COP28: Brasil e mais 133 países assinam declaração inédita se comprometendo a produzir alimentos de forma mais sustentável

A declaração é a primeira do tipo a colocar os sistemas alimentares no centro do debate climático

Durante o evento “Transforming Food Systems in the Face of Climate Change” (Transformando os Sistemas Alimentares Face às Mudanças Climáticas, em tradução livre), que aconteceu hoje, dia 1/12, no segundo dia  da COP28, em Dubai, foi lançada a declaração dos Emirados Árabes Unidos sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, assinada por 134 países, incluindo o Brasil.

Segundo Gus Guadagnini, presidente do GFI Brasil que participou do painel, a declaração foi um passo importante para consolidar o tema dos sistemas alimentares como uma das prioridades globais no combate à emergência climática. “Estamos muito satisfeitos em ver que os governantes estão se comprometendo a apoiar mais esse tipo de solução. É nesse sentido que o GFI trabalha: trazer inovações escaláveis para que as pessoas possam manter seus hábitos e tradições alimentares, ao mesmo tempo em que consomem um alimento mais sustentável, que não demanda tantos recursos como água e terra para serem produzidos, nem agridem o meio ambiente com a emissão de gases poluentes.”, comemorou Guadagnini. 

Segundo Andy Jarvis, Diretor do Future of Food (Bezos Earth Found), é a primeira vez em uma COP que os sistemas alimentares têm esse nível de visibilidade. “Essa declaração endossa isso e, agora, nós precisamos que as nações não apenas assinem, mas que sejam corajosas e audaciosas nas suas ações daqui para frente.”, afirmou Jarvis. 

Em 2023, a Ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, elevou os compromissos das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) brasileiras para uma redução de 48% de emissões até 2025 e de 53% até 2030. Os sete setores contemplados pelas NDCs nacionais incluem energia, mobilidade urbana, florestas, biocombustíveis, resíduos sólidos, iluminação pública e transportes, mas não mencionam diretamente a agricultura, ou os sistemas alimentares, por exemplo. “A declaração assinada hoje pelo Brasil na COP28 traz entusiasmo pela possibilidade de que os sistemas alimentares sejam uma pauta priorizada pelo governo brasileiro no caminho até a COP30, que acontece em 2025 em Belém, no Pará”, disse Guadagnini.

No evento, Bill Gates anunciou uma parceria junto dos Emirados Árabes para investir USD 200 milhões de dólares em inovações para os sistemas alimentares e anunciou ainda mais investimentos através do AIM for Climate, iniciativa dos governos dos Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos, para financiar soluções escaláveis para o setor. Também participaram lideranças como Mariam Almheiri, Ministra do Meio Ambiente dos Emirados Árabes, Antoine de Saint-Affrique, CEO da Danone, Joko Widodo, Presidente da Indonésia, Giorgia Meloni, Primeira Ministra da Itália, Naomi Mata’afa, Primeira Ministra da Samoa, Anthony John Blinken, Secretário de Estado dos EUA, Dr. Ismahane Elouafi, Diretora Executiva do Consortuim of Internacional Agricultural Research Centers (CGIAR), Roberto S. Waack, Presidente do Instituto Arapyau, Dr. Qu Dongyum, Diretor Geral da FAO (ONU), e Razan Al Mubarak, da UN Climate Change High Level Champion.

Durante as discussões, Antoine de Saint-Affrique reforçou a importância do setor privado em favor do desenvolvimento de soluções climáticas para os sistemas alimentares, destacando a necessidade de ganho de escala para novas tecnologias e de aumento de financiamento do setor. Além disso, Roberto S. Waack citou também a filantropia como agente catalisador da mudança e destacou a relevância da liberdade de ação. O Presidente da Indonésia abordou a necessidade de transferência de tecnologia de ponta para os países que mais precisam, enquanto a Primeira Ministra da Itália reforçou os compromissos italianos com o clima e mencionou que o país apoia iniciativas do tipo na África, mas reforçou que o continente não precisa apenas de caridade e, sim, de espaço para competir com igualdade no cenário global. A Primeira Ministra da Samoa mencionou a importância da integração digital no campo e o Secretário de Estado dos EUA endossou que a declaração será um marco histórico, lembrando os desastres ambientais deste ano, destacando que, por trás das estatísicas, estão pessoas reais sofrendo com a emergência climática.

Confira a declaração traduzida na íntegra:

Nós, Chefes de Estado e de Governo:

Reconhecendo que os impactos climáticos adversos e sem precedentes ameaçam cada vez mais a resiliência da agricultura e dos sistemas alimentares, bem como a capacidade de muitos, especialmente os mais vulneráveis, de produzir e ter acesso a alimentos face ao aumento da fome, da subnutrição e das tensões economicas; Reconhecendo o profundo potencial da agricultura e dos sistemas alimentares para impulsionar respostas poderosas e inovadoras às mudanças climáticas e possibilitar a prosperidade partilhada para todos; Sublinhando a necessidade de concretizar progressivamente o direito à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional, bem como a necessidade de garantir o acesso a alimentos seguros, suficientes, acessíveis e nutritivos para todos; Observando que a agricultura e os sistemas alimentares são fundamentais para a vida e a subsistência de milhares de milhões de pessoas, incluindo pequenos agricultores, agricultores familiares, pescadores e outros produtores e trabalhadores do setor de alimentos; Observando o papel essencial da cooperação internacional e multilateral, incluindo a cooperação Sul-Sul e Triangular, as instituições financeiras e de financiamento, o comércio e as organizações não-governamentais na resposta às mudanças climáticas; Reafirmando os nossos respectivos compromissos, coletivos e individuais, com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e o Acordo de Paris, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica e o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, a Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação, e o Trabalho Conjunto de Sharm El Sheikh sobre a implementação da ação climática na agricultura e na segurança alimentar; considerando tabém a Cúpula da ONU  para os Sistemas Alimentares; Recordando também a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas e o Acordo de Paris, reconhecendo que são os principais fóruns internacionais e intergovernamentais para a negociação da resposta global às mudanças climáticas; Recordando as conclusões das recentes avaliações do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), considerando o Relatório de Síntese dos diálogos técnicos acerca do Primeiro Balanço Global (GST); Salientamos que qualquer caminho para alcançar plenamente os objetivos a longo prazo do Acordo de Paris deve incluir a agricultura e os sistemas alimentares. Afirmamos que a agricultura e os sistemas alimentares devem urgentemente adaptar-se e transformar-se para responder aos imperativos das mudanças climáticas.

Declaramos a nossa intenção de trabalhar de forma colaborativa e eficiente para conquistar os seguintes objetivos:

1. Escalar as atividades e respostas de adaptação e resiliência, a fim de reduzir a vulnerabilidade de todos os agricultores, pescadores e outros produtores de alimentos aos impactos das mudanças climáticas, nomeadamente através de apoio financeiro e técnico para soluções, capacitação, infraestruturas e inovações, incluindo sistemas de alerta precoces, que promovam a segurança alimentar, a produção e a nutrição sustentáveis, ao mesmo tempo que conservam, protegem e restauram a natureza.

2. Promover a segurança alimentar e nutricional, aumentando os esforços para apoiar as pessoas vulneráveis através de abordagens como sistemas de proteção social e redes de segurança, alimentação escolar e alimentação pública, programas de aquisição, pesquisa e inovação direcionados e centrados nas necessidades específicas das mulheres, crianças e jovens, povos indígenas, pequenos agricultores, agricultores familiares, comunidades locais e pessoas com deficiência, entre outros;

3. Apoiar os trabalhadores dos sistemas agrícolas e alimentares, incluindo as mulheres e os jovens, cujos meios de subsistência estão ameaçados pelas mudanças climáticas, para manterem um trabalho inclusivo e digno, através de abordagens adequadas ao contexto, que podem incluir o aumento, a adaptação e a diversificação dos rendimentos;

4. Reforçar a gestão integrada da água na agricultura e nos sistemas alimentares a todos os níveis para garantir a sustentabilidade e reduzir os impactos adversos nas comunidades que dependem destes recursos inter-relacionados;

5. Maximizar os benefícios climáticos e ambientais – ao mesmo tempo  contendo e reduzindo os impactos negativos – associados à agricultura e aos sistemas alimentares, conservando, protegendo e restaurando a terra e os ecossistemas naturais, melhorando a saúde do solo e a biodiversidade, e mudando de práticas com maior emissão de gases de efeito estufa para práticas com menoses emissões, abordagens de produção e consumo mais sustentáveis, nomeadamente através da redução da perda e do desperdício de alimentos e da promoção de alimentos aquáticos azuis sustentáveis;

Para alcançar estes objetivos – de acordo com as nossas próprias circunstâncias nacionais – comprometemo-nos a acelerar a integração da agricultura e dos sistemas alimentares na nossa ação climática e, simultaneamente, a integrar a ação climática nas nossas agendas políticas e ações relacionadas com a agricultura e os sistemas alimentares. No cumprimento deste compromisso, até 2025 pretendemos reforçar os nossos esforços respectivos e compartilhados para:

1. Buscar um engajamento amplo, transparente e inclusivo, conforme apropriado nos nossos contextos nacionais, para integrar a agricultura e os sistemas alimentares nos Planos Nacionais de Adaptação, Contribuições Nacionalmente Determinadas, Estratégias de Longo Prazo, Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação, e outras estratégias relacionadas antes da convocação da COP30.

2. Revisar ou orientar as políticas e o apoio público relacionados com a agricultura e os sistemas alimentares para promover atividades que aumentem a renda, reduzam as emissões de gases de efeito de estufa e reforcem a resiliência, a produtividade, os meios de subsistência, a nutrição, a eficiência hídrica e a saúde humana, animal e dos ecossistemas, reduzindo simultaneamente a perda de alimentos e resíduos, e perda e degradação de ecossistemas.

3. Continuar ampliando e melhorandoo acesso a todas as formas de financiamento dos setores público, filantrópico e privado – inclusive através de instrumentos mistos, parcerias público-privadas e outros esforços alinhados – para adaptar e transformar a agricultura e os sistemas alimentares em resposta às mudanças climáticas.

4. Acelerar e ampliar a ciência e as inovações baseadas em evidências – incluindo o conhecimento local e indígena – que aumentam a produtividade e a produção sustentáveis na agricultura e outros campos emergentes relacionados, promovem a resiliência dos ecossistemas e melhoram os meios de subsistência, inclusive para comunidades rurais, pequenos agricultores, agricultores familiares e outros produtores.

5. Reforçar o sistema e normasmultilaterais do comércio, não discriminatório, aberto, justo, inclusivo, equitativo e transparente, tendo a Organização Mundial do Comércio emseu núcleo. Faltando sete anos para atingirmos os nossos objetivos comuns, pretendemos reforçar a colaboração entre os nossos respectivos ministérios – incluindo agricultura, clima, energia, meio ambiente, finanças e saúde – e com diversas partes interessadas para alcançar os objetivos e esforços articulados nesta Declaração, e conforme apropriado dentro dos nossos contextos nacionais.

Pretendemos aproveitar os encontros regionais e globais relevantes no tema, a fim de partilhar experiências e acelerar ações nacionais e colaborativas. Analisaremos o nosso progresso coletivo no próximo ano na COP29 visando considerar os próximos passos em 2025 e além.

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