Recentes do Blog

COP 28: Avanços históricos e muito trabalho pela frente

A COP 28, que aconteceu em Dubai dos dias 30 de novembro a 12 de dezembro, encerrou com avanços históricos em relação ao reconhecimento do setor de alimentos como foco estratégico das ações de mitigação e adaptação climática, mas ainda com muito trabalho pela frente.  Quais foram os principais avanços? A pauta dos sistemas alimentares, que começou a ser debatida apenas no ano passado na COP do Egito, ganhou mais foco, intensidade, comprometimento dos países, engajamento da comunidade internacional, fontes de financiamento para o setor e até um dia inteiro dedicado à alimentação e à agricultura.  Essa velocidade não é comum para o mundo das organizações multilaterais, no qual as mudanças acontecem muito lentamente. Apesar de ainda não ser suficiente para suprir a urgência que temos de acelerar a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis para conseguirmos alcançar as metas do Acordo de Paris, é uma evolução significativa. O lançamento de três documentos focados em alimentos também representou uma vitória para o setor: Outra vitória foi a inclusão dos sistemas alimentares e da agricultura no Global Stocktake, documento revisado a cada 5 anos que analisa tecnicamente e politicamente como evoluímos em relação às metas do Acordo de Paris e quais devem ser os novos compromissos. Os países utilizam o documento para elaborar as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são as metas que cada nação autodetermina para cumprir os compromissos do Acordo. As menções incluem a necessidade de aumentar a produção de alimentos sustentáveis e de estimular sistemas alimentares resilientes, por exemplo. Apesar de tímida, essa conquista já abre as portas necessárias para que o assunto seja trabalhado em outros dispositivos oficiais no futuro, como as NDCs, e para que a pauta receba ainda mais foco nas próximas edições da COP. O que ainda precisamos alcançar? Enquanto celebramos os progressos alcançados, reconhecemos que há ainda um vasto campo de oportunidades a ser explorado nos sistemas alimentares. A necessidade de expandir a discussão em torno de inovações, como as tecnologias disruptivas na produção de proteínas alternativas, é latente. Além disso, é crucial examinar mais profundamente os impactos ambientais e sociais da produção de alimentos de origem animal. Esses temas são elementos-chave de um espectro mais amplo que abrange mudanças nas dietas, práticas rurais sustentáveis como agroecologia, dentre outros. Detalhar e enriquecer o debate sobre todos os aspectos dos sistemas alimentares é fundamental para fomentar transformações significativas, rumo a um futuro mais sustentável e resiliente. “A rápida evolução no debate sobre sistemas alimentares em organizações multilaterais é notável e incomum. Esse ano, tivemos um dia inteiro dedicado a esse tema, a formalização de um compromisso de líderes globais e a publicação de relatórios. Além disso, a inclusão desses sistemas no Global Stocktake é um marco importante e conquistado com muita dificuldade, embora pareça modesto para quem observa de fora. Apesar desses avanços, ainda é necessário acelerar nossos esforços, dada a urgência em aprimorar a sustentabilidade dos sistemas alimentares e de mitigar os impactos causados neles pela crise climática.” Gustavo Guadagnini, Presidente do GFI Brasil. Próximos passos Até a COP 29 no Azerbaijão em 2024, o GFI se empenhará em fortalecer a Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas (CGPA). Nossa meta inicial é engajar mais parceiros para criar um apelo amplo e persuasivo, tanto no âmbito popular quanto institucional, para promover o setor de proteínas alternativas como uma solução climática viável. Estaremos focados em iniciativas específicas, como grupos de trabalho temáticos e parcerias estratégicas, para assegurar que esta pauta receba a atenção necessária na próxima conferência. Ao mesmo tempo, os olhos da comunidade global já pairam sobre a COP 30, que ocorrerá no Brasil. As expectativas são altas devido ao papel central do país no cenário climático global, um fruto de sua política externa atual, à importância simbólica da Amazônia e ao processo de revisão do acordo de Paris. Nesse último aspecto, o evento marcará a conclusão do processo de revisão das NDCs (as metas de cada país em relação à crise climática), tornando a COP 30 um marco crucial nas negociações climáticas.  Esta conferência oferece uma plataforma inigualável para trazer questões críticas, como a sustentabilidade dos sistemas alimentares e a agropecuária, para o centro do debate. Isso aumenta a importância de a CGPA já estar estruturada e atuante. Encorajamos a todos a se unirem a nós nessa jornada rumo a um futuro mais sustentável e a participarem ativamente nas discussões que moldarão nossos sistemas alimentares – e nosso planeta – para as gerações futuras.

Esforço do Sul Global para cumprir metas do Acordo de Paris é maior, mas ciência precisa ser desenvolvida localmente

Gustavo Guadagnini (*) As mudanças que afetam o clima estão acontecendo muito mais rápido do que o previsto e são sentidas em todo o planeta, mas não com a mesma intensidade. Os efeitos do aquecimento global atingem, sobretudo, as economias mais pobres, que possuem menos recursos para responder à crise climática.  Por isso, um dos temas centrais nas negociações para mitigar os seus efeitos é o financiamento climático, mais precisamente o cumprimento do acordo firmado em 2015, durante a COP21, em que os países mais ricos prometeram destinar US$ 100 bilhões por ano para que os países em desenvolvimento criem medidas de enfrentamento e adaptação.  Na prática, isso implica em reconhecer a capacidade que o Sul Global tem de criar inovações e soluções tecnológicas para cumprir com o Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC até 2030.  Segundo o Programa de Desenvolvimento da ONU (PNUD), os países em desenvolvimento, inclusive os mais vulneráveis, são os que mais têm se esforçado na elaboração e aplicação das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que são metas de curto a médio prazo para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE). A maioria tem apresentado metas de mitigação e adaptação cada vez mais ambiciosas, com soluções integradas que envolvem economia circular, gestão de recursos hídricos, implementação do mercado de carbono e envolvimento do setor privado.  Os compromissos dos países africanos, por exemplo, são mais robustos do que a média global, com metas mais fortes em relação à resiliência climática, aumento nos esforços de transparência das ações e adoção de tendências emergentes, como os conceitos de “empregos verdes” e “transição justa”.  Já as NDCs apresentadas pelos países da América Latina e do Caribe apresentam níveis mais elevados de envolvimento e inclusão de grupos marginalizados (como mulheres, jovens, povos indígenas e idosos) nas tomadas de decisões, tornando o processo das NDCs mais transparente e garantindo que seus resultados beneficiem os mais vulneráveis. Sul Global será mais afetado pela crise climática mesmo não sendo responsável pela maior parte das emissões de GEE Os países do Sul Global, frequentemente chamados de Maioria Global, somam cerca de 85% da população mundial e concentram apenas 39% do PIB do planeta. Ou seja, por mais que se esforcem, a maioria desses países expressam enormes necessidades de apoio financeiro externo e de transferência de tecnologia para conseguirem alcançar suas metas.  De acordo com a agência de classificação de risco S&P Global, os efeitos da crise climática podem causar a perda de 4% da produção econômica global até 2050, mas os países emergentes deverão ter perdas no Produto Interno Bruto (PIB) 3,6 vezes maior em relação às nações mais ricas. Um cenário que demonstra a importância da justiça climática, uma vez que, embora não sejam os maiores responsáveis pelo agravamento da crise climática, acabam pagando um preço muito maior por seus efeitos. Qual é o papel do Sul Global no setor de proteínas alternativas? Apesar de todas as desvantagens, é enorme o potencial dos países do Sul Global ganharem espaço e protagonizar as mudanças mais relevantes e consistentes em direção a uma economia mais sustentável, especialmente as maiores economias como China, Índia, África do Sul e Brasil, atual líder do G20 e sede da COP30, em 2025.  Essas regiões possuem capacidade produtiva, biodiversidade, massa crítica e todo o potencial para desenvolver essas tecnologias localmente. Importá-las significa que, além de já sofrerem com os efeitos de uma crise global, motivada sobretudo pelo padrão de consumo das grandes potências, essas nações ainda precisam comprar tecnologia, que é exatamente o que tem impossibilitado a aplicação de suas NDCs. Um exemplo disso é a indústria de proteínas alternativas. De acordo com uma pesquisa do The Good Food Institute com a indústria brasileira em 2020, 85% das empresas locais ainda usam a ervilha, que é um ingrediente desenvolvido em países do norte, como principal fonte de proteína para seus produtos plant-based. Essa proteína recebeu muitos investimentos em pesquisa e, por isso, suas funcionalidades são excelentes para a indústria.  Assim, os países do Sul se tornam importadores, pagam mais caro na matéria prima e acabam oferecendo alimentos mais caros nas prateleiras para o consumidor. É por isso que o GFI financia pesquisas em feijões brasileiros e relacionadas à biodiversidade da Amazônia e do Cerrado, com o objetivo de criar ingredientes locais e sustentáveis que, além de serem mais baratos por serem produzidos aqui, vão gerar impacto social positivo para as comunidades produtoras.  O debate sobre o Sul Global envolve protagonismo, e todos os fatores indicam que essa região é altamente relevante no contexto das proteínas alternativas, dado o potencial dessas soluções para superar os desafios enfrentados por essas zonas com necessidades únicas e diversas.  É necessário abordar proteínas alternativas com uma compreensão sensível dos variados contextos locais, promoção da inclusão e fomento da colaboração para uma transformação positiva em direção à segurança alimentar e nutricional, no desenvolvimento econômico, na diversidade alimentar e na sustentabilidade. (*) Gustavo Guadagnini é presidente do The Good Institute Brasil

IPCC: Carne cultivada e à base de plantas podem desempenhar um papel fundamental na redução pela metade das emissões globais até 2030

O GFI defende mais financiamento público para proteínas alternativas, uma vez que os principais cientistas do mundo reconhecem que as inovações do setor agrícola – especialmente carne à base de plantas e cultivada – mitigam as mudanças climáticas e oferecem co-benefícios nas áreas de biodiversidade e de saúde global O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançou seu Sexto Relatório de Avaliação, no qual aponta a carne à base de plantas e cultivada como uma solução transformadora que, junto das transições nos setores de energia e transporte, pode cortar pela metade as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) até 2030. Comparado com as avaliações anteriores do IPCC, o Sexto Relatório de Avaliação é o que mais aprofunda nas proteínas alternativas e melhor destaca como elas podem reduzir significativamente as emissões em escala. Elaborado pelos principais cientistas do mundo, o relatório afirma que, mesmo se os combustíveis fósseis fossem eliminados da noite para o dia, as emissões do sistema alimentar por si só prejudicariam – a ponto de impedir – o cumprimento da meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C. Embora o relatório tenha constatado que “o maior potencial (para mitigar as mudanças climáticas) viria da transição para dietas baseadas em vegetais” (TS. 5.8), ele aponta que a crescente demanda por carne convencional deve gerar um aumento de 14% na sua produção até 2029 (TS. 5.8). Com a conclusão do IPCC de que a dieta humana, que é um hábito difícil de ser mudado, precisa migrar com urgência para fontes de alimentos mais sustentáveis (1.4.7), o The Good Food Institute defende que os governos invistam em carnes vegetais e cultivadas como alternativa à convencional. Formuladores de políticas podem tornar essa mudança de comportamento o mais fácil possível para os consumidores ao investirem em pesquisas que tornem essas opções tão deliciosas e acessíveis quanto a carne convencional, garantindo que a transição no sistema alimentar necessária para atender às metas climáticas globais aconteça. O relatório descobriu que tecnologias alimentares emergentes (como fermentação de precisão, carne cultivada e alimentos à base de plantas) podem “prometer reduções substanciais nas emissões diretas de gases de efeito estufa provenientes da produção de alimentos” (TS. 5.6.2). Citando um artigo de co autoria do cientista sênior do GFI Israel, Tom Ben-Arye, o relatório reconhece que, embora ainda esteja em seu princípio e ainda dependa de maiores investimentos, inovações a aprovações regulatórias, a carne cultivada oferece uma alternativa mais sustentável aos atuais sistemas de produção agropecuária e uso da terra (7.3.3). Além das reduções de emissões, o relatório destaca que as proteínas alternativas também “têm menor pegada de terra, água e nutrientes e tratam das preocupações com o bem-estar animal” (TS. 5.6.2). É possível identificar múltiplos co-benefícios associados a uma transição alimentar para carne à base de plantas e cultivada, que vão desde a diminuição do uso de pesticidas, antibióticos e de poluentes (que afetam a saúde e qualidade do solo, da água e do ar) até a redução do risco do surgimento de novas zoonoses (TS-91). “Os principais cientistas do mundo deixaram claro que a transformação do sistema alimentar é necessária para atender às metas climáticas globais e reconheceram a carne à base de plantas e cultivada como soluções de alto impacto para atender à crescente demanda global por carne. O investimento público continua sendo crítico e urgentemente necessário para levar as proteínas alternativas em escala ao mercado. Os governos de todo o mundo devem investir em carnes que sejam produzidas com muito menos terra e água, que gerem uma fração das emissões e que reduzam  substancialmente os riscos à saúde global em comparação com a carne convencional. Temos uma chance de mudar a forma como a carne é feita, e agora é a hora de fazer isso.”, afirma Bruce Friedrich, fundador e CEO do GFI. “O ganho de escala da produção de carne à base de plantas e cultivada é fundamental para que a indústria cumpra seu potencial de mitigação climática. O IPCC identificou que o novo aspecto do mercado de proteínas alternativas é a escala proposta, que só pode ser alcançada com uma injeção de investimento público e privado. Esse investimento possibilitará que a carne de origem vegetal e cultivada compita com os produtos animais convencionais em sabor e preço, desencadeando um ciclo virtuoso de demanda do consumidor e mais inovação”, completa Emma Ignaszewski, gerente de projetos de engajamento corporativo do GFI. Mais informações Proteínas alternativas podem desempenhar um papel crucial na redução das emissões do sistema alimentar: 77% das terras agrícolas de todo o planeta são usadas para a pecuária, que fornece apenas 18% das calorias da dieta humana. Diante da escassez hídrica e dos crescentes índices de desmatamento, alternativas à pecuária podem ajudar a alimentar mais pessoas enquanto dependem de muito menos terra e água. De acordo com um relatório apoiado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido e pela Climate Works Foundation, a diversificação da fonte do suprimento global de proteínas pode resultar na redução de 10% nos preços médios das safras até 2050, ao mesmo tempo em que libera 640 milhões de hectares de terra, uma área maior que a floresta amazônica – criando mais espaços para práticas agrícolas sustentáveis. Uma transição em direção ao consumo de carne à base de plantas reduziria as emissões em 30% a 90%, enquanto a produção da carne cultivada poderia cortar o impacto climático da carne em até 92% e o uso de terra em até 95%.

Alimentação à base de vegetais pode reverter a trajetória das mudanças climáticas

por Victoria Gadelha para o GFI Brasil No final de 2020, uma pesquisa publicada na revista Science mostrou que, mesmo se todas as emissões de combustíveis fósseis fossem imediatamente zeradas, seria impossível cumprir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris (de limitar o aumento da temperatura terrestre a 1,5°C ou até 2°C acima dos níveis pré-industriais) por conta das emissões geradas pelo sistema alimentar global sozinho. Um artigo publicado na Nature Food indicou que se as 54 nações mais ricas do planeta (17% da população mundial) adotassem a dieta EAT-Lancet, que é baseada majoritariamente em vegetais, elas poderiam reduzir suas emissões de CO2 em dois terços ou 61%. Em fevereiro de 2022, um novo estudo publicado pela PLOS Climate mostra que, se a produção global de carne e laticínios for gradualmente reduzida até zerar durante os próximos 15 anos, será o mesmo que “cancelar” as emissões de gases de efeito estufa (GEE) geradas por todos os outros setores econômicos por 30 a 50 anos. Ou seja: uma transição progressiva para um sistema alimentar global baseado em vegetais tem a capacidade de, em pouco mais de uma década, zerar a quantidade de GEE que todas as indústrias, transportes e o setor energético, combinados, levariam até mais de meio século para emitir na atmosfera. O sistema alimentar vigente é responsável por 34% de todas as emissões de GEE e a produção de proteína animal, sozinha, gera mais da metade (ou 15%) desse valor. Essas emissões vêm de várias fontes, mas principalmente da fermentação entérica (processo digestivo que ocorre em animais ruminantes) e do esterco dos ruminantes (que, juntos, também são responsáveis por 32% das emissões de metano no mundo), da queima de combustíveis fósseis na cadeia de produção e abastecimento dos alimentos, e do desmatamento intensivo e extensivo (para abrir pastagens e para plantar os grãos que viram ração para os animais de abate). Mais de 70% de todas as terras agrícolas do mundo são focadas na produção de alimentos para animais e 30% da superfície terrestre são ocupadas pela pecuária. Isso significa que um terço de toda a terra existente no planeta é usada para abrigar e/ou alimentar animais que, dentro de muito pouco tempo – e em escala industrial – são abatidos e chegam até nós como hambúrguer, bife, filé, coxa, linguiça e inúmeros outros tipos de formatos e cortes. Segundo o estudo, para sustentar um sistema alimentar baseado em vegetais, seria necessário usar apenas 7% das terras do nosso planeta. Quando se trata da contribuição da pecuária para o aquecimento global, a maioria das análises tende a olhar diretamente para as emissões do setor e deixam de lado a questão do uso da terra, que é extremamente relevante. Isso porque, ao interromper a prática da pecuária e restaurar ou “renaturalizar” (rewild, em inglês) essas terras, todo o carbono que seria emitido passa a ser capturado e armazenado. O estudo publicado no início deste mês na PLOS Climate é uma colaboração entre o professor de biologia molecular e celular da Universidade da Califórnia, Michael Eisen, e o professor de bioquímica da Universidade de Stanford e CEO da Impossible Foods Inc, Patrick Brown. Importante mencionar que a Impossible Foods é uma das grandes fabricantes de produtos vegetais substitutos de carne dos Estados Unidos, avaliada em US$4 bilhões em 2020. Os autores expõem esse conflito de interesse no início do artigo, mas garantem que a ciência é sólida. Mas a diminuição gradual na produção de carnes e laticínios é viável? Para Brown, as mudanças necessárias devem ser orientadas pelo mercado, que segundo ele, é a instituição de ação mais rápida na Terra. “Esse movimento será impulsionado pela escolha do consumidor do lado da demanda. Se existem produtos que fazem um trabalho melhor em entregar o que eles desejam, nada pode impedir isso”. Comprovando o que Brown diz, de acordo com o relatório da Research and Markets, o mercado global de carne e laticínios à base de plantas pode alcançar US$68,7 bilhões até 2025, com um crescimento anual (CAGR) de 17,42%. O mercado de proteína animal também deve crescer, mas numa taxa menor do que 4% ao ano. AT Kearney, empresa líder em consultoria de gestão, projeta que as carnes à base de plantas representarão 10% do mercado de carnes já em 2025. Os desafios já começam a aparecer. Um novo relatório do The Good Food Institute aponta que o setor de alternativas vegetais pode ter problemas para suprir a demanda projetada para 2030. A pesquisa identificou entraves sobre a disponibilidade de volume para o fornecimento global de ingredientes essenciais para a indústria (como óleos, gorduras e proteínas). O estudo concluiu ainda a necessidade de investimento em infraestrutura, modernização das instalações de processamento existentes e colaboração entre os stakeholders do setor para que esse mercado prospere. O CEO da Impossible Foods admite no estudo que uma transição completa para um sistema alimentar à base de plantas enfrentará, sim, vários obstáculos e desafios porque carne, laticínios e ovos são um componente importante da dieta humana e a criação de gado é parte integrante das economias rurais em todo o planeta. Quase 2 bilhões de pessoas, a maioria no Sul Global, criam seus próprios animais para alimentação e renda – embora comam muito menos carne do que os consumidores de nações ricas. Essas pequenas fazendas produzem cerca de 80% dos alimentos consumidos na Ásia e na África Suubsaariana, mas estas regiões apresentam os menores índices de consumo per capita por ano de carne do globo (Ásia: 26.6kg e África (toda): 13kg). Por esses motivos, Brown e Eisel apontam o Ocidente como o principal responsável pelas altas emissões do setor de alimentos e, assim como o estudo da Nature Food, concluem que o foco da transição alimentar deve estar nesses países que, representando 68% do PIB global, é onde a mudança causaria o maior impacto positivo para o clima. Contudo, é importante dividir a responsabilidade dessa transição alimentar globalmente. Essa é uma mudança que, para ser efetiva, precisa acontecer do lado de quem produz e

Transição no sistema alimentar é necessária para garantir a vida na Terra

Texto: Victória Gadelha Revisão: Vinícius Gallon A meta estabelecida pelo Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura terrestre a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais demanda uma redução drástica das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Nos últimos anos, muitos avanços tornaram os setores de transportes, indústrias e energia mais limpos. No entanto, por mais fundamentais que sejam todos esses esforços, eles ainda são insuficientes para limitarmos o aquecimento do planeta. Isso porque o sistema alimentar global é também um dos principais emissores de GEE mas, diferente dos outros setores, seus impactos foram historicamente mal compreendidos e, só agora, começaram a ser expostos com clareza – e com a seriedade que a situação demanda. Estudos mostram que, mesmo se todas as emissões de combustíveis fósseis fossem imediatamente zeradas, as emissões do sistema alimentar global por si só tornariam impossível limitar o aquecimento a 1,5°C e ameaçariam, inclusive, um aumento acima de 2°C.  Por isso, para cumprir os objetivos do Acordo de Paris e garantir um futuro seguro, é urgente mudar a forma como nós produzimos alimentos e, principalmente, a forma como nós consumimos proteínas. O sistema alimentar é responsável por 34% das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. A produção de proteína animal, sozinha, gera metade desse valor, que é maior do que as emissões totais (de todos os setores combinados) dos EUA. Essas emissões vêm de várias fontes, principalmente do desmatamento (para abrir pastagens e plantar os grãos que viram ração dos animais de abate), da produção e do uso de fertilizantes e agroquímicos, da fermentação entérica e do esterco dos ruminantes (que, juntos, são responsáveis por 30% das emissões de metano) e da queima de combustíveis fósseis na cadeia de produção e abastecimento de alimentos. A pecuária (pastagem e produção de grãos para ração) ocupa mais de 70% de todas as terras agrícolas do mundo e 30% da superfície terrestre. Mesmo assim, fornece apenas 17% do suprimento alimentar da humanidade. Com a população mundial prevista para alcançar 10 bilhões de pessoas em 2050, é esperado que o consumo de carne aumente a ponto de dobrar nos países de renda média. E dobrar a produção desse setor, sem mudar seus métodos, significa dobrar todos os impactos que ele gera – em um mundo com recursos naturais já esgotados.  É por isso que as proteínas alternativas se apresentam como uma solução potente e escalável para uma transição eficaz no sistema alimentar. Novo estudo do The Good Food Institute com o Climate Advisers indica que uma mudança no consumo de proteínas é capaz de fornecer de 14 a 20% da mitigação de emissões que o mundo precisa até 2050 para não ultrapassar o aquecimento de 1,5°C. Além disso, é capaz de acelerar outras soluções naturais ao, por exemplo, liberar milhões de hectares de terras que podem ser destinada para estratégias de conservação, gestão com foco no clima, segurança alimentar, proteção da biodiversidade, etc. As proteínas alternativas podem ser divididas em dois tipos principais: feitas de plantas (plant-based), que são produtos feitos de vegetais que imitam o sabor, formato e textura das carnes (bovina, suína, de frango, peixe, frutos do mar…), laticínios e derivados; e carne cultivada, fabricada diretamente a partir de células animais, resultando num produto igual ao convencional. A alta eficiência de ambas no uso da terra em relação à carne bovina é, sem dúvidas, uma das suas maiores vantagens, já que precisam de até 99% e 95% menos solo para serem produzidas, respectivamente.  Ao invés de usar terras para cultivar os grãos que alimentam os animais que, por sua vez, são abatidos para nos alimentar – e ocupar mais terras para criar todos esses animais – as colheitas podem ser usadas diretamente para produzir carne à base de plantas. Dessa forma, deixamos de “terceirizar” a ingestão de proteínas através do animal e podemos tirar esse intermediário da equação. Com isso, todo o metano e o óxido nitroso gerados pela digestão e decomposição do estrume dos ruminantes deixa de ser emitido e, como dito anteriormente, as vastas terras poupadas podem ser destinadas para práticas regenerativas e de preservação.  Tanto a carne vegetal quanto a cultivada concentram seu gasto de energia em instalações que podem ter uma pegada de carbono mínima se alimentadas com energia renovável, emitindo pouco ou nenhum GEE. Assim como painéis solares e carros elétricos, as proteínas alternativas precisam ser amplamente consumidas para passarem a assumir um papel de protagonismo na redução global de gases de efeito estufa. Apesar desse momento ainda não ter chegado, as inovações do setor seguem em ritmo impressionante e indicam que, logo, as proteínas alternativas poderão competir em sabor e preço com todo tipo de carne animal.  Os produtos substitutos para carne bovina, suína e de frango já se popularizaram e estão sempre presentes em mercados e hamburguerias como uma opção para vegetarianos e veganos, mas os avanços em relação a alternativas para peixes e frutos do mar também surpreendem e, em termos de impactos ambientais, têm uma relevância importantíssima – que muitas vezes é menosprezada. Além da pesca predatória agredir os ecossistemas marinhos ao retirar do mar trilhões de animais todos os anos, muitos peixes selvagens (como atum, bacalhau e salmão) já são pescados acima da capacidade máxima e passam a integrar a lista de espécies em extinção. O desenvolvimento de peixes e frutos do mar alternativos pode aliviar a pressão sobre a pesca industrial e os sistemas de aquicultura, que não vão conseguir suprir a lacuna entre oferta e demanda que deve se formar nos próximos anos. Ao mesmo tempo, as proteínas alternativas reduzem em até 91% a poluição dos oceanos (Causada pelo escoamento agrícola) e também poupam todos os outros recursos aquáticos, uma vez que precisam de até 99% menos água para serem produzidas do que a carne animal). Os ganhos ambientais proporcionados por essa transição no sistema alimentar são inegáveis, mas ela também oferece benefícios cruciais à saúde global: relatório da FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) de 2013 já indicava