enviará uma mensagem convincente aos players da indústria, incentivando-os a persistir em seus investimentos e avanços no campo.

“A aprovação da carne cultivada da Aleph Farms em Israel representa um avanço monumental para o setor de proteínas alternativas globalmente. Este é um exemplo brilhante do que a inovação, aliada à ciência e à sustentabilidade, pode alcançar. No The Good Food Institute Brasil, vemos isso como um sinal promissor do que está por vir. O fato de que este produto específico já está programado para chegar ao Brasil, em parceria com a indústria local, é um testemunho do potencial que a carne cultivada tem para revolucionar o sistema alimentar, oferecendo alternativas sustentáveis e éticas sem comprometer o sabor ou a tradição. Este também é um momento crucial para Brasil, que também publicou seu o primeiro caminho regulatório para produtos do tipo e pode se posicionar como líder na adoção e na inovação de proteínas alternativas, trazendo benefícios tanto para a nossa economia como para o meio ambiente”, comenta o Presidente do The Good Food Institute Brasil, Gustavo Guadagnini.

Israel

Três das oito primeiras empresas de carne cultivada do mundo são Israelenses e 15% dos investimentos globais no campo são destinados a elas. Há muitos anos o país apoia e promove as proteínas alternativas, dada a batalha contínua da nação contra a insegurança alimentar: de acordo com dados governamentais, em 2021, 16% das famílias israelenses e 21% das crianças não tinham acesso adequado a alimentos seguros e nutritivos. Entre as famílias com crianças, 19% enfrentaram insegurança alimentar, enquanto 8,5% sofreram de insegurança alimentar severa.

Como a carne cultivada não depende da agricultura de gado, de extensas áreas de terras agrícolas ou de grandes quantidades de água, os benefícios para a segurança alimentar são tão relevantes quanto para as mudanças climáticas, especialmente em um país com clima hostil e mais da metade do território composto por solos desérticos.

A conquista da Aleph Farms em Israel é uma grande vitória, mas não para por aí. A empresa já solicitou autorização para venda em Singapura, Suíça, Reino Unido e nos Estados Unidos, além de avançar com solicitações em outros mercados. 

COP 28: Avanços históricos e muito trabalho pela frente

A COP 28, que aconteceu em Dubai dos dias 30 de novembro a 12 de dezembro, encerrou com avanços históricos em relação ao reconhecimento do setor de alimentos como foco estratégico das ações de mitigação e adaptação climática, mas ainda com muito trabalho pela frente. 

Quais foram os principais avanços?

A pauta dos sistemas alimentares, que começou a ser debatida apenas no ano passado na COP do Egito, ganhou mais foco, intensidade, comprometimento dos países, engajamento da comunidade internacional, fontes de financiamento para o setor e até um dia inteiro dedicado à alimentação e à agricultura. 

Essa velocidade não é comum para o mundo das organizações multilaterais, no qual as mudanças acontecem muito lentamente. Apesar de ainda não ser suficiente para suprir a urgência que temos de acelerar a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis para conseguirmos alcançar as metas do Acordo de Paris, é uma evolução significativa.

O lançamento de três documentos focados em alimentos também representou uma vitória para o setor:

Outra vitória foi a inclusão dos sistemas alimentares e da agricultura no Global Stocktake, documento revisado a cada 5 anos que analisa tecnicamente e politicamente como evoluímos em relação às metas do Acordo de Paris e quais devem ser os novos compromissos. Os países utilizam o documento para elaborar as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são as metas que cada nação autodetermina para cumprir os compromissos do Acordo. As menções incluem a necessidade de aumentar a produção de alimentos sustentáveis e de estimular sistemas alimentares resilientes, por exemplo. Apesar de tímida, essa conquista já abre as portas necessárias para que o assunto seja trabalhado em outros dispositivos oficiais no futuro, como as NDCs, e para que a pauta receba ainda mais foco nas próximas edições da COP.

O que ainda precisamos alcançar?

Enquanto celebramos os progressos alcançados, reconhecemos que há ainda um vasto campo de oportunidades a ser explorado nos sistemas alimentares. A necessidade de expandir a discussão em torno de inovações, como as tecnologias disruptivas na produção de proteínas alternativas, é latente. Além disso, é crucial examinar mais profundamente os impactos ambientais e sociais da produção de alimentos de origem animal. Esses temas são elementos-chave de um espectro mais amplo que abrange mudanças nas dietas, práticas rurais sustentáveis como agroecologia, dentre outros. Detalhar e enriquecer o debate sobre todos os aspectos dos sistemas alimentares é fundamental para fomentar transformações significativas, rumo a um futuro mais sustentável e resiliente.

“A rápida evolução no debate sobre sistemas alimentares em organizações multilaterais é notável e incomum. Esse ano, tivemos um dia inteiro dedicado a esse tema, a formalização de um compromisso de líderes globais e a publicação de relatórios. Além disso, a inclusão desses sistemas no Global Stocktake é um marco importante e conquistado com muita dificuldade, embora pareça modesto para quem observa de fora. Apesar desses avanços, ainda é necessário acelerar nossos esforços, dada a urgência em aprimorar a sustentabilidade dos sistemas alimentares e de mitigar os impactos causados neles pela crise climática.” Gustavo Guadagnini, Presidente do GFI Brasil.

Próximos passos

Até a COP 29 no Azerbaijão em 2024, o GFI se empenhará em fortalecer a Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas (CGPA). Nossa meta inicial é engajar mais parceiros para criar um apelo amplo e persuasivo, tanto no âmbito popular quanto institucional, para promover o setor de proteínas alternativas como uma solução climática viável. Estaremos focados em iniciativas específicas, como grupos de trabalho temáticos e parcerias estratégicas, para assegurar que esta pauta receba a atenção necessária na próxima conferência.

Ao mesmo tempo, os olhos da comunidade global já pairam sobre a COP 30, que ocorrerá no Brasil. As expectativas são altas devido ao papel central do país no cenário climático global, um fruto de sua política externa atual, à importância simbólica da Amazônia e ao processo de revisão do acordo de Paris. Nesse último aspecto, o evento marcará a conclusão do processo de revisão das NDCs (as metas de cada país em relação à crise climática), tornando a COP 30 um marco crucial nas negociações climáticas. 

Esta conferência oferece uma plataforma inigualável para trazer questões críticas, como a sustentabilidade dos sistemas alimentares e a agropecuária, para o centro do debate. Isso aumenta a importância de a CGPA já estar estruturada e atuante. Encorajamos a todos a se unirem a nós nessa jornada rumo a um futuro mais sustentável e a participarem ativamente nas discussões que moldarão nossos sistemas alimentares – e nosso planeta – para as gerações futuras.

COP28: Brasil e mais 133 países assinam declaração inédita se comprometendo a produzir alimentos de forma mais sustentável

A declaração é a primeira do tipo a colocar os sistemas alimentares no centro do debate climático

Durante o evento “Transforming Food Systems in the Face of Climate Change” (Transformando os Sistemas Alimentares Face às Mudanças Climáticas, em tradução livre), que aconteceu hoje, dia 1/12, no segundo dia  da COP28, em Dubai, foi lançada a declaração dos Emirados Árabes Unidos sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, assinada por 134 países, incluindo o Brasil.

Segundo Gus Guadagnini, presidente do GFI Brasil que participou do painel, a declaração foi um passo importante para consolidar o tema dos sistemas alimentares como uma das prioridades globais no combate à emergência climática. “Estamos muito satisfeitos em ver que os governantes estão se comprometendo a apoiar mais esse tipo de solução. É nesse sentido que o GFI trabalha: trazer inovações escaláveis para que as pessoas possam manter seus hábitos e tradições alimentares, ao mesmo tempo em que consomem um alimento mais sustentável, que não demanda tantos recursos como água e terra para serem produzidos, nem agridem o meio ambiente com a emissão de gases poluentes.”, comemorou Guadagnini. 

Segundo Andy Jarvis, Diretor do Future of Food (Bezos Earth Found), é a primeira vez em uma COP que os sistemas alimentares têm esse nível de visibilidade. “Essa declaração endossa isso e, agora, nós precisamos que as nações não apenas assinem, mas que sejam corajosas e audaciosas nas suas ações daqui para frente.”, afirmou Jarvis. 

Em 2023, a Ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, elevou os compromissos das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) brasileiras para uma redução de 48% de emissões até 2025 e de 53% até 2030. Os sete setores contemplados pelas NDCs nacionais incluem energia, mobilidade urbana, florestas, biocombustíveis, resíduos sólidos, iluminação pública e transportes, mas não mencionam diretamente a agricultura, ou os sistemas alimentares, por exemplo. “A declaração assinada hoje pelo Brasil na COP28 traz entusiasmo pela possibilidade de que os sistemas alimentares sejam uma pauta priorizada pelo governo brasileiro no caminho até a COP30, que acontece em 2025 em Belém, no Pará”, disse Guadagnini.

No evento, Bill Gates anunciou uma parceria junto dos Emirados Árabes para investir USD 200 milhões de dólares em inovações para os sistemas alimentares e anunciou ainda mais investimentos através do AIM for Climate, iniciativa dos governos dos Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos, para financiar soluções escaláveis para o setor. Também participaram lideranças como Mariam Almheiri, Ministra do Meio Ambiente dos Emirados Árabes, Antoine de Saint-Affrique, CEO da Danone, Joko Widodo, Presidente da Indonésia, Giorgia Meloni, Primeira Ministra da Itália, Naomi Mata’afa, Primeira Ministra da Samoa, Anthony John Blinken, Secretário de Estado dos EUA, Dr. Ismahane Elouafi, Diretora Executiva do Consortuim of Internacional Agricultural Research Centers (CGIAR), Roberto S. Waack, Presidente do Instituto Arapyau, Dr. Qu Dongyum, Diretor Geral da FAO (ONU), e Razan Al Mubarak, da UN Climate Change High Level Champion.

Durante as discussões, Antoine de Saint-Affrique reforçou a importância do setor privado em favor do desenvolvimento de soluções climáticas para os sistemas alimentares, destacando a necessidade de ganho de escala para novas tecnologias e de aumento de financiamento do setor. Além disso, Roberto S. Waack citou também a filantropia como agente catalisador da mudança e destacou a relevância da liberdade de ação. O Presidente da Indonésia abordou a necessidade de transferência de tecnologia de ponta para os países que mais precisam, enquanto a Primeira Ministra da Itália reforçou os compromissos italianos com o clima e mencionou que o país apoia iniciativas do tipo na África, mas reforçou que o continente não precisa apenas de caridade e, sim, de espaço para competir com igualdade no cenário global. A Primeira Ministra da Samoa mencionou a importância da integração digital no campo e o Secretário de Estado dos EUA endossou que a declaração será um marco histórico, lembrando os desastres ambientais deste ano, destacando que, por trás das estatísicas, estão pessoas reais sofrendo com a emergência climática.

Confira a declaração traduzida na íntegra:

Nós, Chefes de Estado e de Governo:

Reconhecendo que os impactos climáticos adversos e sem precedentes ameaçam cada vez mais a resiliência da agricultura e dos sistemas alimentares, bem como a capacidade de muitos, especialmente os mais vulneráveis, de produzir e ter acesso a alimentos face ao aumento da fome, da subnutrição e das tensões economicas; Reconhecendo o profundo potencial da agricultura e dos sistemas alimentares para impulsionar respostas poderosas e inovadoras às mudanças climáticas e possibilitar a prosperidade partilhada para todos; Sublinhando a necessidade de concretizar progressivamente o direito à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional, bem como a necessidade de garantir o acesso a alimentos seguros, suficientes, acessíveis e nutritivos para todos; Observando que a agricultura e os sistemas alimentares são fundamentais para a vida e a subsistência de milhares de milhões de pessoas, incluindo pequenos agricultores, agricultores familiares, pescadores e outros produtores e trabalhadores do setor de alimentos; Observando o papel essencial da cooperação internacional e multilateral, incluindo a cooperação Sul-Sul e Triangular, as instituições financeiras e de financiamento, o comércio e as organizações não-governamentais na resposta às mudanças climáticas; Reafirmando os nossos respectivos compromissos, coletivos e individuais, com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e o Acordo de Paris, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica e o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, a Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação, e o Trabalho Conjunto de Sharm El Sheikh sobre a implementação da ação climática na agricultura e na segurança alimentar; considerando tabém a Cúpula da ONU  para os Sistemas Alimentares; Recordando também a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas e o Acordo de Paris, reconhecendo que são os principais fóruns internacionais e intergovernamentais para a negociação da resposta global às mudanças climáticas; Recordando as conclusões das recentes avaliações do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), considerando o Relatório de Síntese dos diálogos técnicos acerca do Primeiro Balanço Global (GST); Salientamos que qualquer caminho para alcançar plenamente os objetivos a longo prazo do Acordo de Paris deve incluir a agricultura e os sistemas alimentares. Afirmamos que a agricultura e os sistemas alimentares devem urgentemente adaptar-se e transformar-se para responder aos imperativos das mudanças climáticas.

Declaramos a nossa intenção de trabalhar de forma colaborativa e eficiente para conquistar os seguintes objetivos:

1. Escalar as atividades e respostas de adaptação e resiliência, a fim de reduzir a vulnerabilidade de todos os agricultores, pescadores e outros produtores de alimentos aos impactos das mudanças climáticas, nomeadamente através de apoio financeiro e técnico para soluções, capacitação, infraestruturas e inovações, incluindo sistemas de alerta precoces, que promovam a segurança alimentar, a produção e a nutrição sustentáveis, ao mesmo tempo que conservam, protegem e restauram a natureza.

2. Promover a segurança alimentar e nutricional, aumentando os esforços para apoiar as pessoas vulneráveis através de abordagens como sistemas de proteção social e redes de segurança, alimentação escolar e alimentação pública, programas de aquisição, pesquisa e inovação direcionados e centrados nas necessidades específicas das mulheres, crianças e jovens, povos indígenas, pequenos agricultores, agricultores familiares, comunidades locais e pessoas com deficiência, entre outros;

3. Apoiar os trabalhadores dos sistemas agrícolas e alimentares, incluindo as mulheres e os jovens, cujos meios de subsistência estão ameaçados pelas mudanças climáticas, para manterem um trabalho inclusivo e digno, através de abordagens adequadas ao contexto, que podem incluir o aumento, a adaptação e a diversificação dos rendimentos;

4. Reforçar a gestão integrada da água na agricultura e nos sistemas alimentares a todos os níveis para garantir a sustentabilidade e reduzir os impactos adversos nas comunidades que dependem destes recursos inter-relacionados;

5. Maximizar os benefícios climáticos e ambientais – ao mesmo tempo  contendo e reduzindo os impactos negativos – associados à agricultura e aos sistemas alimentares, conservando, protegendo e restaurando a terra e os ecossistemas naturais, melhorando a saúde do solo e a biodiversidade, e mudando de práticas com maior emissão de gases de efeito estufa para práticas com menoses emissões, abordagens de produção e consumo mais sustentáveis, nomeadamente através da redução da perda e do desperdício de alimentos e da promoção de alimentos aquáticos azuis sustentáveis;

Para alcançar estes objetivos – de acordo com as nossas próprias circunstâncias nacionais – comprometemo-nos a acelerar a integração da agricultura e dos sistemas alimentares na nossa ação climática e, simultaneamente, a integrar a ação climática nas nossas agendas políticas e ações relacionadas com a agricultura e os sistemas alimentares. No cumprimento deste compromisso, até 2025 pretendemos reforçar os nossos esforços respectivos e compartilhados para:

1. Buscar um engajamento amplo, transparente e inclusivo, conforme apropriado nos nossos contextos nacionais, para integrar a agricultura e os sistemas alimentares nos Planos Nacionais de Adaptação, Contribuições Nacionalmente Determinadas, Estratégias de Longo Prazo, Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação, e outras estratégias relacionadas antes da convocação da COP30.

2. Revisar ou orientar as políticas e o apoio público relacionados com a agricultura e os sistemas alimentares para promover atividades que aumentem a renda, reduzam as emissões de gases de efeito de estufa e reforcem a resiliência, a produtividade, os meios de subsistência, a nutrição, a eficiência hídrica e a saúde humana, animal e dos ecossistemas, reduzindo simultaneamente a perda de alimentos e resíduos, e perda e degradação de ecossistemas.

3. Continuar ampliando e melhorandoo acesso a todas as formas de financiamento dos setores público, filantrópico e privado – inclusive através de instrumentos mistos, parcerias público-privadas e outros esforços alinhados – para adaptar e transformar a agricultura e os sistemas alimentares em resposta às mudanças climáticas.

4. Acelerar e ampliar a ciência e as inovações baseadas em evidências – incluindo o conhecimento local e indígena – que aumentam a produtividade e a produção sustentáveis na agricultura e outros campos emergentes relacionados, promovem a resiliência dos ecossistemas e melhoram os meios de subsistência, inclusive para comunidades rurais, pequenos agricultores, agricultores familiares e outros produtores.

5. Reforçar o sistema e normasmultilaterais do comércio, não discriminatório, aberto, justo, inclusivo, equitativo e transparente, tendo a Organização Mundial do Comércio emseu núcleo. Faltando sete anos para atingirmos os nossos objetivos comuns, pretendemos reforçar a colaboração entre os nossos respectivos ministérios – incluindo agricultura, clima, energia, meio ambiente, finanças e saúde – e com diversas partes interessadas para alcançar os objetivos e esforços articulados nesta Declaração, e conforme apropriado dentro dos nossos contextos nacionais.

Pretendemos aproveitar os encontros regionais e globais relevantes no tema, a fim de partilhar experiências e acelerar ações nacionais e colaborativas. Analisaremos o nosso progresso coletivo no próximo ano na COP29 visando considerar os próximos passos em 2025 e além.

COP28: Sistemas alimentares devem estar no centro do debate climático

GFI apresentará Coalização Global pelas proteínas alternativas

O The Good Food Institute (GFI) vai participar da COP 28, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) que acontece em Dubai, dos dias 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023. O GFI estará presente para debater com lideranças do mundo todo estratégias para diminuir o impacto dos sistemas alimentares no agravamento da crise climática, apresentando as proteínas alternativas como solução viável para esse desafio. 

Ao todo, a organização estará presente em pelo menos 40 eventos, seja como palestrante, moderadora, co-organizadora ou ouvinte. Entre os especialistas do GFI que participarão da programação estão o presidente global do GFI, Bruce Friedrich, o presidente do GFI Brasil, Gustavo Guadagnini, além de representantes da organização na Ásia e nos Estados Unidos. 

O GFI pretende, ainda, apresentar durante as duas semanas de conferência a proposta de uma Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas, a fim de unir esforços de governos, empresas, organizações, academia e outros setores da sociedade na criação de ações para fortalecer as proteínas alternativas como estratégia para mitigar os efeitos da crise ambiental na agricultura e reduzir os atuais impactos dos sistemas alimentares no clima. 

Proteínas alternativas devem ser incorporadas ao setor de alimentos como uma das soluções para a crise do clima. Entenda o por quê:

Desde a COP21 em 2015, as COPs têm se debruçado sobre como implementar o Acordo de Paris, que possui três objetivos principais: manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C e reunir esforços para limitar o aumento a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais; adaptar-se às mudanças climáticas e criar resiliência; e alinhar os fluxos financeiros com um caminho rumo a baixas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e um desenvolvimento resiliente ao clima.

A produção de alimentos é a principal responsável pela emissão de GEE (34%) e a produção de proteína animal, sozinha, gera metade desse valor. Embora a pecuária ocupe 77% das terras agrícolas do mundo, a carne animal fornece apenas 18% do suprimento alimentar da humanidade e 37% das proteínas na dieta humana.

Por isso, as proteínas alternativas são uma opção mais sustentável. A sua adoção é capaz de oferecer de 14% a 20% da mitigação de emissões que o planeta precisa até 2050. Além disso, segundo relatório do Boston Consulting Group, se as proteínas à base de plantas (plant-based) e as carnes cultivadas representarem 11% de todo o consumo de proteínas até 2035, é possível reduzir 0,85 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e) em todo o mundo até 2030, o que equivale à descarbonização de praticamente toda a aviação civil.

Apesar da relevância, o papel do setor de alimentos na emergência climática só foi apresentado pela primeira vez na COP 27, que aconteceu ano passado, no Egito. A edição contou com o Food System Pavilion, trabalho articulado de uma coalizão de 9 organizações, entre elas o GFI, com o objetivo de levantar essa pauta no lugar mais importante de negociações internacionais sobre o clima.

Boa parte dos eventos em Dubai serão transmitidos online. Para acompanhar, basta acessar a agenda oficial do evento ou o Instagram do GFI Brasil. Confira a nossa programação:

Domingo, 3 de dezembro

UNFCCC official Side event – Unleashing the Power of Alternative Proteins for Climate Resilience and Food Security

Horário: 15:00-16:30 UAE (9:00-9:30 BRT)

Local: Room 9

Moderador: Gustavo Guadadnini, presidente do GFI Brasil

Palestrantes: Vinod Kumar, diretor administrativo da String Bio; Alessandro Cruvinel, Diretor de Inovação do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil; Tasneem Karodia, Cofundador e COO da Newform Foods; Kafilat Oyebola, Cofundadora da VeggieVictory

Link da transmissão do evento: https://www.youtube.com/watch?v=Q3kOrf_PTzw

Terça, 5 de dezembro

Shining a light on and scaling climate solutions

Horário: 10:30-11:15 UAE (3:30-4:15 BRT)

Local: Climate Action Innovation Zone

Endereço: Madinat Jumeirah – King Salman Bin Abdulaziz Al Saud St – Al Sufouh 1 – Dubai – United Arab Emirates

Palestrantes: Mariana Bernal, analista de políticas públicas do GFI Brasil; Joshua Amponsem, codiretor da Youth Climate Justice Fund; Tessa Ferry, Líder da Race to Zero; Johan Falk, CEO da Exponential Roadmap Initiative; Kaya Axelsson, diretora de políticas públicas da Oxford Net Zero; Ragy Ramadan, fundador e CEO da NoorNation

Quarta, 6 de dezembro

The Food Systems Transition and its Implications for the Environment, Consumption and Public Health (evento em Português)

Horário: 9:00-10:15 UAE (2:00-3:15 BRT)

Local: Brazil Pavilion, Blue Zone

Evento co-organizado pelo GFI: A transição dos sistemas alimentares e suas implicações para o meio ambiente, consumo e saúde pública

Moderador: Maurício Alcântara, Cofundador do Instituto Regenera

Palestrantes: Juliana Tângari, Diretora do Instituto Comida do Amanhã; Puyr Tembé, Secretária de povos Indígenas do Estado do Pará; Raquel Santiago, Professora Associada da Universidade Federal de Goiás e Coordenadora do Hub Latino-americano de Saúde Planetária; Laura Lamonica, Gerente Executiva na Coalizão Brasil.

Link da transmissão do evento: https://apexbrasil.com.br/content/apexcop/br/pt/home/agenda.html

Domingo, 10 de dezembro

Unlocking the agri-food system transformation: Aligning regenerative farming with sustainable food choices

Horário: 11:15-12:00 UAE (4:15-5:00 BRT)

Local: Food4Climate Pavilion

Palestrante: Presidente do GFI Brasil, Gus Guadagnini; outros ainda a confirmar

Domingo, 10 de dezembro

Sustainable Snacking for Future Champions

Horário: 15:05-15:55 UAE (8:05-8:55 BRT)

Local: Children and Youth Pavilion

Palestrantes: Mariana Bernal, Analista de Políticas Públicas do GFI Brasil; Sara Merhi, membro do conselho da ProVeg Youth; Perran Harvey, líder de política global da Upfield; Juliette Tronchon, especialista em políticas públicas da ProVeg International; Nanine Wyma, diretora da PAN International (não confirmada); Xananine Calvillo, membro da Stop Financing Factory Farming

Esforço do Sul Global para cumprir metas do Acordo de Paris é maior, mas ciência precisa ser desenvolvida localmente

Gustavo Guadagnini (*)

As mudanças que afetam o clima estão acontecendo muito mais rápido do que o previsto e são sentidas em todo o planeta, mas não com a mesma intensidade. Os efeitos do aquecimento global atingem, sobretudo, as economias mais pobres, que possuem menos recursos para responder à crise climática. 

Por isso, um dos temas centrais nas negociações para mitigar os seus efeitos é o financiamento climático, mais precisamente o cumprimento do acordo firmado em 2015, durante a COP21, em que os países mais ricos prometeram destinar US$ 100 bilhões por ano para que os países em desenvolvimento criem medidas de enfrentamento e adaptação. 

Na prática, isso implica em reconhecer a capacidade que o Sul Global tem de criar inovações e soluções tecnológicas para cumprir com o Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC até 2030. 

Segundo o Programa de Desenvolvimento da ONU (PNUD), os países em desenvolvimento, inclusive os mais vulneráveis, são os que mais têm se esforçado na elaboração e aplicação das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que são metas de curto a médio prazo para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE). A maioria tem apresentado metas de mitigação e adaptação cada vez mais ambiciosas, com soluções integradas que envolvem economia circular, gestão de recursos hídricos, implementação do mercado de carbono e envolvimento do setor privado. 

Os compromissos dos países africanos, por exemplo, são mais robustos do que a média global, com metas mais fortes em relação à resiliência climática, aumento nos esforços de transparência das ações e adoção de tendências emergentes, como os conceitos de “empregos verdes” e “transição justa”

Já as NDCs apresentadas pelos países da América Latina e do Caribe apresentam níveis mais elevados de envolvimento e inclusão de grupos marginalizados (como mulheres, jovens, povos indígenas e idosos) nas tomadas de decisões, tornando o processo das NDCs mais transparente e garantindo que seus resultados beneficiem os mais vulneráveis.

Sul Global será mais afetado pela crise climática mesmo não sendo responsável pela maior parte das emissões de GEE

Os países do Sul Global, frequentemente chamados de Maioria Global, somam cerca de 85% da população mundial e concentram apenas 39% do PIB do planeta. Ou seja, por mais que se esforcem, a maioria desses países expressam enormes necessidades de apoio financeiro externo e de transferência de tecnologia para conseguirem alcançar suas metas. 

De acordo com a agência de classificação de risco S&P Global, os efeitos da crise climática podem causar a perda de 4% da produção econômica global até 2050, mas os países emergentes deverão ter perdas no Produto Interno Bruto (PIB) 3,6 vezes maior em relação às nações mais ricas. Um cenário que demonstra a importância da justiça climática, uma vez que, embora não sejam os maiores responsáveis pelo agravamento da crise climática, acabam pagando um preço muito maior por seus efeitos.

Qual é o papel do Sul Global no setor de proteínas alternativas?

Apesar de todas as desvantagens, é enorme o potencial dos países do Sul Global ganharem espaço e protagonizar as mudanças mais relevantes e consistentes em direção a uma economia mais sustentável, especialmente as maiores economias como China, Índia, África do Sul e Brasil, atual líder do G20 e sede da COP30, em 2025. 

Essas regiões possuem capacidade produtiva, biodiversidade, massa crítica e todo o potencial para desenvolver essas tecnologias localmente. Importá-las significa que, além de já sofrerem com os efeitos de uma crise global, motivada sobretudo pelo padrão de consumo das grandes potências, essas nações ainda precisam comprar tecnologia, que é exatamente o que tem impossibilitado a aplicação de suas NDCs.

Um exemplo disso é a indústria de proteínas alternativas. De acordo com uma pesquisa do The Good Food Institute com a indústria brasileira em 2020, 85% das empresas locais ainda usam a ervilha, que é um ingrediente desenvolvido em países do norte, como principal fonte de proteína para seus produtos plant-based. Essa proteína recebeu muitos investimentos em pesquisa e, por isso, suas funcionalidades são excelentes para a indústria. 

Assim, os países do Sul se tornam importadores, pagam mais caro na matéria prima e acabam oferecendo alimentos mais caros nas prateleiras para o consumidor. É por isso que o GFI financia pesquisas em feijões brasileiros e relacionadas à biodiversidade da Amazônia e do Cerrado, com o objetivo de criar ingredientes locais e sustentáveis que, além de serem mais baratos por serem produzidos aqui, vão gerar impacto social positivo para as comunidades produtoras. 

O debate sobre o Sul Global envolve protagonismo, e todos os fatores indicam que essa região é altamente relevante no contexto das proteínas alternativas, dado o potencial dessas soluções para superar os desafios enfrentados por essas zonas com necessidades únicas e diversas. 

É necessário abordar proteínas alternativas com uma compreensão sensível dos variados contextos locais, promoção da inclusão e fomento da colaboração para uma transformação positiva em direção à segurança alimentar e nutricional, no desenvolvimento econômico, na diversidade alimentar e na sustentabilidade.

(*) Gustavo Guadagnini é presidente do The Good Institute Brasil

Conheça e invista nos projetos apoiados pelo Programa Biomas 

A primeira edição do Programa Biomas, que financiou pesquisas voltadas a transformar espécies nativas da Amazônia e do Cerrado em ingredientes para o mercado plant-based, foi finalizada! O programa foi coordenado pelo The Good Food Institute Brasil com aporte financeiro da Fundação Climate and Land Use Alliance (CLUA). Como o objetivo é que os resultados das pesquisas se transformem em oportunidades de negócios, o GFI Brasil realizou um Pitch Day para apresentar os resultados dos projetos a empresas e stakeholders interessados.

 

Agora, disponibilizamos os vídeos e os portfólios que produzimos dos projetos, assim como seus resumos e o Pitch Day na íntegra. Se você ou sua instituição se interessou por alguma pesquisa e gostaria de apoiar e investir na continuidade do projeto, entre em contato com a nossa equipe pelo e-mail ciencia@gfi.org.

Full Baru: novos ingredientes para o mercado plant-based / Dra. Mariana Egea – IFGoiano 

O Full Baru nasceu da ideia de aproveitar integralmente os subprodutos da cadeia de processamento de baru, com a finalidade de aumentar o valor agregado das matérias-primas e trazer possibilidades não-sazonais aos beneficiadores do fruto. A partir dos subprodutos do baru foram desenvolvidos um hidrolisado proteíco, um ingrediente fibroso modificado e um pigmento vermelho microbiano.

 

A tecnologia desenvolvida para a produção do hidrolisado proteico requer baixa temperatura e controle de pH. O ingrediente final seco apresentou altos teores de proteína, alta absorção de água e óleo, além de formação de emulsão e espuma, demonstrando capacidade de aplicação em produtos análogos de carne mesmo em baixas concentrações. Este ingrediente pode substituir a proteína de ervilha, que é dependente de importação, e proteína de soja, que é um ingrediente alergênico.

 

A fibra hidrolisada foi produzida a partir de uma matéria-prima que originalmente iria ser descartada. Ela demonstrou um importante perfil de fibra dietética, capacidade de formar e estabilizar emulsão e alta estabilidade térmica.

 

Por fim, o pigmento microbiano vermelho que desenvolvemos pode ser um avanço na indústria de corantes, visto que o Vermelho 40 pode demonstrar toxicidade e o vermelho de carmim tem limitações na aplicação em virtude da sua baixa estabilidade térmica. Nós produzimos um pigmento por condições controladas e ajustadas, com um espectro de cores variável de amarelo a laranja (dependendo das condições de cultivo) que é estável a pH de 4 a 8 e a altas temperaturas e que possui potencial como ingrediente antioxidante.

 

MacaúbaINfoods: a solução viável, sustentável e nacional para novos produtos plant-based / Dr. Acácio Antonio Ferreira Zielinsk – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

O projeto MacaúbaINfoods avaliou o potencial uso das tortas (resíduos da extração do óleo) resultantes do processamento da polpa e da amêndoa de macaúba no desenvolvimento de ingredientes e produtos plant-based. A macaúba apresenta interesse industrial pela sua alta produtividade de óleo e seu potencial uso como biodiesel, além de aplicações farmacêuticas. O cultivo dessa espécie vem sendo incentivado principalmente no estado de Minas Gerais, onde as palmeiras são plantadas em sistemas consorciados com lavouras, visando melhorar a renda de produtores e atuar no sequestro de carbono e na regeneração do solo.

 

Com os resultados, foi proposto um processo visando o total aproveitamento dos subprodutos da macaúba por meio de extrações sequenciais e integradas usando fluidos à alta pressão, que podem ser consideradas sustentáveis e ambientalmente amigáveis devido ao menor tempo de processo e consumo de solventes. Por meio dessa abordagem, foram obtidos 4 ingredientes a partir da torta da polpa (ácidos graxos, corante natural com bioatividade, polissacarídeos e fibras) e 4 ingredientes a partir da torta da amêndoa (ácidos graxos, corante natural com bioatividade, proteína e fibras). Tais ingredientes apresentaram alto potencial de aplicação em produtos plant-based, especialmente em um análogo ao nugget.

 

A principal vantagem do processo proposto está na etapa de recuperação da fração proteica a partir da torta da amêndoa da macaúba, que foi realizada à 60 °C utilizando água como solvente, à pressão de 10 MPa e em 15 minutos. Esse processo apresentou eficiência de recuperação proteica de 19% e concentração de proteína próximo à 90%. A literatura reporta eficiência de 12% em um processo que resulta em um ingrediente proteico a partir da amêndoa da macaúba com 94% de proteína em um tempo de processo muito maior (de 1 hora).

Além disso, a solubilidade dessa fração proteica obtida, acima de 70%, é superior à proteína vegetal comercial da ervilha, que apresenta valores inferiores a 20%, e da soja, entre 15 e 60%. Essa fração apresentou capacidade de absorção de água similar à proteínas de cereais e capacidade elevada de absorção de óleo, superior à capacidade da proteínas comerciais como a de soja e ervilha. Estas características são interessantes para aplicação em produtos como hambúrgueres e nuggets.

 

Com relação às características nutricionais, a proteína proveniente da amêndoa da macaúba atendeu quase que totalmente ao padrão de aminoácidos (AA) essenciais requeridos por grama de proteína, apresentando escores abaixo do exigido apenas para isoleucina e leucina. Portanto, o ingrediente proteico obtido pode suprir inteiramente os AAs sulfurosos (Met + Cys) e AA aromáticos (Phe + Tyr), que geralmente são aminoácidos limitantes em leguminosas como feijão, soja e ervilha; além de suprir o padrão de exigência de lisina (Lys), o aminoácido limitante na maioria das proteínas de cereais.

 

Ingrediente rico em fibras, obtido de amêndoa de babaçu / Nedio Jair Wurlitzer – Embrapa Agroindústria Tropical

O projeto buscou avaliar como utilizar o resíduo de processamento de amêndoa de babaçu para desenvolver um ingrediente rico em fibras para ser usado em produtos plant-based. Foram determinadas as condições de processamento e também a composição química e estabilidade durante a estocagem, além da aplicação do ingrediente em formulações de produtos plant-based como análogos de hambúrguer e mortadela.

 

O ingrediente apresentou em sua composição 42,7% de fibra alimentar e, quando aplicado em formulações de produtos, permite que sua rotulagem indique “alto conteúdo” de fibra alimentar, considerando os requisitos da Legislação de rotulagem nutricional. O ingrediente também demonstrou alta capacidade de retenção de água, similar às fibras de bambu ou de pedúnculo de caju, propriedade que se reflete no rendimento das formulações.

 

Além dos requisitos técnicos, o ingrediente de amêndoa de babaçu, rico em fibras, também atende a requisitos de sustentabilidade social (agroindústrias de quebradeiras de coco), ambiental (extrativismo controlado) e regional/nativo (Região Amazônica).


Uso de subproduto do baru para a obtenção de proteína vegetal texturizada / Dra. Ana Paula Rebellato - UNICAMP

Desenvolver uma proteína vegetal texturizada com a incorporação de subproduto de baru é de total relevância para a obtenção de um ingrediente com matéria-prima nacional e propriedades tecno-funcionais. O baru é um fruto do Cerrado brasileiro, de cor acastanhada e semente única. A sua amêndoa contém lipídios, proteínas de boa digestibilidade e adequado perfil de aminoácidos essenciais, além de fibras, minerais e compostos bioativos. A extração do seu óleo tem sido realizada comercialmente. Contudo, durante a prensagem, é gerado um subproduto parcialmente desengordurado (torta), o qual é subutilizado. Este subproduto pode carregar parte dos macro e micronutrientes presentes na amêndoa.

 

O projeto estudou a incorporação do subproduto do baru na obtenção de proteína vegetal texturizada através do processo de extrusão termoplástica. Foram analisadas as características tecnológicas dos extrusados com baru, soja e glúten. Além disso, foi avaliada a aplicação das proteínas texturizadas na obtenção de hambúrgueres plant-based

Para isso, foram preparados blends com diferentes proporções de concentrado proteico de soja (CPS), farinha desengordurada de baru (FDB) e glúten vital (GV) e um controle (somente CPS e GV). Os índices de expansão (IE) e de absorção de água (IAA), e a capacidade de hidratação (CH) foram superiores na proteína texturizada com baru, enquanto que a liberação de finos foi similar entre as diferentes amostras extrusadas. 

 

Em seguida, as proteínas texturizadas selecionadas foram empregadas na obtenção dos hambúrgueres plant-based, que foram preparados com poucos ingredientes a fim de ressaltar a percepção dos ingredientes estudados. Os hambúrgueres com proteína texturizada com baru apresentaram cor similar ao produto de origem animal, além de mascarar o sabor característico da soja, perceptível no hambúrguer controle.

 

Os resultados também demonstraram que foi possível obter hambúrguer vegetal a partir da proteína texturizada com diferentes proporções de baru com características tecnológicas semelhantes ao hambúrguer controle. Estudos futuros poderão ser conduzidos quanto à aplicação das proteínas texturizadas obtidas com diferentes proporções de baru na obtenção de novos produtos, como carne moída, linguiça, almôndegas, entre outros.


Tecnologia para obtenção de fibras das cascas do cupuaçu e do guaraná / Professora Dra. Luiza Helena Meller da Silva - Universidade Federal do Pará

A valorização integral de matérias-primas da biodiversidade brasileira no desenvolvimento de novos produtos contribui para o aumento da renda, para a redução do impacto ambiental e disponibilidade de novos materiais com alto valor agregado. A tecnologia adotada para a purificação e modificação de fibras apresentou-se como simples: maceração com bicarbonato de sódio para as cascas de cupuaçu, e com ácido cítrico para as cascas de guaraná.

 

Os efluentes da produção das fibras de cupuaçu têm perspectivas para a elaboração de pigmentos, enquanto os efluentes da produção de fibras de guaraná resultam em biopartículas obtidas por secagem por refractance window. Os processos estudados se adequam ao conceito de tecnologias limpas, compatíveis com a realidade tecnológica das comunidades produtoras, de fácil assimilação, para que as mesmas sejam beneficiadas com o desenvolvimento dos novos ingredientes. 

 

As fibras modificadas obtidas das cascas de cupuaçu e guaraná foram testadas em formulações de hambúrgueres e nuggets vegetais, chegando a atingir de 10 a 15% de fibras nas formulações, sem comprometer o sabor, além de contribuir para a textura. Esta propriedade torna as formulações flexíveis para a inclusão de proteínas vegetais. A tecnologia estudada pela primeira vez poderá ser facilmente adequada a outros materiais residuais, como por exemplo as cascas de cacau, gerando produtos da valorização integral de matérias-primas da biodiversidade brasileira.


Estudo e Aplicação da Extração Supercrítica da Castanha-do-Brasil em Formulações Proteicas de Hambúrgueres / Dr. Raul Nunes de Carvalho Junior - Universidade Federal do Pará

A demanda por produtos análogos aos de origem animal deu origem a busca por ingredientes proteicos de base vegetal destinados à indústria de alimentos, como a Castanha-do-Brasil, uma matéria prima de grande relevância para a Amazônia. O desenvolvimento de um produto com essas características representa uma nova possibilidade de verticalização da cadeia produtiva da castanha-do-Brasil, geração de empregos e renda, estando de acordo com a bioeconomia da Amazônia.

 

O uso da tecnologia supercrítica agrega valor a esta espécie e estimula a preservação do meio ambiente, visto que não se utilizam solventes tóxicos e não há geração de resíduos.

 

Um dos dois produtos gerados a partir do estudo das melhores condições operacionais de extração com fluido supercrítico foi a farinha proteica de castanha, que apresentou baixo teor lipídico e aproximadamente 50% de proteínas, além de compostos fenólicos e atividade antioxidante. A análise das propriedades funcionais da farinha indicou que o processo de extração causou um impacto positivo sobre essas características e que pode ser usada tanto como produto final, quanto na formulação de outros produtos, como o hambúrguer plant-based.

 

Os hambúrgueres foram desenvolvidos a partir de três formulações distintas, moldados, congelados e em seguida assados em forno prontos para consumo, simulando a forma como os produtos à base de plantas são apresentados no mercado. Ainda que mais estudos sejam necessários para melhorar as características dos produtos, os resultados indicaram que possuem potencial para elaboração de hambúrgueres destinados ao mercado plant-based.

Quer saber mais sobre os projetos?

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Conheça a Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas!

Na COP 28, que acontece em Dubai entre novembro e dezembro de 2023, o The Good Food Institute quer ampliar a exposição do setor de proteínas alternativas como parte da solução para a crise climática. Para isso, criamos a Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas, uma iniciativa voluntária comprometida em mitigar os efeitos da crise ambiental na agricultura e reduzir os atuais impactos dos sistemas alimentares no clima.

Nós precisamos reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera até 2030: essa meta é ambiciosa, mas possível, se transformarmos o setor responsável pela maior parte das emissões — o dos sistemas alimentares. Com as proteínas alternativas, podemos produzir alimentos de forma mais eficiente e destinar os recursos disponíveis para alimentar diretamente as pessoas. E, mais que um novo mercado, esse setor propõe um olhar crítico e um senso de urgência sobre a realidade: a agroindústria não deixará de produzir alimentos de origem animal e as pessoas não deixarão de consumi-los no tempo necessário. Ao contrário de dietas que eliminam carne, ovos, leite e seus derivados, as tecnologias envolvidas na produção de alimentos feitos de plantas, de carne cultivada e obtidos por fermentação não lutam contra o desejo e os hábitos culturais e alimentares das pessoas e, ao lado de iniciativas como agricultura regenerativa, agroflorestas e bioeconomia, são a melhor chance de sobrevivência da humanidade.

Entenda aqui o que a nossa comida tem a ver com a crise do clima e porque as proteínas alternativas são parte da solução.

Faça parte dessa missão

Como um movimento não se faz sozinho, convidamos você a se juntar a nós na busca de soluções mais sustentáveis para alimentar 10 bilhões sem consumir o planeta. Apenas o trabalho coletivo e multissetorial é capaz de promover todas as mudanças necessárias e nossa coalizão existe para que o seu esforço e desejo de contribuir para um mundo melhor não sejam isolados, mas catalisem uma ação climática real com impacto global e sistêmico.

Ao fazer parte da Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas, que será lançada na COP 28, você e sua instituição se comprometem a um ou mais dos seguintes princípios da nossa carta de compromissos:

1 – Reconhecer o potencial das proteínas alternativas em mitigar os impactos da crise climática relacionados à redução das emissões dos gases de efeito estufa, à conservação da terra e dos recursos hídricos e à preservação da biodiversidade.

2 – Apoiar a pesquisa, o desenvolvimento e a comercialização de tecnologias e produtos à base de proteínas alternativas, garantindo que sejam atrativos, seguros, nutritivos e acessíveis a todos.

3 – Facilitar a colaboração entre os setores públicoe privado, instituições de pesquisa e sociedade civil para acelerar o crescimento e a adoção de proteínas alternativas, respeitando os sistemas e práticas agrícolas existentes.

4 – Incentivar políticas e investimentos que fomentem a inovação, impulsionem a demanda do mercado e criem um ambiente propício para o setor de proteínas alternativas.

5 – Participar de fóruns abertos de diálogo e de compartilhamento de conhecimento para enfrentar desafios, identificar oportunidades e promover as melhores práticas no setor de  proteínas alternativas.

6 – Monitorar e relatar o progresso e o impacto de nossos compromissos com a coalizão, contribuindo para um processo transparente e responsável que impulsione mudanças positivas.

7 – Promover ativamente o setor de proteínas alternativas por meio de esforços de comunicação, advocacy e educação, para aumentar a conscientização sobre os benefícios, a compreensão e a aceitação do público.

Acesse nosso site para participar da Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas e siga nosso Instagram para acompanhar nossos conteúdos!

Maior responsável pelas emissões de gases de efeito estufa, sistema alimentar deve ser foco na contenção da crise climática

Os próximos 6 anos definirão se a humanidade será capaz de cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em 1,5ºC.

Gustavo Guadagnini, Presidente do GFI Brasil.

Setembro de 2023 foi um mês marcado por eventos climáticos extremos: em apenas 12 dias, dez países foram assolados por tufões, inundações, tempestades, ondas de calor e ciclones. No hemisfério norte, recordes de temperatura foram registrados entre os meses de junho a agosto. O Brasil teve o inverno mais quente dos últimos 61 anos, com ciclones extratropicais no Rio Grande do Sul e 150 botos mortos no Amazônas, depois que o Lago de Tefé e o Baixo Solimões alcançaram os 40ºC. De acordo com o Observatório europeu Copérnicus, 2023 deve ser o ano mais quente da história. Catástrofes climáticas sempre ocorreram, mas, à medida que o nosso mundo aquece, esses eventos extremos – que antes contavam com anos, às vezes décadas de intervalo – estão se tornando cada vez mais frequentes e intensos.

A maioria dos países não possui estrutura para lidar com esses desastres e isso resulta em centenas de milhares de mortes, pessoas desabrigadas e refugiados climáticos pelo mundo. Os governos precisam se preparar para melhorar a capacidade de resposta frente a essas situações, mas é igualmente urgente que ações sejam tomadas não somente para se adaptar, mas também para mitigar os efeitos da crise climática. É por esse motivo que tratados e acordos internacionais sobre o clima passaram a existir: sem metas e compromissos a serem estabelecidos e cumpridos por todos os países, nenhuma ação isolada será suficiente para um impacto climático positivo. 

O Acordo de Paris foi assinado em 2015 com o objetivo principal de não permitir que o planeta aqueça além de 2Cº até o final do século 21 e representou uma grande mudança nas negociações sobre o clima, ao criar uma abordagem universal para alcançar objetivos coletivos com um mecanismo de monitoramento do progresso global. Cada país signatário auto definiu metas de curto a médio prazo para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), chamadas de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que devem ser atualizadas – para metas mais ambiciosas – a cada cinco anos a partir de 2020.

Coletivamente, as NDCs demonstram o quão perto ou longe o mundo está de atingir os objetivos climáticos. A primeira geração das NDC, que fez parte da adoção inicial do Acordo de Paris em 2015, refletiu uma redução agregada da meta de temperatura média global para 3,7ºC. Já a segunda geração, atualizada em 2020 para metas mais ambiciosas, reduziu esse valor para 2,7ºC, ainda insuficiente.

Brasil

A NDC brasileira de 2015 estabeleceu que o Brasil deveria reduzir suas emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030 em relação às emissões de 2005. Em 2021, essas metas foram ampliadas para 50% de redução até 2030 e, recentemente, a ministra Marina Silva elevou os compromissos brasileiros de redução de emissão para 48% até 2025 e para 53% até 2030. Os sete setores contemplados pela NDC nacional incluem energia, mobilidade urbana, florestas, biocombustíveis, resíduos sólidos, iluminação pública e transportes. Como é possível ver, os sistemas alimentares, mais especificamente a agropecuária, não aparecem como foco estratégico e o mesmo vale para muitos outros países. 

É um erro estratégico não colocar os sistemas alimentares no centro do debate climático

O atual sistema alimentar é responsável por 34% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e é preciso encontrar maneiras mais eficientes de produzir alimentos, principalmente as proteínas. Isso porque a produção de proteína animal, sozinha, gera mais da metade do total de emissões do sistema alimentar. Além disso, a pecuária ocupa 77% das terras agrícolas do mundo. Mesmo assim, a carne animal fornece apenas 18% do suprimento alimentar da humanidade e 37% das proteínas na dieta humana – o resto vem de alimentos vegetais. O setor agropecuário é, ainda, responsável por mais de 90% do consumo global de água, e 41% disso se destina à irrigação e crescimento de grãos para ração e pasto para bois, porcos e galinhas.

O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, elaborado pelos principais especialistas e cientistas do mundo e lançado em 2021, afirma que, mesmo se os combustíveis fósseis fossem eliminados da noite para o dia, as emissões do sistema alimentar por si só impediriam o cumprimento da meta do Acordo de Paris.  Por isso, diversificar a atividade agropecuária é uma solução de impacto excepcionalmente elevado para a crise climática global. Na prática, isso implica em liberar terras e recursos como a água para atividades altamente benéficas para o planeta e que também podem ser lucrativas para o agronegócio. Estamos falando de bioeconomia, agroflorestas e agricultura regenerativa, por exemplo. 

Um sistema de produção baseado nestas práticas é capaz de, em um mesmo espaço, alimentos diversos, insumos industriais, energia e reflorestamento. alimento, fibra, madeira e até mesmo energia, aumentando assim a produtividade. O impacto ambiental também é considerável. Segundo o EOS DATA ANALYTICS, este sistema pode reduzir de 20 a 30% as emissões de gases de efeito estufa e sequestrar em torno de 8 toneladas de CO2 por hectare a cada ano.

As proteínas alternativas também são uma das maiores apostas na mitigação da crise climática. Segundo relatório do Boston Consulting Group, se as proteínas à base de vegetais, cultivadas e obtidas por fermentação representarem 11% de todo o consumo de proteínas até 2035, podemos reduzir 0,85 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e) em todo o mundo até 2030, o que equivale à descarbonização de 95% da indústria da aviação. Além disso, qualquer mudança significativa na dieta global para mais proteínas alternativas produzirá um efeito de arrefecimento imediato no planeta, uma vez que a criação de animais é responsável por até 50% das emissões de metano, que tem um potencial de aquecimento muito maior do que o CO2 e uma vida atmosférica muito mais curta. Consequentemente, a redução dos níveis de metano na atmosfera não apenas evitaria um maior aquecimento, mas também traria um efeito de resfriamento à Terra.

Apesar de imprescindível, o debate dos sistemas alimentares foi trazido pela primeira vez em uma Conferência das Partes (COP) apenas em 2022, em espaços como o Food System Pavillion, co-organizado por 9 instituições, dentre elas o GFI. Neste ano, esperamos que as discussões voltadas à transformação do nosso sistema de produção de alimentos se intensifiquem durante as duas semanas da Conferência. Os problemas a serem enfrentados são diversos e estão postos, mas as soluções também. As nações que entenderem a importância dessa transição e investirem, agora, na pesquisa, inovação e comercialização de alimentos provenientes de mercados sustentáveis, vão se tornar as maiores na redução de emissões agrícolas.