A hora e a vez do “ouro brasileiro”: soja busca mais destaque na alimentação humana

Quando se fala em “Brasil” e “soja”, a associação é quase imediata: atualmente, o país ocupa a liderança como maior produtor global de soja, alcançando aproximadamente 155 milhões de toneladas na última safra. Esse patamar ultrapassa a produção dos Estados Unidos, estimada em cerca de 113 milhões de toneladas, e da Argentina, com algo em torno de 50 milhões de toneladas — números confirmados por instituições como FAOSTAT, USDA e Conab. Seguindo o seu legado de protagonista no campo brasileiro, a soja pode, agora, ganhar um papel renovado no prato do consumidor — e não apenas como óleo de cozinha. Um relatório recém-lançado pelo The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) aponta caminhos para que o grão se consolide como a base proteica de uma nova geração de alimentos análogos à carne, produtos vegetais que imitam sabor, textura e aparência de carnes tradicionais. O documento é fruto de um fórum técnico que reuniu pesquisadores, produtores e representantes da indústria para debater como melhorar a qualidade e a competitividade da soja brasileira nesse mercado emergente. Baseado em escuta qualificada com especialistas de 12 instituições que possuem trabalho profundo com o grão – sendo 7 da academia, 3 da indústria de ingredientes e 2 da indústria de alimentos –, foi possível elaborar diretrizes e mapear oportunidades de pesquisa nesse setor. O que torna a soja um ingrediente central para o mercado de carnes vegetais brasileiro? Barreiras e oportunidades Pesquisas de mercado mostram que o preço é o maior obstáculo para a popularização dos análogos cárneos. Em segundo lugar, consumidores apontam sabor e textura insatisfatórios e desconfiança em relação ao uso de soja ou transgênicos. A solução, diante disso, não é negar os problemas, mas usá-los como um impulso: o relatório aponta que os responsáveis pela manufatura podem ampliar a oferta de infraestruturas locais de inovação e investir em pesquisa aplicada para que cientistas, por sua vez, possam criar caminhos tecnologicamente acessíveis para uma melhor experiência sensorial e eficiência produtiva. Ciência e tecnologia no campo e na indústria Nesse cenário, apesar da abundância da matéria-prima, grande parte dos ingredientes derivados de soja usados pela indústria de carnes vegetais no Brasil ainda é importada, a exemplo de proteínas isoladas e concentradas, que apresentam elevado desempenho funcional. No entanto, em contraponto a isso, o relatório enxerga na farinha de soja desengordurada uma alternativa mais acessível e amplamente disponível no Brasil para a produção de ingredientes voltados ao mercado de carnes vegetais análogas. “Trata-se de um insumo versátil e com perfil nutricional relevante — rico em proteínas, fibras e minerais —, além de apresentar menor nível de processamento e custo reduzido em relação aos concentrados e isolados proteicos de soja. Seu caráter mais integral, aliado ao potencial de utilização em produtos voltados para acessibilidade, valor nutricional e apelo clean label, faz dele uma opção de destaque para formulações em grande escala”, afirma Graziele Grossi Bovi Karatay, especialista em Ciência e Tecnologia do The Good Food Institute Brasil. O relatório também destaca a necessidade de criar cultivares com maior teor e qualidade de proteína, perfil nutricional aprimorado e menor presença de compostos antinutricionais, reforçando a necessidade de pesquisa em melhoramento genético, já no processamento, tecnologias como a fermentação aparecem como uma estratégia para melhorar sabor e aroma de produtos finais. Um novo – e sustentável – ciclo para a soja Se bem planejadas e implementadas, essas ideias podem abrir um novo ciclo econômico para a soja brasileira, diversificando seu uso e ampliando seu valor agregado. Para agricultores, significa possibilidade de novos mercados; para a indústria, mais autonomia e competitividade; e para o consumidor, produtos mais saborosos, nutritivos e acessíveis. “Fortalecer o papel da soja nos análogos à carne é uma estratégia que une ciência, agronegócio e inovação para responder a demandas globais por proteínas mais sustentáveis — mantendo o Brasil na liderança, agora também no campo das alternativas vegetais”, conclui Raquel Caselli, Diretora de Engajamento Corporativo do GFI Brasil. Leia o artigo na íntegra
Uma categoria em construção: os caminhos para destravar o mercado brasileiro de carnes vegetais

Apesar dos avanços tecnológicos e da crescente presença de produtos nas gôndolas desde 2019, a categoria de carnes vegetais ainda enfrenta barreiras para se consolidar no prato do consumidor. O novo estudo “Uma Categoria em Construção”, conduzido pelo Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) em parceria com a consultoria Consumoteca, revela que o desafio não é apenas técnico ou de preço, mas cultural e estratégico: a carne vegetal precisa deixar de ser percebida como substituto restritivo para se tornar uma adição positiva e relevante no cotidiano alimentar do brasileiro. A pesquisa partiu de um tripé metodológico composto por desk research, entrevistas em profundidade com consumidores de diferentes perfis e conversas com especialistas de categorias que conseguiram se consolidar no mercado. O objetivo foi entender como o brasileiro se relaciona com a alimentação, quais símbolos sustentam a centralidade da carne no prato e de que forma a categoria de carnes vegetais pode conquistar relevância sem impor renúncias. Principais achados da pesquisa O diagnóstico é claro: no Brasil, comer é um ato carregado de significados. Mais do que nutrientes, buscamos sabor, prazer, união familiar e sustância. A carne, nesse contexto, ocupa lugar de destaque — é fonte de saciedade, símbolo de status e elemento de pertencimento social. Tirar a carne do prato, para muitos, significa abrir mão de identidade, prazer e saciedade. Essa dimensão simbólica explica por que o vegetarianismo e o veganismo enfrentam resistência, sendo ainda percebidos como estilos de vida restritivos. E, por associação, as carnes vegetais acabam sendo vistas como produtos “de nicho”, exclusivos para aqueles que, por diversas razões, rejeitam a carne animal, e não porque consideram as opções plant-based melhores. O estudo mostra, porém, que há um público em expansão que já reconhece valor nas alternativas vegetais. São consumidores que buscam saúde, leveza e equilíbrio na alimentação. Para eles, a carne vegetal é um aliado funcional: preserva a experiência do sabor, mas com menos gordura e sem a “culpa” associada ao excesso de carne vermelha. Ainda assim, a recompra depende de três fatores centrais: sabor que surpreende, preparo descomplicado e preço competitivo. Desvendando categorias de sucesso “Quando analisamos o histórico de outras categorias que conseguiram vencer resistências culturais, encontramos elementos comuns: clareza de benefícios, definição de ocasiões de consumo, forte exposição no mercado, narrativas simbólicas consistentes e acesso facilitado. Cervejas sem álcool, por exemplo, prosperaram ao resolver a tensão entre socialização e moderação, comunicando prazer sem ressaca. Bebidas proteicas cresceram ao associar conveniência à busca por saúde e performance. Já o leite condensado conquistou relevância ao se tornar parte do repertório afetivo das sobremesas brasileiras”, explica a autora do Estudo, Camila Lupetti, especialista em Inteligência de Mercado no GFI Brasil. Direcionais estratégicos para a categoria Inspirado nesses cases, o GFI Brasil propõe sete direcionais estratégicos para as carnes vegetais. Entre eles, posicionar os produtos como resposta a tensões reais — como a busca por prazer sem culpa —; comunicar benefícios de forma emocional e não apenas técnica; ampliar o portfólio para além de hambúrgueres e nuggets; definir ocasião e formado de consumo; expandir marketing e distribuição; transmitir status e escolher influenciadores que transmitam modernidade e saúde em vez de radicalismo ideológico. A categoria, defendem os autores, deve ser reconhecida pelo que ela oferece de benefícios e não por representar uma restrição ou um sacrifício em relação ao que se deseja comer. As recomendações finais do relatório reforçam a necessidade de políticas públicas e investimentos estratégicos para acelerar esse processo. Incentivos à produção nacional de proteínas vegetais, apoio à inovação científica e financiamento climático são apontados como caminhos para que o Brasil consolide sua posição de liderança global no setor. Para Gustavo Guadagnini, CEO do GFI Brasil, a oportunidade é única: “Temos biodiversidade, capacidade produtiva e relevância geopolítica. Fortalecer a cadeia de proteínas alternativas é mais do que uma questão ambiental: é um vetor de competitividade industrial, geração de empregos e segurança alimentar.” A mensagem central do estudo é que o futuro das carnes vegetais no Brasil não depende apenas de tecnologia ou preço, mas de relevância cultural e conexão direta com os anseios dos consumidores. O desafio é conquistar esse consumidor pelo sabor, conveniência e prazer — entregando ganhos reais em vez de pedir (ou destacar) renúncias. Só assim a categoria poderá deixar de ser promessa e se consolidar como parte estruturante da alimentação brasileira e da indústria de alimentos no país. Leia o estudo completo.
Todos os planos climáticos devem considerar o setor de alimentos. Saiba o que diferentes setores podem fazer para contribuir

Quando pensamos em mudanças climáticas, a atenção costuma recair sobre energia, transportes e desmatamento. No entanto, o sistema agroalimentar, especialmente a produção de carne, é igualmente determinante e muitas vezes permanece à margem das grandes estratégias. Hoje, ele responde por ⅓ das emissões globais de gases de efeito estufa, pela perda de biodiversidade e pela pressão sobre recursos hídricos e terras cultiváveis. A boa notícia é que já existe um caminho capaz de transformar esse cenário: as proteínas alternativas. Desenvolvidas a partir de plantas, por fermentação ou por cultivo celular, essas tecnologias oferecem não apenas uma forma mais sustentável de produzir proteína, mas também um poderoso instrumento para alinhar metas de segurança alimentar, saúde pública e clima. Relatórios do Banco Mundial e da Universidade de Chicago mostram que as proteínas alternativas podem evitar até 6,1 gigatoneladas de CO₂ equivalente por ano — o mesmo que reflorestar seis vezes a área do estado do Amazonas — além de contribuir para o combate à desnutrição e para a redução do preço dos alimentos. Em outras palavras, nenhum plano climático estará completo sem considerar esse setor. Para que isso aconteça, é fundamental que diferentes atores estratégicos incorporem as proteínas alternativas em seus planos, investimentos e políticas públicas. A seguir, exploramos o papel de cinco setores-chave nesse processo: Academia, Setor Privado, Governos, Filantropia, Bancos e Instituições Multilaterais. Academia: ciência e inovação a serviço do clima O papel das universidades e dos centros de pesquisa é insubstituível. São eles que produzem conhecimento, formam profissionais e oferecem a base científica para políticas públicas eficazes. Ao investir em proteínas alternativas, a Academia fortalece a liderança científica em ciências da vida, engenharia e tecnologia, ciências sociais e políticas. Isso significa formar pesquisadores e profissionais capazes de sustentar o crescimento desse novo setor, além de gerar evidências sobre segurança alimentar, nutrição, consumo e impacto socioambiental. Integrar a diversificação de proteínas às agendas de pesquisa e ensino — seja em linhas de pesquisa, cursos de pós-graduação ou hubs de inovação — é essencial para transformar potencial em impacto real. Setor Privado: inovação, escala e novos mercados Empresas de alimentos e tecnologia são as grandes alavancas para levar essas inovações ao mercado. Ao investir em proteínas alternativas, a indústria não apenas diversifica seu portfólio, mas também responde a uma demanda crescente por produtos mais sustentáveis e alinhados às preocupações climáticas e de saúde. Para os líderes empresariais, trata-se de uma oportunidade estratégica: reduzir riscos relacionados à dependência de cadeias de suprimentos vulneráveis, inovar em produtos de alto valor agregado e conquistar consumidores cada vez mais atentos ao impacto ambiental de suas escolhas. Bancos e Instituições Multilaterais: canalizando capital para soluções climáticas Nenhuma transição acontece sem financiamento. Bancos de desenvolvimento, fundos de investimento e instituições multilaterais têm um papel crucial em incluir proteínas alternativas em seus portfólios de financiamento climático. Hoje, bilhões de dólares são direcionados para energias renováveis e mobilidade sustentável. Mas se o setor de alimentos representa quase um terço das emissões globais, por que não direcionar recursos também para inovações que podem transformar radicalmente essa equação? Incorporar proteínas alternativas aos planos de financiamento verde significa alinhar investimento ao impacto real, acelerando a descarbonização do setor. Governos: políticas públicas e planos climáticos nacionais (NDCs) Sem políticas públicas, a inovação não escala e não beneficia toda a sociedade igualmente. Os governos precisam reconhecer oficialmente as proteínas alternativas como soluções climáticas e incluí-las em seus Planos Nacionais de Ação Climática (NDCs). Isso envolve desde criar regulamentações claras e baseadas em ciência até oferecer incentivos fiscais, apoio à pesquisa e programas de fomento à indústria. Ao adotar medidas assim, os países não apenas reduzem suas emissões, mas também geram empregos de qualidade, fortalecem a segurança alimentar e se posicionam como líderes em inovação sustentável. Filantropia: catalisando impacto e reduzindo riscos O capital filantrópico tem o poder de abrir caminho onde o risco ainda afasta investidores privados. Ao financiar pesquisa, campanhas de conscientização e programas-piloto, a filantropia reduz incertezas e acelera a entrada de novas tecnologias no mercado. Mais do que nunca, é hora de fundações e doadores estratégicos apoiarem o desenvolvimento das proteínas alternativas como parte de sua agenda climática. O retorno é múltiplo: além de reduzir emissões, essas iniciativas contribuem para sistemas alimentares mais justos, acessíveis e resilientes. Da promessa à ação O desafio climático é tão grande que nenhuma solução isolada será suficiente. Precisamos de um conjunto robusto de estratégias — e as proteínas alternativas devem estar no centro dessa agenda. Integrá-las a planos e financiamentos climáticos não é apenas uma opção visionária: é uma necessidade urgente. A próxima década será decisiva para o clima e a segurança alimentar global. Cabe a todos nós — governos, empresas, universidades, bancos, organismos multilaterais e sociedade civil — garantir que a transição alimentar esteja plenamente incluída na transição climática. Se você compõe um desses setores e quer saber como pode contribuir, entre em contato conosco. Veja em detalhes o que cada um dos atores citados no artigo pode fazer para contribuir e para se beneficiar com a inclusão das proteínas alternativas em seus planos climáticos