Consumo de carne vegetal vai continuar crescendo nos próximos anos, mas a indústria precisa se preparar para atender a demanda

Estudo do The Good Food Institute revela requisitos globais para atingir as metas de 2030 relativos à colheita, infraestrutura e investimentos para a indústria. No ano de 2020, as vendas de alternativas vegetais cresceram duas vezes mais rápido do que as vendas gerais de alimentos nos EUA. Em 2019, o mercado de alimentos à base de plantas valia US$ 5 bilhões. Hoje, já vale mais de US$7 bilhões. A categoria de leites vegetais continua como a mais desenvolvida do setor, representando 35% do mercado de alimentos à base de plantas e 15% do mercado de leite em geral. Mas, quando falamos de carnes vegetais, o aumento das vendas dessa categoria supera o de todas as outras: enquanto a procura por leites vegetais cresceu 27% nos últimos dois anos, por exemplo, as vendas de carnes vegetais aumentaram 72% no mesmo período. O boom na procura por essas alternativas está influenciando e remodelando todo o setor alimentício. Dados os aumentos previstos na demanda global por proteína e nas mudanças nos hábitos dos consumidores nas próximas décadas, a indústria de proteínas à base de plantas precisará de grandes investimentos – em todas as áreas – para que a cadeia de suprimentos e a capacidade de fabricação consiga saciar a demanda. Pensando nisso, o The Good Food Institute lançou o relatório “Plant-based Meat: Anticipating 2030 Production Requirements”. A partir de levantamentos de dados e análises da utilização atual de ingredientes, o estudo prevê os requisitos globais de volume de produção para atingir as metas de 2030 relativos à colheita, infraestrutura e investimentos para a indústria. Com estimativas de abrangência global, o estudo traz orientações para investidores, processadores de ingredientes, fornecedores de equipamentos e fabricantes de carne vegetal quanto às urgências, oportunidades, obstáculos e níveis de investimentos necessários para suprir a demanda prevista para 2030. Em relação ao volume global de ingredientes, o relatório calcula que a indústria precisará produzir no mínimo 25 milhões de toneladas métricas (MMT) de carne à base de plantas para conseguir atender ao mercado anual. O estudo também examina outros pontos como, por exemplo, a futura pegada de fabricação do setor. Com base em instalações de produção hipotéticas usadas para produzir proteínas vegetais estruturadas (SPP), o material base da carne vegetal, estima-se que pelo menos 810 fábricas devam entrar em operação até 2030 para suprir a demanda, o que deve custar aproximadamente US $27 bilhões em despesas de capital global (CapEx) e pelo menos US $17 bilhões de custos operacionais por ano. A pesquisa identificou potenciais entraves sobre o fornecimento global de ingredientes fundamentais (como óleo de coco e proteína de ervilha) nos próximos anos. No entanto, demonstrou que a capacidade de fabricação, e não a disponibilidade de volume suficiente de ingredientes, é que provavelmente será o elo limitante da cadeia de suprimentos de carne vegetal a nível global. A análise do GFI indica que a modernização de instalações de processamento de alimentos existentes, a formação de parcerias, a estreita colaboração entre os stakeholders do setor e, principalmente, o investimento inicial em infraestrutura são as medidas necessárias para evitar um cenário de escassez e conseguir expandir o aporte de produção com mais eficiência na próxima década. Cenário Brasileiro Apesar da previsão ser de abrangência mundial, a nível regional ela também se confirma. Cristiana Ambiel, gerente de Ciência e Tecnologia do GFI Brasil, enxerga que essa questão é também um gargalo no país. “Nós precisamos desenvolver empresas interessadas em processar ingredientes (proteína concentrada, texturizada e isolada) para podermos atender a futura demanda”, afirma. Inclusive, a pesquisa “Oportunidades e Desafios na Produção de Produtos Feitos de Plantas Análogos aos Produtos Animais”, lançada pelo The Good Food Institute Brasil no final de 2021, possui muitos pontos de contato com o relatório “Anticipating 2030 Production Requirements”. Pensando em acelerar a inovação na indústria de proteínas alternativas, o GFI Brasil ouviu profissionais das indústrias de ingredientes e processamento de produtos vegetais no país, identificou os maiores desafios no desenvolvimento de alternativas à base de plantas (com a qualidade, preço e características buscadas pelos consumidores) e definiu sete linhas de pesquisa prioritárias para o avanço desse mercado no Brasil. O desenvolvimento de matérias-primas e ingredientes nacionais foi apontado como a principal demanda por 84% das empresas que participaram da pesquisa. Por causa da pouca oferta de opções nacionais no mercado, onde a soja ainda predomina, a busca por ingredientes importados é alta. Essa dependência na importação (vulnerável à volatilidade da cotação de moedas estrangeiras e ao tempo de espera pela entrega, por exemplo) eleva os custos de produção e, consequentemente, o preço final do produto, que acaba se tornando inacessível para muitos brasileiros. Tal realidade parece incompatível com o Brasil, berço de 20% de toda a biodiversidade do planeta. O país possui, de fato, inúmeras espécies nativas que podem agregar características sensoriais e nutricionais únicas a um produto, além de ser um grande produtor de matérias-primas vegetais (como feijões, arroz, aveia, gergelim, trigo, centeio, milho, cevada, sorgo e amendoim) com potencial de se tornar fonte de proteína para a indústria plant-based. O elo que falta para começar a transformar esse potencial em realidade é a pesquisa científica: tempo e investimentos são necessários para definir os processos de extração mais adequados de cada proteína, caracterizar e melhorar suas funcionalidades proteicas, aprimorar as características sensoriais e reduzir custos finais. O GFI Brasil trabalha para preencher essa lacuna com o Programa Biomas, voltado a universidades, instituições de pesquisa e empresas privadas que financia pesquisas com potencial para transformar produtos nativos da Amazônia e Cerrado em ingredientes alimentícios demandados pela indústria de proteínas alternativas, agregando valor às espécies brasileiras, gerando oportunidades de renda para as comunidades locais e promovendo a preservação da biodiversidade. O relatório “Anticipating 2030 Production Requirements” corrobora que a pesquisa de ingredientes alternativos é uma frente importante – e especialmente interessante – para o Brasil. Isso por que, apesar da capacidade de fabricação e processamento ter sido identificada pela análise como a principal barreira a ser enfrentada pela indústria, a pressão sobre o fornecimento global de
Israel e Argentina anunciam colaboração em edital de pesquisa científica sobre proteínas alternativas

Edital visa estreitar a colaboração entre os dois países através do financiamento de cinco projetos bilaterais em proteínas alternativas Os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina e de Israel se uniram para avançar o desenvolvimento técnico-científico de ambos os países, por meio de um edital de pesquisa em proteínas alternativas. A cooperação visa também estreitar as relações entre os países, em especial entre a comunidade científica. Para tanto, foi estabelecido um edital bilateral com foco em promover a troca de conhecimento e estreitar a rede de conexões entre pesquisadores argentinos e israelenses. Equipes de cientistas são convidadas a enviar propostas de projetos que se encaixem em uma das frentes programáticas designadas para receber apoio financeiro em sua execução. Uma das áreas de interesse é a Pesquisa em Medicina e Saúde, onde proteínas alternativas são contempladas ao lado de bem-estar, envelhecimento saudável e tecnologia médica. O segundo foco é Transição para Energias Renováveis, abarcando mudança climática, energia limpa e pesquisa em desertificação. O acordo prevê o financiamento de até cinco projetos com duração de dois anos, dando suporte a equipes formadas por pesquisadores argentinos e israelenses. Além do suporte financeiro, o edital também prevê visitas mútuas a instituições complementares. As propostas devem ser submetidas até o dia 31 de março para ambos os Ministérios, acessando esse link, no caso de projetos argentinos, e este outro link, no caso de projetos israelenses. Interessados devem acessar o edital para mais informações.
GFI renova acordo de cooperação técnica com o estado do Amazonas

A colaboração visa fortalecer a indústria de proteínas vegetais no bioma Amazônico através de princípios de economia sustentável Texto: Mariana Bernal Revisão: Bruna Corsato Grande parte da biodiversidade de nosso país se encontra no estado do Amazonas. Sua biodiversidade tem papel fundamental no equilíbrio ambiental brasileiro, sendo também fonte de recursos naturais capazes de abastecer e fortalecer diversos setores da nossa economia se explorados de forma sustentável. O The Good Food Institute Brasil acredita que na riqueza do bioma Amazônico esta parte da solução para uma das grandes questões do nosso tempo, o de alimentar de forma segura, sustentável e justa quase 10 bilhões de pessoas até 2050. Diversificando sua matriz econômica para incluir pesquisa e produção de matérias-primas e produtos para a indústria de proteínas alternativas é possível que a região contribua para que o Brasil avance na transição de celeiro a supermercado do mundo. Neste contexto, o GFI Brasil renovou o Acordo de Cooperação Técnica com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI) do Amazonas. “Pensar em fontes e insumos para a indústria plant-based permite vislumbrar a possibilidade de transformação da matriz econômica do estado do Amazonas em uma onde possamos trazer proteínas alternativas, alta tecnologia e ciência de ponta para dentro do debate da sustentabilidade, da biodiversidade, da conservação do bioma amazônico.”, acredita Tatiana Schor, secretária da SEDECTI. A colaboração teve início em 2020 e, ainda que em meio à pandemia de COVID-19, obteve excelentes resultados. Grande impacto foi gerado sobre o ecossistema de pesquisa e desenvolvimento da região por meio do edital do Programa Biomas, além de contribuir na dinamização do ambiente de empreendedorismo através de contatos e palestras com diferentes atores do circuito estadual de inovação. Ao longo da primeira edição do acordo, o GFI Brasil lançou um edital com apoio institucional da SEDECTI e financiamento da Climate and Land Use Alliance, em busca de projetos de pesquisa para desenvolver produtos e ingredientes a partir de espécies nativas dos biomas Amazônia e Cerrado. Na segunda edição do Acordo, pretende-se que mais projetos do estado do Amazonas sejam contemplados por uma nova fonte de financiamento. Ainda na primeira edição, foram realizadas entrevistas preparatórias com pesquisadores e investidores como parte de um estudo preliminar de fomento a um empreendimento de base tecnológica voltado a produzir linhagens celulares de espécies nativas, tendo o peixe-boi como primeiro estudo de caso. “Temos projetos em desenvolvimento que visam fortalecer a pesquisa em proteínas alternativas e carnes cultivadas, com estratégias que visam trazer novidades desse setor para o Amazonas”, explica Tatiana. Ao longo da segunda edição, as entrevistas para construir uma narrativa que sustente a mobilização necessária do ecossistema de inovação local para este empreendimento serão continuadas. “O desenvolvimento da bioeconomia a partir da biodiversidade e mantendo a floresta em pé é uma atividade mandatória para o futuro sustentável da Amazônia, do Brasil e do mundo. Articular um ambiente integrado de pesquisa e negócios da floresta, na floresta e para a floresta é fundamental nesse sentido. O GFI Brasil, em parceria com a SEDECTI/AM vem trabalhando nesse sentido.”, comentou Alexandre Cabral, diretor de políticas públicas do GFI Brasil.
As 7 tendências globais que vão dominar o setor de proteínas alternativas em 2022

Nossos especialistas globais apontam as tecnologias que devem despontar ou se fortalecer este ano com o amadurecimento da indústria e quais delas já estão acontecendo no Brasil Texto: Bruna Corsato Revisão: Camila Lupetti, Guilherme Vilela, Raquel Casselli e Vinícius Gallon Após anos de crescimento constante, a indústria de proteínas alternativas caminha para uma fase de consolidação, com empresas do setor entrando em estágios mais avançados e aprimorando os produtos que chegam ao mercado. Mas ainda há espaço para crescimento e inovação, além de muitas oportunidades a serem exploradas nesse ambiente. O time de especialistas globais do The Good Food Institute apresenta quais são as tendências que devem dominar o setor em 2022. 1- A fermentação vai abrir novos caminhos para os produtos vegetais A utilização de processos de fermentação na indústria plant-based vem crescendo como um dos pilares da produção de alimentos vegetais e a tendência é que essa posição se consolide através de lançamentos que devem chegar ao mercado em 2022. EM 2021, a norte-americana Perfect Day criou uma proteína de soro de leite (whey protein) a partir de fermentação de precisão, técnica que utiliza microorganismos para produzir ingredientes funcionais específicos, como proteínas, moléculas de sabor, vitaminas e até gorduras. O whey fermentado chegou aos consumidores dos Estados Unidos sob a forma do Brave Robot, o serve de base vegetal da Perfect Day. Mas a lista de lançamentos que aderiram ao novo ingrediente não parou por aí: houve também o cream cheese da Modern Kitchen, mistura para bolo da Climate Hero e até novo leite alternativo no Starbucks. A tendência é que a indústria continue a explorar essa tecnologia, aprimorando características sensoriais de produtos já existentes e criando novidades para conquistar o consumidor. As previsões de lançamentos deste ano incluem: A primeira proteína de ovo fermentado do mundo. A responsável pela inovação é a Every Company e chegará ao mercado através dos smoothies da Pressed Juicery. A Motif Foodworks vai licenciar sua mioglobina HEMAMI para que produtores possam refinar o saber de carne em produtos vegetais A empresa de carnes Hormel vai passar a incorporar a microproteína, carne feita a partir de fermentação, em sua linha vegetal por meio de uma parceria com a Better Meat Co. Já no ano passado a Nature´s Fynd conseguiu aprovação do FDA para comercializar sua proteína fermentada Fy, e a previsão é de que chegue às gôndolas ainda esse ano. Esse é só o começo, prepare-se para ouvir falar muito de fermentação no mercado plant-based em 2022. 2- Mix de tecnologias para criar produtos híbridos Quando falamos em proteínas alternativas, estamos nos referindo a uma categoria que inclui diversos processos de produção resultando em produtos à base de plantas, de fermentação e de cultivo de células. A tendência é que esse ano vejamos produtos feitos através da combinação dessas tecnologias chegarem ao mercado, que são conhecidos como produtos híbridos: Por exemplo, o Impossible Burguer é feito à base de plantas mas leva em sua composição do heme (molécula de proteínas rica em ferro) derivado de fermentação, o que confere gosto similar a carne. Muitas empresas de leite e queijo vegetais estão usando técnicas tradicionais de fermentação em nozes e outros ingredientes à base de plantas para obter o sabor lácteo autêntico e cremoso do queijo convencional. Podemos esperar produtos híbridos de carne cultivada e proteínas vegetais, tanto para reduzir custos quanto para atrair consumidores que procuram recursos nutricionais como fibras. Esperamos ver ainda o lançamento de carnes vegetais aprimoradas com gordura cultivada, melhorando as propriedades sensoriais. Além disso, deve se tornar mais comum o uso de machine learning e inteligência artificial no desenvolvimento do perfil de sabor e textura de produtos vegetais para se aproximar mais da experiência sensorial da carne tão desejada pelo consumidor. Empresas como a NotCo, Culture Biosciences e Climax Foods já estão atuando nessa direção. 3- Produtos vegetais se tornarão cada vez mais segmentados e fiéis aos produtos animais 3.1 Frutos do mar: o investimento neste setor bateu recorde em 2021, chegando a $116 milhões de dólares. Já são mais de 87 empresas no setor produzindo frutos do mar a partir de plantas, fermentação ou cultivo de células. A expectativa é de que esses produtos cheguem a lojas e restaurantes já em 2022. No Brasil: A Fazenda Futuro lançou no ano passado o primeiro atum à base de plantas do mercado brasileiro. Disponível tanto no Brasil quanto na Europa, o produto vem pronto para consumo e é feito com soja, ervilha, grão-de-bico, azeite de oliva, rabanete e óleo de microalgas para garantir 183 gramas de ômega-3 (por 100g). A linha Incrível Seara conta com iscas de peixe. Cada porção tem 12 gramas de proteína vegetal, além de ser fonte de ferro e vitamina B12, e não conter gordura trans. A The New dispõe de análogos vegetais de salmão e bacalhau em sua linha de produtos. A startup Sustinere Piscis, fundada pelo biólogo Marcelo Szpilman, atua para criar a primeira carne de peixe cultivada. 3.2 Cortes inteiros de carne: 2022 deve ser o ano em que vamos ver cortes inteiros de carnes vegetais se tornar realidade, contemplando uma variedade maior de preparos na cozinha. Já está no mercado o filet mignon vegetal da Juicy Marbles e a Umiami está desenvolvendo uma nova tecnologia para produzir cortes inteiros em escala. No Brasil: Incrível Seara já conta com uma linha de cortes inteiros que incluem bife, tiras de carne, cubos e filé de frango. A Sadia Veg & Tal tem uma linha de frango vegetal nas opções em cubos ou em tiras. A linha de produtos da Verdali inclui frango em tiras, costelinha, mignon e steak. Fazenda Futuro tem uma opção de frango em cubos. The New tem filé de frango e salmão. 3.3 Ovos: esta é uma das categorias plant-based que cresce mais rapidamente, com espaço para produtos como ovo cozido, clara de ovos e uma mistura para que sirva para o preparo de diversos pratos. Vemos grande potencial no uso da fermentação para produzir ingredientes de ovo que melhorem
China anuncia inclusão de carnes cultivadas em planejamento para os próximos 5 anos

Novas medidas visam aumentar práticas de sustentabilidade e segurança alimentar no país incentivando “alimentos do futuro” Texto: Bruna Corsato Revisão: Alexandre Cabral e Vinícius Gallon Créditos da imagem: Aleph Farms O Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China anunciou o plano agrícola do país para os próximos cinco anos. O documento inclui carnes cultivadas, chamadas pelos chineses de “alimento do futuro”, como parte do planejamento para lidar com as questões de sustentabilidade e segurança alimentar no país. A decisão inédita solidifica a expansão e aceitação pelas quais o setor de carne cultivada passa no mundo todo. A decisão inédita do país asiático de produzir carne cultivada em escala até 2027 também sinaliza iniciativas do governo chinês para mitigar os efeitos da crise climática. A China é o país responsável pelo maior índice de emissão de gases de efeito estufa no mundo todo, sendo boa parte proveniente da pecuária. Segundo pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas em 2014, 14,5% das emissões de gases de efeito estufa mundiais são provenientes da pecuária e, destes, 29% vêm da China. “Ao incluir tecnologias alimentares revolucionárias, como a carne cultivada, os líderes chineses estão dizendo publicamente o que outros ao redor do mundo esperavam há muito tempo: que a China pretende se empenhar na construção do futuro dos alimentos”, disse Mirte Gosker, diretora executiva do The Good Food Institute Ásia Pacífico. O investimento em produção de carne cultivada permite que a China diminua as emissões geradas pela pecuária tradicional e importação de carne, que aumentaram signficamente após surtos de peste suína africana no país em 2019 e 2020 – trazendo também questões de segurança alimentar para o centro do debate nacional chinês. A carne cultivada diminui significativamente o risco da transmissão de doenças como essas, pois é produzida fora do animal, em ambiente controlado. O setor de carne cultivada vem mostrando desenvolvimento promissor nos últimos anos, mas ainda são necessários grandes investimentos em pesquisa para que a tecnologia consiga ganhar escala comercial, além de regulações e legislações favoráveis por parte dos governos nacionais locais. A iniciativa da China certamente é um passo nessa direção e deve dar início a uma fase de aceleração em pesquisa científica no mercado. “Esta é uma das ações políticas mais importantes na história das proteínas alternativas.”, conclui Josh Tetrick, CEO da empresa de ovos vegetais Just Inc. Brasil também está na corrida para liderar o mercado de carne cultivada No Brasil, já são vistos movimentos similares acelerando o desenvolvimento dessa indústria por aqui. Com apoio técnico do The Good Food Institute Brasil, A JBS entrou para o setor de carne cultivada investindo USD $100 milhões, um recorde para o setor. O valor foi direcionado ao início da construção do Centro de Pesquisa em Proteína Cultivada no Brasil, que deve ser inaugurado ainda este ano, e à aquisição da espanhola BioTech Foods, uma das líderes no desenvolvimento de biotecnologia para a produção de proteína cultivada. O apoio técnico do GFI Brasil também possibilitou outra parceria envolvendo uma gigante de carne tradicional, a BRF. Cooperação firmada com a israelense Aleph Farms, fará uso do know-how da foodtech para adaptar produtos de carne cultivada para o gosto do brasileiro. Em um segundo momento, uma unidade fabril será construída em território nacional para atender o mercado interno. Outro avanço significativo para o setor foi realizado pelo Banco de Células do Rio de Janeiro (BCRJ), que anunciou ter cultivado tecidos de quatro espécies de carne de pescado. A previsão é de que a foodtech tenha um protótipo de seus produtos para teste já em 2022. Já são vistas também iniciativas de capacitação profissional para atuação na área. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem oferecido regularmente cursos relevantes para o setor, como “Carne Cultivada e Empreendedorismo” e “Introdução à Zootecnia Celular“, ambos realizados em parceria com o GFI Brasil. Além disso, o GFI organizou um workshop para os reguladores do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (DIPOA/MAPA) e da Gerência Geral de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (GGALI/Anvisa). O evento abordou técnicas de cultivo celular para a obtenção de produtos cárneos, bem como questões a serem consideradas no processo de regulação para garantir a segurança alimentar do processo e do produto final. No Brasil, a Secretaria Geral de Alimentos da Agência Nacional de Saúde (ANVISA) e o DIPOA/MAPA, serão responsáveis por analisar os pedidos de aprovação de produtos cárneos cultivados. “A ANVISA está empenhada em compreender os desafios de segurança alimentar e rotulagem impostos pela carne cultivada e está em processo de desenvolvimento de uma estrutura regulatória que abranja produtos cárneos cultivados. O GFI Brasil propôs em 2021 um protocolo único para carne cultivada dentro da estrutura de novos alimentos existente no Brasil. Esperamos que o Brasil realize uma análise de impacto regulatório em 2022”, afirmou Alexandre Cabral, diretor de políticas públicas do GFI Brasil.. De acordo com a ANVISA, o Brasil planeja adotar um modelo semelhante ao dos Estados Unidos e da União Europeia. As empresas primeiro enviarão uma solicitação incluindo informações sobre seu produto ao regulador no início do processo de pesquisa e desenvolvimento. Então, o regulador analisará a segurança do produto, provavelmente sob a atual estrutura regulatória de novos alimentos.
R & S BLUMOS lança primeira carne vegetal bovina à base de proteína de feijão carioca, custando menos de R$30,00 o kg

A novidade foca no food service e foi lançada no Dia Mundial das Pulses, durante feira do agronegócio, em Cascavel-PR Texto: Bruna Corsato Revisão: Vinícius Gallon Créditos de imagem: R & S BLUMOS Anos de crescimento da indústria plant-based no país levaram ao surgimento de uma demanda entre as empresas do setor: o desenvolvimento de matérias-primas nacionais para serem utilizadas na composição de produtos feitas de planta. Pesquisa realizada pelo The Good Food Institute Brasil mostrou que 84% das empresas de proteína vegetal brasileiras considera essa uma prioridade alta. A R & S BLUMOS, empresa que fornece ingredientes e tecnologias inovadoras para a indústria, mostra que é possível fazer uso da biodiversidade do país para atender às demandas da indústria. A Carnevale WUT, proteína vegetal feita a partir de matérias-primas 100% nacionais como a soja não-transgênica e concentrado de feijão carioca, foi desenvolvida utilizando extrusão úmida, tecnologia que possibilita produzir fibras de carne vegetal análogas às de animais. O produto será lançado custando menos de R$30,00 o kg para o food service, antecipando as previsões do setor de proteínas alternativas de vender carne vegetal mais barata do que a convencional em 2023. “O produto promete chegar ao consumidor a um preço bastante competitivo. Sem dúvida, esse lançamento está alinhado com o que temos observado sobre os anseios do consumidor a respeito desse novo mercado”, pondera Raquel Casselli, gerente de engajamento corporativo do GFI Brasil. As vantagens do Carnevale WUT vão além de preço acessível e ingredientes nacionais. Ao passar pelo processo de extrusão úmida, o produto já é cozido, o que significa mais praticidade no preparo sem perda de rendimento do prato final. “Pela primeira vez, estamos criando uma proteína 100% brasilera com com aptidão para análogos de carne bovina de panela.” conta Fernando Santana, da R & S BLUMOS. A ideia é de que encontre um grande mercado no food service e entre chefs de cozinha e depois, com algumas atualizações, que chegue aos açougues”, conta Fernando Santana, diretor de vendas da R & S BLUMOS. O lançamento aconteceu durante o Show Rural Coopavel, evento anual com foco em inovação tecnológica e sustentabilidade para o agronegócio, explicitando as oportunidades de colaboração entre produtores rurais nacionais e o mercado plant-based. “O agro brasileiro vai se beneficiar muito pois este produto tem um potencial gigante tanto de exportação quanto de consumo no mercado local.”, explica Fernando. Lançamentos como este sinalizam a consolidação do mercado de proteínas alternativas no Brasil, que segue crescendo de forma mais madura à medida que as empresas investem em novas tecnologias e conquistam ainda mais os consumidores. “O lançamento de hoje une diversos aspectos que o consumidor brasileiro vem demonstrando procurar em produtos vegetais. O seu formato pronto para ser utilizado em receitas do dia dia, utilizando ingredientes nacionas, aproveitando a nossa biodiversidade, ingredientes produzidos pelo nosso agronegócio e também a questão do custo, cada vez mais decisivo na decisão de compra do consumidor.”, conclui Raquel.
A nova carne vegetal tem mais em comum com o churrasco de domingo do que você imagina

O setor de proteínas alternativas, conhecido por suas inovações, agora aposta em uma técnica milenar para produzir de alimentos e bebidas pro Bruna Corsato O setor de proteínas alternativas é reconhecido por suas tecnologias disruptivas, do cultivo de células para criar músculo e gordura animal a cortes de carne feitos em impressora 3D. Aprimorar as técnicas disponíveis e despontar à frente com a próxima inovação que aprimore a experiência de consumo lançou as empresas de produtos vegetais em uma verdadeira corrida pelo santo graal vegetal. Entretanto, o que vem ganhando cada vez mais espaço nesse cenário não é exatamente uma nova descoberta: é a fermentação. Apesar de ser uma técnica de produção milenar e amplamente utilizada na produção de diversos alimentos e bebidas, de pão à cerveja passando por tempeh e kimchi, sua aplicação na criação de alimentos que mimetizam a carne animal é relativamente recente e ainda tem muitas oportunidades a serem exploradas. A fermentação continua sendo o que se ensina nas escolas: processo no qual os microrganismos realizam a transformação de matéria orgânica em outros produtos e energia. Ou seja, é a forma que esses seres encontram de produzir energia para o desempenho de suas funções biológicas. O que a torna atrativa para as empresas do setor é sua versatilidade, baixo custo e, principalmente, seus resultados. Através da técnica é possível entregar sabor, textura e aparência muito similares ao produto animal, uma exigência cada vez mais presente entre os consumidores flexitarianos. Conheça os diversos processos de fermentação: A fermentação tradicional utiliza bactérias e fungos, grupo que inclui bolores e leveduras, no processamento de ingredientes vegetais para transformá-los em alimentos com sabor e textura realçados. Esse é o caso do tofu e do tempeh, ambos feitos a partir dos grãos de soja fermentados. Queijos e iogurtes também passam pelo mesmo processo, tanto o de origem animal quanto o vegetal. Biomassas vegetais também são excelentes matérias-primas/substratos para fermentação, sendo uma forma rápida e eficiente de produzir grandes quantidades de alimentos ricos em proteínas. No conceito de fermentação de biomassas ocorre o desenvolvimento de fungos filamentosos que produzem a micoproteína ou proteína de micélios, uma biomassa fúngica semelhante a um filamento. Esse filamento tem alto teor de proteína e dará origem a análogos à carne com textura similar à carne. Proteína de micélios O nome soa como novidade, mas o micélio nada mais é do que o leque de estruturas finas, similares a raízes, que fungos e cogumelos formam embaixo da terra enquanto crescem. A proteína micelar está causando grande impacto na indústria de proteínas vegetais devido a sua eficiência, resultando em grandes quantidades de proteína a custos baixos quando comparados com outras formas de produção de carne vegetal. O processo acontece em câmaras giratórias que alimentam o fungo com uma solução nutritiva para o seu desenvolvimento, normalmente levando açúcar e uma matéria-prima vegetal como trigo, soja, ervilha e muitas outras. Após poucos dias, o micélio está pronto para ser colhido em grandes quantidades pelas próximas semanas ou até meses. A micoproteína então é congelada para unir suas raízes longas, que conferem ao produto final a textura similar à carne. Por fim, a proteína de micélios pode ser moldada em diversos tipos de carne vegetal. Outra grande vantagem é sua maleabilidade e versatilidade. O micélio pode ser a solução para mimetizar a textura e entregar cortes inteiros de carne pela formação de suas estruturas, resolvendo assim um dos maiores desafios enfrentados atualmente pela indústria de proteínas alternativas. O cenário internacional Já existem diversas foodtechs se aventurando na fermentação sob diversas formas e também apostando na proteína micelar como a nova revolução plant-based. Conheça algumas marcas: Meati Foods – Produz carne de frango, bife e embutidos vegetais a partir de micélio. A empresa norte-americana está realizando testes de mercado em restaurantes selecionados para alcançar preços silimares ao produto animal e passar a comercializá-los já em 2022. Nourish Ingredients – A empresa australiana faz uso da fermentação de precisão para produzir gorduras livres de origem animal, utilizadas para realçar o sabor e palatabilidade de produtos vegetais. Nature´s Fynd – a foodtech recebeu este ano aportes de 250 milhões de libras, tornando-a a startup de micoproteína mais valiosa do mundo. MycoTechnology – utiliza fermentação como ferramenta para aumentar a saudabilidade dos alimentos, diminuindo a quantidade de sal, gordura e açúcar, transformando fungos em um aprimorador de sabores. Estes bloqueiam os receptores de amargor da língua, minimizando o gosto ruim de adoçantes artificiais como o aspartame. A fermentação de precisão é outro processo onde se aplicam os conceitos de fermentação, porém neste caso, usa-se de hospedeiros microbianos como “fábricas de células” para produção de proteínas e outros ingredientes funcionais como: gorduras, aromas, vitaminas, pigmentos que permitem elaborar produtos análogos de carnes, de ovos, lácteos, frutos do mar e muito mais. Esta tecnologia tem a capacidade de transformar microrganismo numa fábrica de células para a produção de ingredientes funcionais específicos. Esses ingredientes funcionais são importantes na melhoria sensorial e nas características de funcionalidade de produtos plant based. Alguns exemplos são: Perfect Day – produz proteínas lácteas pelo processo de fermentação de precisão, estas proteínas são idênticas às do leite porém uma proteína que não para do animal para ser obtida. São utilizadas na produção de produtos lácteos feitos de plantas conferindo características similares aos produtos lácteos de origem animal Impossible Foods – que produz proteína leghemoglobina que confere aparência de sangue e gosto de carne no hambúrguer feito de plantas. E o Brasil? Por aqui, proteínas alternativas produzidas a partir de fermentação ainda são uma conversa bastante nova. A rica biodiversidade do país pode, mais uma vez, vir a ser uma grande vantagem se utilizada estrategicamente. “Uma das vantagens de se investir em fermentação no Brasil, é justamente o fato do país ser uma grande potência agrícola e possuir diversas fontes de proteínas vegetais nacionais a serem exploradas.”, explica Luciana Fontinelle, especialista de ciência e tecnologia do GFI Brasil. “Muitas vezes estas fontes apresentam barreiras tecnológicas e/ou sensoriais para serem utilizadas na produção de produtos plant
Proteínas alternativas são aliadas na garantia de um futuro mais sustentável

Na contramão das inovações alimentares, iniciativas tentam barrar o desenvolvimento do setor, mas este é um mercado do “e” e não do “ou”. Há espaço e demanda para toda a indústria. Texto: Alexandre Cabral Revisão: Vinícius Gallon Mais um ano se inicia. Deixamos para trás um ano complexo, onde a vida em geral foi novamente pautada pela pandemia, onde experimentamos o alívio da vacinação de grande parte da população e a incerteza sobre novas variantes do vírus e seus efeitos. Abrimos um ano onde temos a sensação de estarmos na segunda metade da luta contra a Covid-19 e a certeza de que algo de novo precisa ser feito na relação entre o homem e o planeta. Hora de ouvir os ecos das discussões sobre sistemas alimentares (UNFSS) e suas conexões com os desafios da sustentabilidade (COP26). Hora de olhar para os números crescentes da fome no mundo. Hora de convergir as forças em prol de um tema crucial que atravessa diversas dessas questões: a oferta de proteína obtida de forma sustentável para consumo humano, não importa a fonte. A indústria da proteína de origem animal intensificou o debate nessa direção, anunciando diversos programas em busca da neutralidade de suas emissões nas próximas décadas, dentre elas Danone, JBS e BRF. A indústria de proteínas alternativas pode colaborar muito neste debate. Está provado que é possível juntar alguns ingredientes usuais na indústria de alimentos com outros desenvolvidos especificamente para esse mercado e criar um alimento gostoso, sustentável e seguro, que pode ser preparado e consumido da mesma forma que o produto de origem animal, mas utilizando uma quantidade radicalmente menor de terra e água em seu processo produtivo. Essa é uma corrida tecnológica que está acontecendo em diversas partes do mundo e tanto as empresas quanto os cientistas brasileiros estão muito bem posicionados. Trata-se de um campo fértil para a inovação e o Brasil sempre se destacou em avançar tecnologias que já dominava antes. Somos uma potência em alimentos e temos tudo para sermos uma potência também em alimentos de alta tecnologia, como os produtos plant-based e as carnes cultivadas. Somos hoje o celeiro do mundo, imbatíveis e fundamentais no fornecimento de commodities agrícolas. Como disse um importante executivo do setor, podemos nos tornar rapidamente o supermercado do mundo, fornecendo produtos de alto valor agregado desenvolvidos e fabricados no Brasil. Reimaginarmos a forma como obtemos proteína para consumo humano é urgente e fundamental. As proteínas alternativas, como chamamos os produtos análogos aos de origem animal obtidos a partir de plantas, por processos de fermentação ou por cultivo de células, é uma das alternativas concretas para ajudarmos o Brasil na sua transição para uma agricultura de baixo carbono. Lado a lado com as proteínas sustentáveis de origem animal, podemos formar uma resposta consistente do nosso país e da nossa economia agrícola ao novo cenário de médio prazo, onde diferentes fontes de obtenção de proteína para consumo humano conviverão. Esse é um mercado “E”, e não um mercado “OU”: há espaço e demanda para atuação de todos. O papel do GFI é ser um catalisador dessa mudança, estimulando a produção de proteína sustentável para consumo humano através de análogos aos produtos de origem animal. Hora de rever o que foi feito ou deixou de ser feito e alinhar ideias e atitudes para o ano que se inicia. O mercado de produtos análogos aos produtos de origem animal vem crescendo muito. Nascido em 2019 a partir do movimento de algumas poucas empresas, veio tomando corpo em 2020 e se consolidou em 2021. Diversas empresas de diferentes portes passaram a operar no mercado nacional e hoje tanto o consumidor brasileiro tem acesso a produtos saborosos e seguros em qualquer supermercado quanto ele já é exportado para mais de 25 países, incluindo Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Alemanha, Emirados Árabes, África do Sul, México, Colômbia e tantos outros. O principal desafio para as empresas em 2022 é caminhar na direção do aumento ao mesmo tempo da escala de produção e do número de ingredientes nacionais utilizados. Isso poderá permitir a produção a um custo cada vez mais baixo, para um público cada vez maior. E permitirá produtos de alcance global cheios de “brasilidade” na sua composição. É hora de consolidar a tendência de que o Brasil passe a utilizar em seus análogos de base vegetal seus próprios feijões e pulses como fonte principal de proteína e ingredientes naturais extraídos de forma sustentável da biodiversidade brasileira por meio da agregação de valor local. Assim como no mercado de proteína de origem animal para consumo humano, onde o Brasil é indiscutivelmente protagonista no cenário internacional, a tendência ao protagonismo também no mercado de proteínas alternativas parece ser apenas uma questão de tempo. O mapeamento das empresas mostra desde gigantes do mercado de proteína animal que anunciaram ou iniciaram seus negócios em proteínas de origem vegetal até empresas de médio porte que se posicionaram no setor, passando pelas inúmeras startups que já nasceram com foco neste mercado. Sem esquecer de como o Brasil vem se posicionando no promissor território das carnes obtidas por cultivo celular, com os anúncios da JBS e BRF e o surgimento das primeiras startups no segmento, Ambi e Sustineri. E quando a indústria se move, a pesquisa científica precisa ser chamada a caminhar junto, desenvolvendo a tecnologia necessária para as inovações a serem introduzidas no mercado. A ciência é fundamental para encontrar respostas aos desafios do mercado. O mapeamento das instituições de pesquisa envolvidas com o tema mostra também um engajamento em universidades e institutos de pesquisa de todo o país. Assistimos a um crescimento exponencial do número de empresas atuantes no setor de proteínas alternativas no Brasil e a uma mobilização acadêmica que pode sustentar um cenário muito favorável de crescimento. Mas nem tudo são flores nesta cena. E nem esperávamos que fossem. Fechamos 2021 e estamos abrindo 2022 com algumas ações contrárias ao desenvolvimento deste setor no Brasil. Descontentes com o nosso discurso, alguns movimentos e associações se posicionaram na mídia e judicialmente tentando
84% das empresas brasileiras gostaria de ter mais matérias-primas nacionais para produzir produtos vegetais

Texto: Bruna Corsato Revisão: Camila Lupetti, Cristiana Ambiel, Katherine de Matos e Vinícius Gallon Pensando em acelerar a inovação na indústria de proteínas alternativas, o GFI realizou a pesquisa “Oportunidades e Desafios na Produção de Produtos Feitos de Plantas Análogos aos Produtos Animais”. Através da contribuição de 21 empresas atuantes nas indústrias do mercado de produtos vegetais no Brasil atualmente, foram identificados os maiores desafios no desenvolvimento de produtos à base de plantas análogos aos produtos animais com a qualidade, preço e as características sensoriais buscadas pelos consumidores. A partir das informações compartilhadas, o GFI Brasil identificou sete linhas de pesquisa prioritárias para o avanço do mercado de produtos vegetais no Brasil, sendo as principais: O desenvolvimento de matérias-primas e ingredientes nacionais foi apontado como a maior prioridade entre as empresas, com 84% das respostas. A oferta de opções nacionais no mercado brasileiro ainda é limitada, com a soja sendo predominante. A dependência da importação eleva os custos de produção, impactando o preço final do produto na prateleira e o acesso de muitos brasileiros aos produtos análogos vegetais. Entretanto, a biodiversidade do Brasil possui uma grande variedade de matérias-primas com potencial para se tornar fonte de proteína para a indústria plant-based, como feijões, arroz, aveia, centeio, milho, amendoim e mais. A pesquisa científica é o elo que falta para transformar esse potencial em realidade. Pesquisas adicionais são necessárias para definir os processos de extração adequados para cada uma das proteínas, além de melhorias das funcionalidades proteicas e nutricionais, o que proporcionará um produto final de maior qualidade e menor custo. Matérias-primas e ingredientes com melhores funcionalidades tecnológicas vieram em segundo lugar, com 72% das empresas apontando essa como uma alta prioridade. O consumidor busca nos produtos vegetais cada vez mais a experiência sensorial do produto tradicional, ou seja, que o queijo derreta e gratine, que o sorvete seja cremoso, que o hambúrguer tenha suculência. É possível entregar essas características aprimorando as funcionalidades das proteínas, gorduras e carboidratos e também através da ação de certos aditivos. Para chegar na experiência sensorial desejada pelos consumidores, é fundamental ter estudos de desenvolvimento de ingredientes com funcionalidades para dar estrutura aos produtos, uma vez que os agentes de textura disponíveis atualmente possuem desempenho incompatível com as necessidades do mercado. Diversificar a oferta de ingredientes que mimetizam o sabor característico dos produtos animais em análogos de plantas veio em seguida, com 68% das respostas. Este dado reflete uma demanda vinda diretamente do mercado, que busca sabor, aroma e textura igual ou melhor do que do produto tradicional nos alimentos vegetais. As proteínas vegetais ainda apresentam forte sabor residual, o que torna mimetizar completamente o produto animal um grande desafio para a indústria. A construção do sabor dos produtos deve ser feita de forma que resulte em maior naturalidade no produto final. Portanto, o desenvolvimento de ingredientes que atendam a essas demandas representa grande oportunidade para as empresas do setor. Os produtos com apelo clean label têm sido cada vez mais valorizados e procurados pelos consumidores, como reflexo da alta preocupação com a saúde entre os brasileiros. Somos o quarto país no ranking de consumo de alimentos saudáveis, um setor que tem crescido 25% ao ano desde 2009, segundo a Euromonitor. Como reflexo dessa demanda de consumo, pesquisar novos processos e ingredientes para obter produto final com apelo clean label foi apontado por 64% das empresas como prioridade. Atualmente, os produtos vegetais ainda possuem formulações complexas e com muitos ingredientes com os quais o consumidor não é familiarizado, tornando, muitas vezes, os rótulos difíceis de serem compreendidos e criando barreiras para a compra. Por isso, é necessário simplificar as formulações para ir ao encontro dessa vontade do consumidor. Uma possibilidade de viabilizar esse esforço é realizar pesquisas que desenvolvam alternativas para substituir aditivos, aromas e corantes modificados por ingredientes conhecidos pelo brasileiro. Ampliar soluções para obter produto final com características nutricionais desejadas foi indicada como uma necessidade por 64% dos respondentes. Dentro do contexto brasileiro, a maioria dos consumidores de produtos feitos de plantas é composta por pessoas que reduzem o consumo de produtos animais, com esse grupo chegando a 49% da população em 2020, de acordo com pesquisa do GFI Brasil.. Por isso, é importante que o produto final atenda à demanda desse grupo e entregue as características de saudabilidade desejadas. Ou seja, produtos que mimetizam o tradicional com valor nutricional equiparado ou superior ao do produto de origem animal. Em um mercado cada vez mais competitivo, a qualidade nutricional pode ser um dos principais diferenciais competitivos. Por isso, é importante que a indústria se dedique a aprimorar características nutricionais como diminuir o teor de gordura e sódio, aumentar o teor de proteína e fibras, etc. Também com 64%, duas prioridades similares: aumentar a oferta de ingredientes que mimetizam a textura característica e que mimetizam a gordura dos produtos tradicionais. Esses itens reforçam a necessidade de matérias-primas e ingredientes que tenham desempenho compatível com as necessidades do mercado para mimetizar os produtos de origem animal. Replicar o sabor e textura da gordura animal ainda é particularmente desafiador para a indústria, assim como as propriedades nutricionais do ômega-3 encontrado em frutos do mar e peixes. Conforme a demanda por carne e frutos do mar vegetais cresce, novas fontes e métodos de produção serão necessários para garantir o perfil sensorial esperado pelo consumidor. Desenvolver produtos que vão ao encontro dessa combinação de fatores representa tanto uma grande oportunidade quanto um grande desafio para o futuro da indústria. A partir dessas informações, nossos especialistas identificaram as seguintes áreas de oportunidade para o setor de proteínas alternativas: Textura – proteínas com texturas diferenciadas e melhores funcionalidades, tecnologias adequadas para formação de fibra, retenção da gordura e umidade (suculência e sensação de preenchimento). Sabor – reduzir sabor residual de proteínas vegetais, maior naturalidade, aromatização natural. Experiência de consumo – derreter, gratinar (queijos), cor (mudar durante cozimento), textura, sabor e aparência. Custo – Paridade, similaridade. Nutrição – equivalência nutricional, redução de sal e gordura saturada. Clean label – estabilizantes (substitutos
Transição no sistema alimentar é necessária para garantir a vida na Terra

Texto: Victória Gadelha Revisão: Vinícius Gallon A meta estabelecida pelo Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura terrestre a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais demanda uma redução drástica das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Nos últimos anos, muitos avanços tornaram os setores de transportes, indústrias e energia mais limpos. No entanto, por mais fundamentais que sejam todos esses esforços, eles ainda são insuficientes para limitarmos o aquecimento do planeta. Isso porque o sistema alimentar global é também um dos principais emissores de GEE mas, diferente dos outros setores, seus impactos foram historicamente mal compreendidos e, só agora, começaram a ser expostos com clareza – e com a seriedade que a situação demanda. Estudos mostram que, mesmo se todas as emissões de combustíveis fósseis fossem imediatamente zeradas, as emissões do sistema alimentar global por si só tornariam impossível limitar o aquecimento a 1,5°C e ameaçariam, inclusive, um aumento acima de 2°C. Por isso, para cumprir os objetivos do Acordo de Paris e garantir um futuro seguro, é urgente mudar a forma como nós produzimos alimentos e, principalmente, a forma como nós consumimos proteínas. O sistema alimentar é responsável por 34% das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. A produção de proteína animal, sozinha, gera metade desse valor, que é maior do que as emissões totais (de todos os setores combinados) dos EUA. Essas emissões vêm de várias fontes, principalmente do desmatamento (para abrir pastagens e plantar os grãos que viram ração dos animais de abate), da produção e do uso de fertilizantes e agroquímicos, da fermentação entérica e do esterco dos ruminantes (que, juntos, são responsáveis por 30% das emissões de metano) e da queima de combustíveis fósseis na cadeia de produção e abastecimento de alimentos. A pecuária (pastagem e produção de grãos para ração) ocupa mais de 70% de todas as terras agrícolas do mundo e 30% da superfície terrestre. Mesmo assim, fornece apenas 17% do suprimento alimentar da humanidade. Com a população mundial prevista para alcançar 10 bilhões de pessoas em 2050, é esperado que o consumo de carne aumente a ponto de dobrar nos países de renda média. E dobrar a produção desse setor, sem mudar seus métodos, significa dobrar todos os impactos que ele gera – em um mundo com recursos naturais já esgotados. É por isso que as proteínas alternativas se apresentam como uma solução potente e escalável para uma transição eficaz no sistema alimentar. Novo estudo do The Good Food Institute com o Climate Advisers indica que uma mudança no consumo de proteínas é capaz de fornecer de 14 a 20% da mitigação de emissões que o mundo precisa até 2050 para não ultrapassar o aquecimento de 1,5°C. Além disso, é capaz de acelerar outras soluções naturais ao, por exemplo, liberar milhões de hectares de terras que podem ser destinada para estratégias de conservação, gestão com foco no clima, segurança alimentar, proteção da biodiversidade, etc. As proteínas alternativas podem ser divididas em dois tipos principais: feitas de plantas (plant-based), que são produtos feitos de vegetais que imitam o sabor, formato e textura das carnes (bovina, suína, de frango, peixe, frutos do mar…), laticínios e derivados; e carne cultivada, fabricada diretamente a partir de células animais, resultando num produto igual ao convencional. A alta eficiência de ambas no uso da terra em relação à carne bovina é, sem dúvidas, uma das suas maiores vantagens, já que precisam de até 99% e 95% menos solo para serem produzidas, respectivamente. Ao invés de usar terras para cultivar os grãos que alimentam os animais que, por sua vez, são abatidos para nos alimentar – e ocupar mais terras para criar todos esses animais – as colheitas podem ser usadas diretamente para produzir carne à base de plantas. Dessa forma, deixamos de “terceirizar” a ingestão de proteínas através do animal e podemos tirar esse intermediário da equação. Com isso, todo o metano e o óxido nitroso gerados pela digestão e decomposição do estrume dos ruminantes deixa de ser emitido e, como dito anteriormente, as vastas terras poupadas podem ser destinadas para práticas regenerativas e de preservação. Tanto a carne vegetal quanto a cultivada concentram seu gasto de energia em instalações que podem ter uma pegada de carbono mínima se alimentadas com energia renovável, emitindo pouco ou nenhum GEE. Assim como painéis solares e carros elétricos, as proteínas alternativas precisam ser amplamente consumidas para passarem a assumir um papel de protagonismo na redução global de gases de efeito estufa. Apesar desse momento ainda não ter chegado, as inovações do setor seguem em ritmo impressionante e indicam que, logo, as proteínas alternativas poderão competir em sabor e preço com todo tipo de carne animal. Os produtos substitutos para carne bovina, suína e de frango já se popularizaram e estão sempre presentes em mercados e hamburguerias como uma opção para vegetarianos e veganos, mas os avanços em relação a alternativas para peixes e frutos do mar também surpreendem e, em termos de impactos ambientais, têm uma relevância importantíssima – que muitas vezes é menosprezada. Além da pesca predatória agredir os ecossistemas marinhos ao retirar do mar trilhões de animais todos os anos, muitos peixes selvagens (como atum, bacalhau e salmão) já são pescados acima da capacidade máxima e passam a integrar a lista de espécies em extinção. O desenvolvimento de peixes e frutos do mar alternativos pode aliviar a pressão sobre a pesca industrial e os sistemas de aquicultura, que não vão conseguir suprir a lacuna entre oferta e demanda que deve se formar nos próximos anos. Ao mesmo tempo, as proteínas alternativas reduzem em até 91% a poluição dos oceanos (Causada pelo escoamento agrícola) e também poupam todos os outros recursos aquáticos, uma vez que precisam de até 99% menos água para serem produzidas do que a carne animal). Os ganhos ambientais proporcionados por essa transição no sistema alimentar são inegáveis, mas ela também oferece benefícios cruciais à saúde global: relatório da FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) de 2013 já indicava