Recurso 19 – Plano de Ensino para Disciplinas em Proteínas
A temática de proteínas alternativas tem avançado intensamente na indústria e na mídia, mas ainda é um campo incipiente na academia. Existem muitos gargalos técnicos relacionados a novos insumos, tecnologias e escalonamento de processos para a obtenção de produtos à base de proteínas alternativas. Por isso, esse campo se beneficiaria amplamente com mais direcionamento para pesquisas acadêmicas e capacitação de profissionais para atuar na área. O fortalecimento da tecnologia de proteínas alternativas é um plano multidisciplinar. Dessa forma, precisamos, cada vez mais, do talento de profissionais qualificados de diversas áreas para superar tais desafios técnicos, à medida que buscamos explorar o enorme potencial desse campo para transformar o sistema de produção de alimentos tradicional em um modelo mais sustentável e eficiente. Dessa forma, o Good Food Institute Brasil – GFI elaborou o Plano de Ensino para Disciplinas em Proteínas Alternativas – Modelo Conceitual, direcionado para programas de graduação e pós-graduação em áreas relacionadas à produção de alimentos. O objetivo do Modelo Conceitual é orientar professores interessados quanto ao conteúdo mínimo necessário para formar profissionais com compreensão e senso crítico sobre os desafios científicos, sociopolíticos e ambientais dessa nova cadeia de produção de alimentos. Além disso, esse plano de ensino visa nortear o aprendizado sobre proteínas alternativas ministrados pelo corpo docente das Universidades e Instituições de Ensino em todo Brasil e contribuir para a formação de profissionais capacitados para a atuação na área. Os módulos e temas abordados podem ser implementados em disciplinas de curta ou longa duração, completa ou parcialmente, dependendo do curso de graduação ou de pós-graduação e objetivos da disciplina.
Recurso 03 – Série Tecnológica (Fermentação)
Há centenas de anos a fermentação tem sido usada para conservar alimentos e melhorar seu valor nutritivo. No século XX esse processo expandiu-se para uma gama muito mais ampla de aplicações, abrangendo química industrial, biomateriais, medicamentos, combustíveis e aditivos alimentares avançados. No século XXI está ocorrendo um novo salto tecnológico, com a produção em larga escala de proteínas alternativas às de origem animal e vegetal tradicionais. Os agentes de fermentação são microrganismos amplamente distribuídos na natureza, incluindo bactérias, fungos e algas. As bactérias são microrganismos unicelulares procariontes usados tradicionalmente na fabricação de produtos lácteos, cárneos e vegetais fermentados, como iogurte, salame e chucrute, por exemplo. Já os fungos são microrganismos eucariontes divididos em dois grupos: as leveduras, fungos unicelulares muito usados na fermentação de pães e bebidas alcoólicas; e os fungos filamentosos (também chamados de bolores), pluricelulares, compostos de longos filamentos de células (hifas) que se ramificam e se entrelaçam formando os micélios. Os bolores são tradicionalmente usados na fabricação de queijos (curados por fungos azulados ou brancos) e alimentos orientais como tempeh, natto e misso. As algas constituem um grande e diversificado grupo de organismos, incluindo espécies autotróficas unicelulares ou multicelulares, que produzem a energia necessária ao seu metabolismo por meio de fotossíntese. A fermentação tem sido utilizada atualmente de três formas para incrementar o suprimento de proteínas na dieta humana: a) Fermentação tradicional, na qual são adicionados microrganismos vivos a uma matriz proteica de origem vegetal ou animal, com a finalidade de, por meio da sua multiplicação e da produção de compostos de metabolismo, desenvolver características sensoriais mais atrativas e/ou melhorar o valor nutricional e a biodisponibilidade das proteínas. b) Fermentação para produção de biomassa, na qual são adicionados microrganismos vivos a um substrato nutritivo natural ou a um meio de cultura formulado, com a finalidade de promover a multiplicação das células microbianas e, posteriormente, utilizar o próprio microrganismo (ou seja, a biomassa celular) como fonte de proteínas e outros constituintes de interesse alimentar. c) Fermentação de precisão, na qual o material genético que codifica uma determinada proteína em uma planta ou animal (doador) é inserido em um microrganismo (hospedeiro) de crescimento rápido e eficiente, que é então cultivado por fermentação para formar a proteína desejada em grande quantidade. Essa pode ser subsequentemente separada das células hospedeiras e purificada, resultando numa molécula idêntica à produzida na planta ou animal, com as mesmas características sensoriais e funcionais da original nos alimentos aos quais seja incorporada. A fermentação de precisão, além de ser utilizada para produção de proteína, também é aproveitada na produção de importantes ingredientes para o setor de plant-based, como aromas, gorduras, vitaminas, pigmentos, entre outros.
Recurso 02 – Série Tecnológica (Carne Cultivada)
A pesquisa em relação acerca da produção de carne cultivada vem crescendo aceleradamente nos últimos seis anos. Diversos grupos ao redor do mundo vêm pesquisando condições de cultivo mais apropriadas e eficientes para produção em escala industrial, que permitam um processo seguro, menos custoso e mais rentável. Apesar da tecnologia estar mais desenvolvida para cultura de células animais, para produção de carne de bovino, suíno e frango, pescados e frutos do mar, processos similares têm sido desenvolvidos para produção de leite, colágeno e ovos. Uma cadeia produtiva inteira está se formando ao redor do tema, desde fornecedores de linhagens celulares, meios de cultura e design de bioprocessos até a fabricação de biorreatores, otimização de processos biotecnológicos, biomateriais para suportes (scaffolds) e tecnologias para downstreaming do processo de produção de carne cultivada. O interesse é crescente, e tem se dedicado muita pesquisa e investimento ao desenvolvimento dessa tecnologia. Paralelamente, órgãos reguladores e o setor produtivo já buscam estruturar o marco regulatório para garantir a segurança do produto e viabilizar sua comercialização. Estudos anteriores demonstram que o setor da agropecuária representa 30% da ocupação da superfície terrestre e 70% das terras agrícolas (Bhat, Morton, Mason, Bekhit, & Bhat, 2019). Ainda assim, a demanda de consumo de carne tende a dobrar até 2050, fazendo com que a produção da carne na forma tradicional não seja sustentável (Henchion, Hayes, Mullen, Fenelon, & Tiwari, 2017). Em relação às questões de sustentabilidade durante a produção de carne, é preciso considerar não só a emissão de CO2 pela fermentação entérica durante a criação dos animais, mas também as atividades relacionadas à produção de ração, como o uso de fertilizantes e pesticidas, uso de terra e consumo de água pela agricultura, além dos produtos veterinários para tratamento dos animais. A produção de carne utilizando animais é considerada ineficiente, uma vez que esses seres consomem grande quantidade de alimentos, sendo a maior parte da energia gasta com o seu próprio metabolismo e na produção de tecidos não comestíveis (como ossos, tendões e couro). Em contrapartida, a estrutura da carne cultivada não contém miudezas ou componentes não comestíveis, o que não apenas reduz o tempo de produção, mas também diminui a quantidade de nutrientes necessária por quilograma de Carne. Em termos de consumo de água e emissão de gases de efeito estufa, o cultivo de carne tem potencial para ser mais eficiente que a carne convencional (Bhat et al., 2019). Ainda, acredita-se que o uso de células cultivadas permitiria o controle no uso de antibióticos na produção, reduzindo seu consumo, bem como os problemas relacionados à resistência antimicrobiana pelo seu uso na agropecuária. A produção de carne cultivada também está embasada em aspectos éticos em relação ao uso de animais para a alimentação humana. Considera-se que a indústria da carne em geral (gado, aves ou suínos) apresenta condições críticas de criação, como superconfinamento e maus tratos. Ainda, inevitavelmente, exige o abate animal para obtenção do produto final. O risco de disseminação de doenças infecciosas por microrganismos, como os do gênero Salmonella e Listeria, também é minimizado na produção de carne cultivada, uma vez que permite maior controle das condições assépticas da produção. A carne produzida pode passar por um rigoroso controle de qualidade, possibilitando que se tenha um produto final livre de infecções, doenças, parasitas ou mesmo contaminantes químicos. Além disso, com maior controle sobre os ingredientes adicionados, tipo de células e sua diferenciação sob esse sistema, a composição do produto desenvolvido poderá vir a ser adaptada de acordo com as demandas dos consumidores.
Recurso 01 – Série Tecnológica (Plant-based)
O conceito adquirido pelos consumidores de que uma alimentação à base de vegetais é mais saudável e sustentável ambientalmente do que as de uma dieta baseada em proteínas de origem animal tem impulsionado o mercado na procura de novas fontes proteicas de origem vegetal (Pimentel & Pimentel, 2003). O mercado de plant-based é extremamente promissor, já que existe um aumento na procura de substitutos de carne, com diversas oportunidades de crescimento. Contudo, para substituir a proteína de origem animal são necessárias matérias-primas de origem vegetal que atendam às propriedades nutricionais, funcionais e sensoriais dos produtos similares e tradicionalmente consumidos (Hoek et al., 2011). A maior diferença entre as matrizes de origem animal e vegetal consiste na composição, sendo que as animais basicamente são formadas por água, proteína e gordura. Embora as fontes proteicas de origem vegetal também contenham esses componentes, em geral apresentam outros constituintes que diluem a fração proteica na matriz alimentar. Além da água, possuem carboidratos simples e complexos, como fibra alimentar, amido e óleo. Portanto, o desenvolvimento de novos ingredientes proteicos requer sua caracterização funcional e nutricional, de maneira a possibilitar uma aplicação adequada como proteína análoga. Para que as proteínas vegetais sejam utilizadas em substituição às animais, ou como ingredientes em alimentos proteicos, precisam apresentar funcionalidades tecnológicas. Essas propriedades são determinantes para definir o leque de aplicação da proteína e sua aceitação pelo consumidor. Portanto, para melhoria dessas funcionalidades, tais como solubilidade, capacidade de retenção de óleo/água, geleificação ou emulsificação, são realizadas modificações químicas, enzimáticas e mecânicas para sua funcionalização e aplicação. Diante da possibilidade de introduzir novas proteínas vegetais, é importante conhecer sua qualidade nutricional. São destacados os critérios e métodos disponíveis para avaliação de seu valor biológico, em especial a importância da presença e teor dos aminoácidos essenciais. Não menos relevante é a digestibilidade proteica e a ausência de fatores considerados antinutritivos e tóxicos na proteína vegetal. Muitas vezes são aplicados tratamentos físico-químicos para o controle desses fatores. Apesar de muitas fontes proteicas vegetais já serem parte da dieta da população, muitas vezes é necessário reavaliar sua segurança, dada a possibilidade de introdução de novas formas de apresentação e de maior incidência no cardápio médio do consumidor.