Em junho, a cidade de Bonn, na Alemanha, foi palco da 62ª sessão da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (SB62), uma espécie de “ensaio diplomático” que antecede a realização da trigésima Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), marcada para novembro, em Belém (PA).
Representado por Mariana Bernal, analista sênior de políticas públicas, o The Good Food Institute Brasil esteve presente como um dos observadores da UNFCCC. Confira os principais destaques.
Bonn 2025: bastidores dos processos de negociação
O GFI Brasil continuou seu trabalho no âmbito do Sharm el-Sheikh Joint Work on Agriculture (SSJWA), onde já havia contribuíndo, em parceria com organizações animalistas aliadas, com submissões em parceria para políticas de alimentação baseada em vegetais.
Mas o que é o SSJWA? Essa iniciativa de quatro anos – estabelecida em 2022, em Sharm el-Sheikh, no Egito (durante a COP 27) – dedica-se à implementação de ações climáticas no setor agrícola e de segurança alimentar.
Durante a COP29, no Azerbaijão, as entidades vinculadas apresentaram um portal online para exibir essas ações. Países-membro e Organizações da Sociedade Civil (CSOs), como o GFI, foram convidados a participar.
Em Bonn, por sua vez, o foco do SSJWA baseou-se em abordagens sistêmicas e holísticas para implementar ação climática em agricultura, sistemas alimentares e segurança alimentar, assim como compreensão, cooperação e integração em planos. Para o SB64, programado para junho de 2026, o segundo workshop do grupo será sobre acesso a meios de implementação para ações climáticas na agricultura e segurança alimentar, incluindo o compartilhamento de melhores práticas.
No dia a dia dos países, isso inclui temas como:
Finanças e tecnologia;
Abordagens sustentáveis (agroecologia, agricultura climaticamente inteligente, práticas regenerativas, etc.);
Integração em estruturas nacionais (NDCs, NAPs, TNAs, etc.);
Capacitação e acesso a financiamento;
Coordenação entre órgãos e fundos da UNFCCC;
Gestão de riscos, incluindo sistemas de alerta precoce;
Sustentabilidade do sistema alimentar vinculada à mitigação.
Cabe destacar que o trabalho junto ao SSJWA é essencial para o futuro das proteínas alternativas a nível global. Durante o workshop, o GFI Brasil articulou-se com negociadores da agricultura, além de apoiar uma redação que fosse, de fato, capaz de considerar o sistema alimentar em sua totalidade – incluindo o avanço das proteínas alternativas como estratégia climática fundamental.

O evento em Bonn também foi marcado por discussões sobre o Global Goal on Adaptation (em tradução livre, “Meta global de adaptação”), nas quais o GFI atuou junto a grupos de negociadores para manter indicadores relacionados a sistemas alimentares no radar — ainda que o texto final tenha ficado sem consenso.
Além disso, a 4ª Carta da Presidência da COP 30 foi publicada durante a SB62, apoiada por um briefing da Presidência sobre a Agenda de Ação e um briefing logístico durante as sessões. A agricultura e os sistemas alimentares foram incluídos no item 3 da agenda oficial, apresentando os seguintes subtópicos: restauração da terra e agricultura sustentável, sistemas alimentares mais resilientes, adaptáveis e sustentáveis e acesso equitativo a alimentos e nutrição adequados para todos.
Conferência coproduzida pelo GFI Brasil
No segundo dia de evento, em parceria com Proveg e PAN International, o GFI Brasil coorganizou a conferência Future proofing food: Is protein diversification the key to healthier and sustainable food policies? (em tradução livre, “Alimentos à prova de futuro: a diversificação de proteínas é a chave para políticas alimentares mais saudáveis e sustentáveis?”).
Apesar do espaço menor oferecido pela UFCCC na programação dedicada a conferências paralelas, o Future Proofing Food reuniu representantes do EIT Food, do Ministério da Alimentação, Agricultura e Pesca da Dinamarca e da Proveg, além de 30 participantes na plateia (incluindo representantes da Fundação das Nações Unidas e da própria Convenção-Quadro da ONU).
Na apresentação, destacamos a importância do texto Carne de origem vegetal e alimentos ultraprocessados: o que os profissionais de saúde precisam saber, elaborado pelo GFI Europa e a PAN Internacional. Enfatizamos, também, os desafios e oportunidades para ampliar a adoção de proteínas alternativas no Brasil, em um contexto de políticas alimentares mais saudáveis e sustentáveis.

Caminhos para a COP e a Declaração de Belém por Dietas Ricas em Plantas
Por fim, junto a diversas organizações que atuam no setor – a ProVeg International e Plant Based Canada são alguns desses nomes –, o GFI Brasil assinou a Declaração de Belém por Dietas Ricas em Plantas.
A carta divide-se em 5 pontos essenciais: 1) Mitigação da crise climática; 2) Benefícios na saúde pública; 3) Proteção à biodiversidade; 4) Segurança e resiliência alimentar; e 5) Benefícios econômicos. Ela também chama atenção de governos para o fato de que dietas tradicionais do Sul Global são responsáveis por alimentos ricos em fibras e à base de plantas, e cobra ações diretas que ajudem a promover sistemas alimentares mais saudáveis e resistentes ao clima.
Essa declaração ganha uma urgência ainda maior quando se considera que os sistemas alimentares geram cerca de um terço (34%) das emissões de gases de efeito estufa no mundo e representam 74% das emissões totais do Brasil. Nessa conjuntura, as proteínas alternativas têm a capacidade real de adaptação climática, podendo poupar 12% das terras agrícolas do mundo e frear o desmatamento.
Confira um trecho:
“Tendo em vista a próxima Conferência das Partes da UNFCCC no Brasil, apelamos aos Estados-Membros da ONU para que:
- Estabeleçam Planos de Ação Nacionais para Alimentos à Base de Plantas, a fim de promover dietas saudáveis e sustentáveis – da fazenda à mesa – com o objetivo de aumentar a segurança alimentar e a resiliência, melhorar a saúde pública, mitigar as mudanças climáticas, proteger e restaurar a biodiversidade, proporcionar benefícios econômicos e garantir a coerência das políticas.
- Comprometam-se com um prazo para a publicação dos Planos de Ação Nacionais para Alimentos à Base de Plantas a tempo de serem apresentados para discussão na COP32 em 2027.
- Comprometam-se a apoiar financeiramente a implementação dos Planos de Ação Nacionais para Alimentos à Base de Plantas a partir dos orçamentos de promoção agroalimentar.”
Referências:
- Crippa, M., Solazzo, E., Guizzardi, D. et al. Food systems are responsible for a third of global anthropogenic GHG emissions. Nat Food 2, 198–209 (2021). https://doi.org/10.1038/s43016-021-00225-9
- Alencar, A., Zimbres, B., Souza, E., Tsai, D., Silva, F. B. e, Quintana, G. de O., Graces, I., Coluna, I., Shimbo, J. Z., Carvalho, K., & Potenza, R. F. (2023). Estimativa de emissões de gases de efeito estufa dos sistemas alimentares no Brasil. Observatório do Clima.
- Kozicka, M., Havlík, P., Valin, H., Wollenberg, E., Deppermann, A., Leclère, D., Lauri, P., Moses, R., Boere, E., Frank, S., Davis, C., Park, E., & Gurwick, N. (2023). Feeding climate and biodiversity goals with novel plant-based meat and milk alternatives. Nature Communications, 14(1), 5316. https://doi.org/10.1038/s41467-023-40899-2