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LÂMPADA

Levantamento e Análise de Melhorias em Proteínas Alternativas

Explore os resultados da nossa pesquisa de mercado para descobrir os principais desafios do mercado brasileiro de carnes vegetais — em cada estágio da cadeia de valor.

Um breve contexto

Desde o lançamento no mercado brasileiro, em 2019, os produtos análogos à carne demonstram um crescimento significativo no cenário nacional. Isso reflete uma transformação nas preferências alimentares dos consumidores, principalmente em aspectos como saúde, sabor, preço e conveniência. Em 2023, o mercado brasileiro de substitutos vegetais de carnes e frutos do mar atingiu 1,1 bilhão de reais em vendas no varejo, 38% a mais que em 2022, mantendo o patamar de crescimento anual que já havia sido registrado nos anos anteriores (42% em 2022 e 36% em 2021, sempre em relação ao ano anterior).


Pesquisas anteriores identificaram diversos gargalos que limitam o desenvolvimento pleno do mercado de carnes vegetais análogas, tanto no Brasil quanto em outros países. Desafios regulatórios e falta de padronização nos processos de produção são barreiras frequentemente mencionadas, além da infraestrutura inadequada para a produção e distribuição dos produtos análogos e a dificuldade em acessar matérias-primas de qualidade a preços competitivos.

A compreensão desses pontos de aperfeiçoamento é fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes que fomentem a expansão sustentável deste mercado. Por isso, o GFI conduziu o projeto Lâmpada: Levantamento e Análise de Melhorias em Proteínas Alternativas e Desenvolvimento de Ações. O objetivo foi analisar os obstáculos enfrentados por diferentes atores do mercado. Ao fornecer uma visão aprofundada desses desafios, este estudo pretende ser um guia para empresas, formuladores de políticas públicas e pesquisadores capazes de mitigar as principais barreiras do setor e impulsionar o segmento de proteínas alternativas.

Por dentro da nossa pesquisa

Esta pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, visando aprofundar a compreensão dos desafios enfrentados pela indústria brasileira de produtos análogos à carne. Este método foi escolhido por sua capacidade de explorar, de forma detalhada, as percepções, experiências e conhecimentos dos atores envolvidos nesse mercado em constante transformação.

Coleta de dados

Para alcançar os objetivos propostos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 40 especialistas de 37 organizações atuantes no setor de alimentos plant-based. A escolha por entrevistas semiestruturadas permitiu uma maior flexibilidade na condução das conversas, possibilitando aprofundar temas relevantes que emergiam durante a entrevista.

2.1 Gargalos de preço

A produção de carnes vegetais análogas enfrenta diversos desafios relacionados a custos, disponibilidade de ingredientes e formulação. 


  • A maioria dos ingredientes, como proteínas de ervilha e soja, é importada, aumentando custos e a vulnerabilidade diante de flutuações do mercado global.

  • Aromatizantes, texturizantes e ingredientes funcionais inovadores, como a proteína de canola, têm custos altos, limitando sua adoção em larga escala.

  • Apesar da busca por alternativas nacionais, a oferta ainda é limitada em termos de qualidade.

  • A necessidade de comprar grandes quantidades de ingredientes, aliada à baixa demanda, gera perdas por vencimento.

  • A baixa demanda limita a compra em grandes volumes, dificultando a negociação de melhores preços com fornecedores.

  • A proposta de compras coletivas enfrenta desafios em relação à proteção de informações confidenciais entre as empresas.

  • A busca por sabores autênticos e inovadores aumenta os custos e dificulta a competitividade em preços.

  • A necessidade de reduzir custos impede a adoção de novas tecnologias e ingredientes, “engavetando” inovações.

  • Proteínas isoladas e concentradas representam a maior fatia dos custos com ingredientes, entre 15% e 18% do total.

  • Ingredientes como o aromatizante de fumaça líquida são importantes para mimetizar o sabor da carne, mas possuem custo elevado.

  • Substâncias como a metilcelulose contribuem para a textura do produto e também impactam nos custos.

  • Gorduras, geralmente de palma ou soja, representam uma parcela menor dos custos de ingredientes.

  • A necessidade de transporte em câmaras congeladas encarece significativamente a logística.

  • Supermercados elevam o preço dos produtos devido à baixa demanda da categoria.

  • Linhas de produção compartilhadas, desenhadas para outros tipos de alimentos, não são eficientes para os volumes menores da categoria, o que aumenta os custos por unidade produzida.

  • A baixa demanda é refletida na ausência de infraestrutura nacional para processamento de ingredientes.

  • Embalagens podem representar até 30% do custo final dos produtos.

  • A alta tributação e a ausência de subsídios fiscais limita a competitividade da categoria e encarece toda a cadeia produtiva.

  • A falta de regulamentação para produtos híbridos, que combinam proteínas vegetais e ingredientes de origem animal, limita inovações e impede o desenvolvimento de opções mais baratas e escaláveis.

2.2 Gargalos na similaridade sensorial dos alimentos análogos

A indústria enfrenta desafios significativos no quesito sabor e textura, principalmente em relação ao gosto autêntico e à textura consistente.

  • A presença de retrogosto em alguns produtos à base de proteína vegetal afeta a experiência do consumidor.

  • A indústria tem dificuldade em reproduzir o sabor autêntico e neutro da carne e manter a textura consistente ao longo do cozimento.

  • As marcas devem reduzir o uso de ingredientes para realçar o sabor e devem otimizar a lista de ingredientes sem comprometer a qualidade sensorial.

  • A textura ainda é a principal barreira para a similaridade sensorial e a técnica de extrusão úmida é uma das soluções promissoras, embora tenha desafios de escala e desenvolvimento.

  • As marcas devem incorporar orientações mais claras nas embalagens sobre o modo de preparo ideal.

  • A colaboração entre a indústria de ingredientes e a de manufatura motiva a inovação.

  • Investimentos em pesquisa e desenvolvimento aprimoram as tecnologias existentes.

2.3 Gargalos nos canais de distribuição

A expansão do mercado de carnes vegetais análogas no Brasil depende da superação de diversos desafios tanto no varejo quanto no food service. 

  • O alto custo dos produtos em comparação com as carnes tradicionais dificulta a adesão dos consumidores.

  • As marcas não possuem embalagens adequadas para o perfil do consumidor de classes mais baixas.

  • Produtos distribuídos em diferentes seções geram confusão no consumidor.

  • De modo geral, as marcas não possuem uma estratégia de merchandising consistente.

  • As marcas, principalmente de menor tamanho, têm dificuldade em competir por espaço nas gôndolas com produtos de maior rotatividade.

  • A alta margem de lucro aplicada pelos varejistas eleva o preço final dos produtos.

  • Restaurantes independentes evitam adquirir carnes vegetais análogas devido à baixa rotatividade e custos logísticos.

  • Predominam no setor opções básicas e há pouca oferta de pratos mais elaborados.

  • Relação mais duradoura entre fornecedores e restaurantes e a inovação constante no cardápio são boas estratégias para consolidação da categoria de alimentos plant-based análogos.

2.4 Gargalos de segurança do alimento

A segurança dos alimentos à base de plantas é um desafio que exige atenção constante e a implementação de medidas que garantam a qualidade e a segurança desses produtos ao longo de toda a cadeia produtiva.

  • A categoria conta com fornecedores de ingredientes altamente especializados, contribuindo para a qualidade dos produtos.

  • A utilização de congelamento durante o transporte e comercialização controla a atividade microbiana, garantindo maior segurança.

  • A RDC 719 da Anvisa estabelece parâmetros sanitários para produtos congelados, embora não seja específica para alimentos à base de plantas.

  • A presença de resíduos de defensivos agrícolas nos ingredientes vegetais é uma preocupação, assim como em outros produtos alimentícios de origem vegetal.

  • A falta de processamento térmico nos ingredientes pode favorecer a presença de perigos biológicos como microrganismos.

  • A necessidade de capacitação contínua e a implementação de boas práticas de fabricação são essenciais para garantir a segurança microbiológica dos produtos.

  • A ausência de uma regulamentação específica para alimentos à base de plantas no Brasil representa uma lacuna na garantia da qualidade e segurança desses produtos.

  • A falta de parâmetros específicos para análises microbiológicas e de qualidade dificulta o controle da qualidade ao longo da cadeia produtiva.

2.5 Gargalos na interface
entre academia e industria

A colaboração entre indústria e academia é crucial para acelerar a busca por soluções inovadoras e sustentáveis, mas ainda enfrenta diversos desafios no Brasil.

  • A indústria busca soluções rápidas e orientadas ao mercado, enquanto a academia trabalha com prazos mais longos e foca em pesquisa básica.

  • Processos burocráticos e disputas por patentes dificultam a formalização de parcerias.

  • Pesquisas acadêmicas não atendem às necessidades da indústria enquanto produtos industriais não refletem o desejo do consumidor.

  • Equipamentos desatualizados na academia e a falta de investimentos dificultam a realização de pesquisas de ponta.

  • Soluções que funcionam em laboratório nem sempre são viáveis em escala industrial.

2.6 Gargalos de recursos humanos

O setor de carnes vegetais análogas enfrenta dificuldades na gestão e desenvolvimento de talentos. A falta de profissionais qualificados e com perfil inovador, a ausência de formação específica e a dificuldade em atrair talentos experientes são alguns dos principais desafios das empresas do setor.

  • A necessidade de profissionais com habilidades para desenvolver produtos inovadores e disruptivos é crítica.

  • A criação de programas de treinamento e desenvolvimento específicos para fomentar a inovação é fundamental.

  • A natureza emergente do mercado de proteínas alternativas afasta profissionais sêniores acostumados a grandes corporações.

  • A oferta de pacotes de benefícios atrativos e a construção de uma cultura organizacional forte podem ser diferenciais para atrair e reter talentos.

  • A ausência de cursos de graduação e pós-graduação voltados para o desenvolvimento de produtos plant-based limita o número de profissionais especializados.

  • A indústria deve se engajar com as instituições de ensino para promover a criação de programas de formação nessa área.

  • A formação acadêmica atual, embora sólida, precisa incorporar uma visão mais holística do desenvolvimento de produtos, abrangendo aspectos como textura, sabor e comportamento do produto durante o preparo.

2.7 Gargalos nos ambientes de inovação

O desenvolvimento do mercado de proteínas alternativas vegetais depende de um ecossistema de inovação robusto e eficiente. Apesar dos avanços, diversos desafios impedem o pleno desenvolvimento do setor.

  • A terminologia e os conceitos relacionados às proteínas alternativas ainda são pouco conhecidos por muitos atores do ecossistema de inovação.

  • A ausência de programas de bolsas e financiamento específicos para o setor limita a participação de pesquisadores e empreendedores.

  • A dificuldade em obter recursos iniciais impede a criação de novas startups e o desenvolvimento de projetos de longo prazo.

  • Muitos empreendedores desconhecem as oportunidades oferecidas por hubs, incubadoras e aceleradoras, o que dificulta o acesso a recursos e mentoria.

  • A ausência de uma rede de colaboração sólida entre academia, startups e empresas dificulta a disseminação do conhecimento e a criação de projetos inovadores.

2.8 Gargalos na aprovação regulatória do produto

A regulamentação é um pilar fundamental para o crescimento sustentável da indústria de proteínas alternativas. No Brasil, a ausência de um marco regulatório específico para produtos vegetais análogos tem gerado incertezas e desafios para o setor.

  • A ausência de normas claras e definidas dificulta a padronização dos processos, a garantia da qualidade e a segurança dos produtos, além de gerar insegurança para fabricantes e consumidores.

  • A falta de harmonização entre as normas brasileiras e as de outros países cria barreiras significativas para a exportação de produtos vegetais análogos, reduzindo a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.

  • A ausência de diretrizes claras sobre como a fiscalização deve ser conduzida gera incertezas em relação à nomenclatura, rotulagem e segurança dos produtos.

  • O surgimento de legislações estaduais independentes pode criar um ambiente regulatório descoordenado, prejudicando empresas que atuam em várias regiões do país.

  • É fundamental um esforço organizado para mobilizar os stakeholders do setor e estimular uma maior atenção dos reguladores públicos para a necessidade de uma legislação específica e alinhada aos interesses do mercado e dos consumidores.

2.9 Gargalos de saudabilidade do produto

A complexidade de desenvolver produtos que atendam às expectativas dos consumidores e às exigências regulatórias apresenta diversos desafios.

  • É fundamental entender as reais necessidades e preferências dos consumidores para desenvolver produtos com um perfil nutricional adequado e atraente. A indústria deve buscar um equilíbrio entre a adição de nutrientes essenciais e a simplificação da lista de ingredientes.

  • A escolha de ingredientes e a otimização das formulações são cruciais para garantir a qualidade nutricional e sensorial dos produtos. Encontrar alternativas economicamente viáveis e tecnicamente eficientes é um desafio constante.

  • O processamento dos alimentos vegetais pode influenciar significativamente seu valor nutricional. É necessário encontrar um equilíbrio entre a necessidade de eliminar sabores indesejados e preservar os nutrientes.

  • A adição de vitaminas é uma prática comum, mas o custo elevado e a incerteza sobre as expectativas do consumidor limitam sua aplicação.

  • A escolha de fontes proteicas vegetais com alto valor biológico e boa digestibilidade é fundamental para garantir o aporte adequado de aminoácidos essenciais no produto final.

  • A falta de uma regulamentação específica para os produtos vegetais análogos dificulta a comparação entre diferentes produtos e a garantia de um padrão de qualidade mínimo.

  • A busca por novas fontes de proteínas vegetais e ingredientes funcionais pode abrir novas possibilidades para o desenvolvimento de produtos mais nutritivos e saborosos.

2.10 Gargalos de ingredientes

A seleção e combinação de ingredientes desempenham um papel fundamental na obtenção de textura, sabor e aparência semelhantes aos da carne animal. No entanto, a busca por soluções inovadoras e eficazes enfrenta diversos desafios técnicos e econômicos.

  • A metilcelulose é um exemplo de ingrediente amplamente utilizado, mas com baixa aceitação por parte dos consumidores. A busca por alternativas com desempenho equivalente é um desafio constante.

  • A reprodução da cor vermelha característica da carne, incluindo sua transição durante o cozimento, é um desafio complexo.

  • A adaptação das propriedades funcionais de proteínas vegetais, como soja e ervilha, para mimetizar as características da carne animal, é um processo desafiador devido às diferenças estruturais entre as proteínas.

  • Algas como a espirulina oferecem um amplo perfil nutricional e propriedades funcionais interessantes, mas seu uso ainda é limitado na indústria brasileira.

  • São necessários investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento, visando a descoberta de novos ingredientes, a otimização de processos e a criação de formulações mais eficientes.

  • As inovações que utilizam subprodutos, como resíduos do agronegócio ricos em proteínas, enfrentam dificuldades para sair do laboratório e alcançar uma escala industrial viável, sem perder as características funcionais e sensoriais desejadas.

  • A produção nacional de soja não transgênica é baixa, limitando sua disponibilidade para o setor de alimentos plant-based e levando empresas a recorrer a importações mais caras e menos sustentáveis.

2.11 Gargalos na produção

A produção de carnes vegetais no Brasil, embora promissora, enfrenta desafios que impactam diretamente sua competitividade no mercado global.

  • Ampliar e fortalecer a produção nacional de ingredientes como aromas, corantes e hidrocoloides, pode reduzir a dependência de importações e aumentar o controle sobre a cadeia produtiva.

  • Substituir equipamentos antigos por tecnologias mais modernas e eficientes, otimiza processos produtivos e reduz custos.

  • É preciso implementar políticas de incentivo fiscal para a abertura de novas indústrias e a modernização das já existentes, estimulando o investimento em tecnologia e inovação.

  • É crucial desenvolver tecnologias de processamento que preservem as propriedades nutricionais e funcionais dos ingredientes.

  • Promover o desenvolvimento da indústria de proteínas alternativas implica implementar políticas públicas, como linhas de crédito específicas, programas de apoio à pesquisa e desenvolvimento e certificações que valorizem os produtos nacionais.

2.12 Gargalos de investimento

O setor de proteínas alternativas vegetais brasileiro demonstra um potencial de crescimento exponencial. No entanto, a expansão desse mercado enfrenta desafios significativos relacionados a investimentos, infraestrutura e planejamento financeiro.

  • A criação de espaços dedicados à pesquisa e desenvolvimento, por meio de parcerias público-privadas, é fundamental para fomentar a inovação e atrair investimentos.

  • A ampliação de linhas de crédito com condições atrativas para pequenos produtores é essencial para o crescimento do setor.

  • Os altos custos de produção, logística e marketing, aliados à facilidade de replicação de tecnologias, contribuem para margens de lucro limitadas.

  • A baixa margem de lucro dificulta a captação de recursos de venture capital, que buscam retornos rápidos.

  • A falta de conhecimento financeiro e planos de negócios bem estruturados impede muitos negócios de atrair investimentos e crescer de forma sustentável.

  • As empresas devem ter uma estrutura sólida desde o início, com foco na viabilidade econômica e em estratégias sólidas de desenvolvimento.

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Na publicação completa  você encontra todos os detalhes sobre o Projeto Lâmpada: consolidação de 40 entrevistas, nossas descobertas, metodologia utilizada e uma extensa análise de nossos especialistas.

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2.1 Gargalos de preço

No mercado brasileiro, ter preço competitivo se mostra, muitas vezes, mais determinante na decisão de compra do que a lista de ingredientes ou a similaridade sensorial, por exemplo. Porém, o ponto ideal dessa decisão de custo precisará ser testado. Cabe à indústria fazer testes por produto e por público, levando em consideração aspectos culturais, para entender o que de fato determina a compra do consumidor do seu produto.

Em relação aos ingredientes, para reduzir seu custo será preciso atuar em várias frentes, a começar pelo desenvolvimento de uma cadeia nacional de insumos. Devemos aproveitar a potência do agronegócio brasileiro para ampliar o uso que fazemos da nossa produção. Da mesma forma, nossa biodiversidade e os resíduos da indústria de alimentos oferecem oportunidades de pesquisas que resultem em novos ingredientes ricos em fibras e proteínas e outros nutrientes que adicionem valor ao produto final, sem necessariamente aumentar o custo de produção.

A complexidade dos custos de distribuição no varejo será o foco de um estudo mais aprofundado do GFI, a ser publicado em 2025. Essa análise, que também estará disponível na seção “Canais de Distribuição”, evidenciará a necessidade de uma estratégia integrada entre indústria e varejo. Essa parceria é crucial para encontrar um ponto de equilíbrio que atenda aos interesses de ambas as partes e, principalmente, garanta que os consumidores tenham acesso aos produtos desejados a preços justos.

A escolha das embalagens dos produtos plant-based deve ser prática e orientada às necessidades reais do consumidor e do varejo. O foco deve ser em soluções que sejam viáveis e que atendam às exigências logísticas e comerciais, sem elevar desnecessariamente os custos.

A questão tributária precisa ser entendida em duas frentes. A primeira delas se refere à inexistência de classificação fiscal específica para os produtos vegetais análogos. A segunda remete às alíquotas aplicadas aos produtos vegetais análogos em comparação às alíquotas e isenções aplicadas aos produtos de origem animal, que geram uma distorção na carga tributária entre as duas categorias.

Enquanto os debates avançavam no Executivo e no Legislativo e sabendo que a plena aplicação da Reforma Tributária se dará em uma agenda de 10 anos, buscamos oportunidades de reduções tributárias imediatas. Tivemos êxito em baixar a zero a alíquota do IPI sobre as bebidas vegetais através do Decreto nº 11.087/2022.

Em 2024, quando o texto da Reforma Tributária começou a tramitar na Câmara dos Deputados, o GFI trabalhou por uma emenda que incluísse os produtos vegetais análogos no grupo de alimentos em geral. Por conta do ritmo acelerado em que o Projeto de Lei foi aprovado na Câmara, a emenda sequer chegou a ser discutida em plenário. Com a passagem do Projeto de Lei para discussão e voto no Senado Federal, conseguimos cadastrar novamente a emenda. No momento da redação deste texto, as discussões no Senado Federal estão em compasso de espera das eleições municipais e deve ser retomada em breve, com perspectivas de definições de voto dos senadores no início de 2025.

2.2 Gargalos na similaridade sensorial dos alimentos análogos

De acordo com a pesquisa “Olhar 360° sobre o Consumidor Brasileiro e o Mercado Plant-based 2023/2024” do GFI Brasil, ao pensar em carne, muitos consumidores a associam imediatamente ao churrasco: uma fonte de proteína, prazer e socialização. Embora o argumento racional para seu consumo seja o valor proteico, é o sabor que verdadeiramente atrai. Fazer esse movimento em uma sociedade que vê a carne como principal fonte de proteína é um desafio cultural significativo. Ainda assim, muitos consumidores têm demonstrado preocupações sobre o impacto negativo que o consumo frequente de carne animal possa ter sobre a saúde e vêm diminuindo seu consumo. De acordo com a mesma pesquisa, 36% dos brasileiros das classes A, B e C reduziram o consumo de carne vermelha nos 12 meses anteriores, apontando a saúde (38%) e o custo elevado (35%) como principais motivações.

Para 21% das pessoas que não consomem carne vegetal, o sabor desagradável é a principal razão. Com base na experiência do consumidor e nas dificuldades relatadas pela indústria, fica claro que o setor ainda não conseguiu entregar o equilíbrio desejado entre sabor, preço, conveniência e saudabilidade.

Muitos dos problemas que interferem negativamente para o sabor das proteínas vegetais, estão relacionados aos compostos voláteis e não voláteis, que contribuem para o desenvolvimento de off-flavours. Os off-flavours das leguminosas são inerentes ao produto e parcialmente produzidos durante a colheita, processamento e armazenamento. Portanto, identificar estratégias tecnológicas em toda cadeia de produção para obter uma proteína de sabor mais neutro, colabora para avançar o desenvolvimento de ingredientes proteicos vegetais com qualidade melhorada e maior aceitação do consumidor.

Além disso, há um ponto importante sobre preparo. A carne animal é bastante versátil. Uma linguiça performa bem tanto na churrasqueira, como na feijoada ou no ragu da macarronada. A dificuldade de um mesmo tipo de produto ser preparado em todas as suas formas tradicionais é um ponto de atenção da categoria. Manter as tradições alimentares da população passa por essa versatilidade.

Quebrar os silos, esse foi um dos grandes achados que os entrevistados trouxeram como importantes para o avanço dos produtos de carnes vegetais análogas. Cada indústria é especializada em sua área de conhecimento: proteínas, aditivos, manufatura etc. Entender como cada elo dessa cadeia se comporta quando combinado com o outro e quais ajustes podem ser feitos considerando o todo e não a parte, pode ser uma estratégia importante para que os desafios referentes à experiência sensorial sejam superados. Nesse sentido, a promoção de fóruns de discussão temáticos conduzidos com foco no que o consumidor espera, pode ser um primeiro passo nessa direção.

É importante ressaltar que a busca por similaridade sensorial não deve comprometer o preço. A indústria precisa investir em desenvolvimento de produtos e em ganho de escala, mas sem perder de vista a necessidade de oferecer produtos acessíveis ao consumidor.

2.3 Gargalos nos canais de distribuição

Um levantamento realizado pelo GFI em 2023, por meio da pesquisa “Olhar 360°”, identificou nas mídias sociais que a dificuldade em encontrar proteínas alternativas em supermercados e restaurantes é uma queixa recorrente entre os consumidores. Esse dado corrobora com os resultados de outra pesquisa do GFI, realizada em 2022, que apontou o supermercado como o principal canal de aquisição da primeira compra de alternativas vegetais (58%). As principais motivações para essa primeira compra foram a curiosidade (47%), a busca por opções mais saudáveis (33%) e a indicação de amigos (25%).

A pesquisa demonstra que tanto a curiosidade despertada no ponto de venda quanto a procura intencional por esses produtos podem ser frustradas pela falta de disponibilidade nas gôndolas. Além disso, os estímulos publicitários no ponto de venda exercem um papel crucial na decisão de compra, superando a influência de campanhas externas. Descontos, degustações, amostras gratuitas, materiais publicitários e a exposição estratégica dos produtos próximos a opções de origem animal são algumas das ações que podem ser implementadas pelos varejistas para impulsionar as vendas.

Trata-se de um desafio que exige uma abordagem setorial. É fundamental promover uma articulação entre indústria e varejo para desenvolver a categoria de forma mais ampla. Para tanto, é preciso analisar como outras categorias foram introduzidas nos pontos de venda, quais estratégias se mostraram eficazes e quais lições podem ser aplicadas ao mercado de proteínas alternativas.

2.4 Gargalos de segurança do alimento

O GFI, buscando fortalecer a cadeia produtiva de alimentos vegetais análogos e auxiliar órgãos reguladores, encomendou um estudo inédito sobre a segurança dos produtos vegetais análogos. Realizado por especialistas do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) com o suporte da empresa Liner Consultoria de Alimentos, o estudo traz uma análise detalhada dos ingredientes, processos de fabricação e perigos potenciais associados a esses produtos, além de sugerir medidas de controle para garantir a produção de alimentos vegetais análogos seguros. Vale ressaltar que há pouco histórico de surtos alimentares envolvendo a segurança desta categoria de produtos e que esforços precisam ser direcionados para construir referências neste campo. Por isso, este estudo também identificou as principais lacunas de conhecimento científicas nesta área, as quais devem ser objeto de pesquisa para gerar evidências científicas que permitam embasar, principalmente, os estudos de levantamento de perigos e riscos nestes alimentos.

Apesar da falta de regulamentos específicos sobre produtos vegetais análogos em segurança do alimento, há um conjunto de regulamentos já existentes que se aplicam ao caso. O tema da construção de um regulamento específico faz parte da Agenda Regulatória 2024-2025 da Anvisa, que já sinalizou publicamente que planeja encerrar este estudo até o final de 2025. Por enquanto, em nível nacional se aplicam ao tema as resoluções Anvisa RDC 839/2023 (regulamento geral de novos alimentos e ingredientes, sendo que aqueles sem um histórico de consumo seguro no país) e RDC 719/2022 e 726/2022 (respectivamente requisitos sanitários de alimentos prontos para consumo e de produtos de vegetais) e em nível internacional o Codex General Standard for Vegetable Protein Products (VPP – CODEX STAN 174-1989). O Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal do Ministério da Agricultura (Dipov/Mapa) também vem avançando no tema, mas seu regulamento deverá se limitar a questões de nomenclatura e rotulagem dos produtos, sem aparentemente apontar definições para questões de segurança do alimento.

Para apoiar as discussões sobre os aspectos de segurança, recentemente a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), divulgou o relatório Perspectivas de Segurança de Alimentos sobre Novas Fontes e Sistemas Alimentares, direcionando os desafios e oportunidades relacionados à segurança dos alimentos plant-based, e das tecnologias de fermentação de precisão e impressão 3D de alimentos. O documento sintetiza a literatura existente abordando tanto os riscos à segurança de alimentos, quanto outros aspectos relevantes, como características nutricionais, impactos ambientais e percepção dos consumidores. O relatório da FAO reafirma a importância de regulamentações robustas, desenvolvimento contínuo e uma comunicação clara com o consumidor.

O GFI Brasil acompanha de perto esses avanços, buscando garantir que as inovações no setor de alimentos vegetais análogos sejam implementadas de forma segura e com benefícios claros para o meio ambiente e a saúde pública.

2.5 Gargalos na interface
entre academia e industria

A construção de pontes entre academia e indústria representa um desafio que transcende o setor de proteínas alternativas. No Brasil, a consolidação de parcerias promissoras ainda exige esforços conjuntos de empresas, academia e governo.

A compreensão dos papéis distintos, mas complementares, de cada ator, é essencial. A academia, impulsionada pela busca por conhecimento, tende a desenvolver soluções inovadoras, mas que podem não ser economicamente viáveis em larga escala. Por outro lado, a indústria, orientada pelas demandas do mercado, busca soluções ágeis e custo-efetivas. A chave para o sucesso reside na construção de uma relação equilibrada que permita conciliar a excelência científica com as exigências do mercado.

No caso das proteínas alternativas, a complexidade tecnológica envolvida acentua os desafios. A academia, focada no potencial tecnológico, busca soluções perfeitas do ponto de vista científico, enquanto a indústria busca soluções rápidas e escaláveis. Essa divergência de perspectivas exige uma abordagem colaborativa que permita desenvolver soluções inovadoras e economicamente viáveis.

Para fomentar essa colaboração, o GFI propõe uma série de iniciativas, como eventos de networking, meetups de interação entre universidades e empresas, capacitação de pesquisadores, disponibilização de materiais técnicos – estudos de mercado e de comportamento do consumidor, mapeamento dos desafios do setor, materiais técnicos para preparar pesquisadores e empresários a desenvolverem tecnologias que atendam às demandas do setor e às expectativas dos consumidores – e demodays para apresentação de tecnologias desenvolvidas nas Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT), com posterior conexão aos Núcleos de Inovação e Tecnologia (NIT), responsáveis pela gestão da propriedade intelectual e pela transferência de tecnologias desenvolvidas nas universidades. Além disso, a criação de modelos formais de parceria, como contratos guarda-chuva, pode fortalecer a relação entre as instituições, priorizando a pesquisa em proteínas alternativas e facilitando a transferência de tecnologia.

É fundamental que a academia e a indústria compreendam que a inovação é um processo colaborativo que exige adaptação e flexibilidade de ambas as partes. Ao trabalhar em conjunto, podem superar os desafios e impulsionar o desenvolvimento de um setor estratégico para o Brasil.

2.6 Gargalos de recursos humanos

O setor de proteínas alternativas está vivenciando um crescimento impulsionado por inovações em biotecnologia, demandas por sustentabilidade e mudanças nos hábitos de consumo. No entanto, com esse avanço acelerado, surge um desafio urgente: a necessidade de profissionais qualificados. É essencial que direcionemos esforços para a capacitação de profissionais em áreas correlatas, preparando-os para os desafios tecnológicos e as demandas crescentes.

Assim, muitas iniciativas são implementadas no ecossistema acadêmico para atender a esta expectativa. As temáticas de proteínas alternativas também já estão presentes nas semanas acadêmicas, workshops, congressos e cursos de extensão em universidades localizadas em todas as regiões do Brasil. Contando com o pioneirismo dessas universidades e incentivados pela iniciativa global do GFI com o Alt Protein Project (APP), seis universidades brasileiras – Unicamp, UFMG, USP, UFPR, UFSC e Unesp – despontam neste campo por possuírem grupos constituídos por estudantes e apoiados por professores, promovendo o tema das proteínas alternativas no ambiente acadêmico. Além disso, através do APP, esses grupos atuam capacitando estudantes, criando linhas de pesquisas, cursos e disciplinas no campo das proteínas alternativas, e gerando ideias de negócios que ampliem as oportunidades de aprimoramento de tecnologias, processos, ingredientes e produtos neste campo.

Visando oferecer uma formação básica e acessível a todos os interessados, sejam estudantes ou profissionais em geral, o GFI lançou os cursos: A Ciência das Proteínas Alternativas e Tópicos Avançados em Proteínas Alternativas que estão disponibilizados no formato on-line e gratuitamente em nossa plataforma. Dentre diversas publicações disponíveis em nosso site, destacamos a Série Tecnológica das Proteínas Alternativas e o Plano de Ensino para Disciplinas em Proteínas Alternativas, que foi elaborado como um modelo, com o conteúdo mínimo necessário para formar profissionais com compreensão e senso crítico sobre os desafios dessa nova cadeia de produção de alimentos.

2.7 Gargalos no ambientes de inovação

O GFI Brasil é importante para conectar ecossistemas de inovação em proteínas alternativas e mercado plant-based. Este trabalho começou identificando ambientes que podiam ajudar o setor e envolvendo esses atores. Durante as visitas, foram notados desafios, como a falta de infraestrutura adequada para as startups. Muitas vezes, os espaços oferecidos não atendem às necessidades específicas dessas empresas, especialmente em relação a laboratórios e padrões de produção de alimentos.

A falta de infraestrutura e o desconhecimento sobre as proteínas alternativas podem limitar a capacidade de apoio a essas startups. Outro grande desafio é a criação de programas dedicados ao suporte e aceleração de startups plant-based, uma vez que, em muitas regiões, a demanda não é suficientemente grande para justificar um programa exclusivo para o setor, ou os ambientes enfrentam restrições que os impedem de trabalhar com uma única temática.

Diante desse cenário, o GFI Brasil tem engajado diversos atores, como aceleradoras, incubadoras, hubs, venture builders, fundos, fundações de amparo à pesquisa, parques tecnológicos, centros de pesquisa e desenvolvimento, além de empresas, para cooperarem em iniciativas e programas conjuntos. O objetivo é fomentar o compartilhamento de recursos e infraestruturas para construir uma trilha de inovação robusta para o setor de proteínas alternativas no Brasil. Além disso, o GFI Brasil prepara materiais de apoio como guia de startups, dados de mercado, pesquisas de comportamento do consumidor e capacitações técnicas. Também disponibiliza uma rede de parceiros composta por mentores, investidores e outros ambientes de inovação, direcionada para aqueles que possuem startups plant-based em seus portfólios ou que têm interesse em lançar programas com maior foco ou exclusividade no tema das proteínas alternativas.

Uma solução eficaz para a criação de ambientes robustos voltados à aceleração de negócios no setor seria a viabilização de uma infraestrutura compartilhada ou a criação de centros de referência. Esses centros poderiam oferecer programas de aceleração ou contar com programas associados à infraestrutura, proporcionando às startups acesso aos equipamentos e laboratórios necessários para o desenvolvimento de suas inovações.

É importante que todos os atores do processo de inovação compreendam os seus papéis e contribuam de forma colaborativa e sinérgica para o avanço da inovação em proteínas alternativas.

2.8 Gargalos na aprovação regulatória do produto

Para além dos regulamentos de segurança do alimento e de rotulagem, três outros aspectos merecem nota para complementar o marco regulatório de produtos vegetais análogos. O primeiro deles é o regulamento de registro de produtos junto à Anvisa, atualmente regido pela RDC 843/2024 e pela IN 281/2024, que são regulamentos genéricos do setor de alimentos e portanto se aplicam também aos produtos vegetais análogos. Em sua proposta de regulamento discutida na audiência pública mencionada no item anterior, o Dipov/Mapa se refere a um ambiente eletrônico para registro dos produtos vegetais análogos, mas no momento da redação deste documento não há dados concretos sobre este ambiente e o quanto ele terá interação e interoperação com o regulamento da Anvisa em vigor. Essa regulação por dois órgãos diferentes é ponto de atenção do GFI, que vem atuando para promover a harmonia entre as ações do Dipov/Mapa e da GGALI/Anvisa de forma a evitar uma dupla regulação ou a existência de regulamentos conflitantes.

Em seguida aparece o regulamento de inspeção de unidades de produção. Este tema é regulado de forma geral pela RDC 275/2002 da Anvisa, mas o Dipov/Mapa trabalha internamente em um regulamento geral para a inspeção de produtos de origem vegetal (o RIISPOV, equivalente ao RIISPOA para produtos de origem animal definido pelo Decreto nº 10.468 de 2020) que deve endereçar este tipo de inspeção. Além da mesma preocupação em harmonizar as ações dos agentes reguladores, o GFI promove debates dentro do Grupo de Trabalho de Proteínas Alternativas em prol das empresas de alimentos serem proativas na adequação, o mais rápido possível, aos programas de autocontrole preconizados pelo Mapa.

Por fim, a ausência de códigos específicos para os produtos vegetais análogos no Sistema Harmonizado de Descrição e Codificação de Mercadorias (SH), a nomenclatura internacional de produtos gerenciada pela Organização Mundial das Aduanas (OMA) e de onde deriva a Nomenclatura Comum Mercosul (NCM) utilizada no Brasil, dificulta a construção de políticas tributárias adequadas para estes produtos. Hoje as bebidas vegetais são classificadas pelas empresas majoritariamente na NCM 2202.99.00 (outras bebidas) e os produtos cárneos e laticínios vegetais na NCM 2106.90.90 (outras preparações alimentícias diversas). São ambas posições genéricas que, além de misturarem categorias de produtos vegetais análogos diferentes, se misturam com outros alimentos sem classificação específica. O GFI vem se organizando globalmente para iniciar tratativas junto a algum país-membro da OMA para que pleiteie o início de um debate para a abertura de posições específicas para os produtos de proteínas alternativas.

O GT de Proteínas Alternativas, coordenado pelo GFI, se reúne desde agosto de 2020, mas o amadurecimento do mercado e dos debates com o governo exige uma institucionalidade mais clara desta representação de interesses. Um ambiente associativo especializado por tecnologias, como a Plant-Based Foods Association, a Precision Fermentation Alliance e a Association for Meat, Poultry and Seafood Innovation, nos EUA, pode ser um bom modelo a ser seguido pelo Brasil.

2.9 Gargalos de saudabilidade do produto

A saudabilidade é um dos atributos mais importantes dos alimentos vegetais análogos, no entanto, muitos consumidores ainda têm dúvidas sobre o real valor nutricional desses produtos. De acordo com a última pesquisa realizada pelo GFI Brasil, 38% das pessoas que deixaram de consumir ou diminuíram o consumo de carne o fizeram motivadas por questões relacionadas à saúde, o que poderia ser uma excelente oportunidade para as marcas que atuam no setor, não fosse o desconhecimento sobre os benefícios ou vantagens nutricionais em relação aos produtos de origem animal.

Parte dessa percepção é provocada tanto pela quantidade de ingredientes dos produtos, quanto pela presença de componentes que podem gerar desconfiança sobre a saudabilidade do alimento. Além disso, a ausência de uma comunicação consistente sobre os benefícios desses produtos dificulta que os consumidores entendam o valor que eles oferecem.

A conexão com produtos ultraprocessados é outro ponto que aparece com frequência atrelado à categoria. Segundo dados da pesquisa o Consumidor Brasileiro e o Mercado Plant-based realizada pelo GFI em 2022, 52% dos respondentes afirmam que olham os rótulos dos produtos ultraprocessados antes de comprá-los, seja para consultar tabela nutricional, lista de ingredientes ou ambos. Vale destacar que 43% dos respondentes consideram que alimentos ultraprocessados, em geral, fazem mal para a saúde, e 49% dizem que um produto vegetal análogo pode ser ou não ultraprocessado, a depender dos ingredientes e processo de fabricação.

Além disso, é fundamental ressaltar que o público consumidor dessa categoria é majoritariamente composto por flexitarianos, indivíduos que reduzem intencionalmente o consumo de produtos de origem animal em suas dietas. Esse grupo, em geral, possui um conhecimento mais aprofundado sobre alimentação e considera o impacto dos alimentos na saúde como um fator determinante em suas escolhas. A pesquisa corrobora essa afirmação ao revelar que, entre os flexitarianos, 48% citam a saúde como o principal motivo para reduzir o consumo de carne, percentual significativamente superior aos 34% encontrados entre os onívoros.

Em pesquisas realizadas em 2022 e 2023, com o objetivo de avaliar as informações nutricionais de produtos vegetais análogos às carnes e suas contrapartes de origem animal disponíveis no mercado brasileiro, identificou-se que os produtos vegetais análogos apresentaram valor nutricional comparável e, em alguns aspectos, superior ao dos itens de origem animal, notadamente a redução do teor de gordura saturada, sódio e maior teor de fibras. Sendo assim, os produtos vegetais análogos à carne podem contribuir para uma dieta balanceada e saudável e, apesar dos bons indicadores, ainda há espaço para melhora nutricional desses alimentos.

As principais oportunidades para melhorar a saudabilidade dos alimentos vegetais análogos à carne residem na escolha cuidadosa dos ingredientes e nos processos de produção. Ao selecionar fontes proteicas completas, como a soja ou combinações de leguminosas e cereais, e ao utilizar gorduras saudáveis, como as insaturadas e poli-insaturadas, é possível criar produtos mais nutritivos. A redução do teor de sódio, açúcar e gorduras saturadas, e a fortificação com micronutrientes, como ferro, zinco e vitamina B12, contribuem também para um perfil nutricional mais completo. Nesse sentido, é imprescindível que a indústria, os pesquisadores e os órgãos reguladores trabalhem em sinergia para otimizar o perfil nutricional dos alimentos vegetais análogos à carne.

Portanto, é importante encontrar o equilíbrio entre saudabilidade, sabor e preço de forma a atender às expectativas do consumidor e entender que os produtos vegetais, mesmo tendo uma forte correlação com os anseios de saudabilidade do consumidor, é um item que compõe uma dieta e não uma alimento que precisa conter todos os nutrientes diários necessários num único produto.

A definição de padrões de identidade e qualidade para produtos vegetais análogos exige cautela por parte dos órgãos reguladores. Embora estudos indiquem uma variabilidade significativa nos valores nutricionais desses produtos e haja demandas por uma regulamentação mais rigorosa, é crucial que os padrões estabelecidos não inibam a inovação nesse setor. O desafio consiste em conciliar a necessidade de garantir a segurança e a qualidade dos alimentos com o estímulo ao desenvolvimento de novas formulações.

2.10 Gargalos de ingredientes

Os entrevistados destacaram três principais desafios relacionados aos ingredientes utilizados em carnes vegetais: a necessidade de mais pesquisa e desenvolvimento, a importância de orientar o consumidor sobre os benefícios e características dos produtos e a busca por ingredientes com melhor custo-benefício.

Para otimizar o processo de desenvolvimento de novos produtos, é fundamental identificar quais ingredientes atualmente não estão entregando a funcionalidade desejada, como textura, sabor e valor nutricional. Ao direcionar os esforços de pesquisa para essas áreas específicas, as empresas podem desenvolver produtos mais competitivos e atraentes para o consumidor.

A questão da transgenia, embora não seja um impedimento generalizado para o consumo de carnes vegetais no Brasil, pode influenciar a escolha do consumidor, especialmente entre aqueles mais preocupados com a saúde e a origem dos alimentos. Uma pesquisa realizada pelo GFI Brasil em 2020 revelou que os consumidores conhecem pouco sobre o assunto e que isso não se reflete como rejeição dos produtos transgênicos de forma massiva. Do total de entrevistados, 73% se diziam indiferentes ou que não evitaram a compra de alimentos que tinham algum ingrediente transgênico.

O mercado europeu, com suas restrições ao uso de organismos geneticamente modificados (OGM), representa uma oportunidade para o Brasil se posicionar como um fornecedor global de ingredientes não transgênicos. No entanto, para aproveitar essa oportunidade, é preciso superar desafios relacionados à produção, armazenamento e logística, garantindo a qualidade e a segurança dos produtos.

O Brasil tem uma grande biodiversidade de plantas que podem se tornar matérias-primas, seja na fonte principal ou nos resíduos/subprodutos dessa fonte. Por meio do Programa Biomas, o GFI investe em estudos sobre espécies nativas dos biomas Amazônia e Cerrado, com foco em proteínas, fibras, óleos, corantes e aromas.

Outro estudo recente conduzido pelo GFI, mapeou fontes de proteínas vegetais de produção nacional, bem como os resíduos e subprodutos industriais de melhor desempenho tecnológico e econômico para aplicação em alimentos vegetais análogos. A partir das 18 matérias-primas analisadas, foram selecionadas quatro como as fontes mais promissoras, sendo elas milho, mandioca, arroz e batata, por serem as variedades que mais movimentam a economia nacional devido ao volume produzido. O beneficiamento dessas fontes para a obtenção de diferentes produtos pode levar à geração de subprodutos e resíduos que, por sua vez, podem ser aproveitados para produção de outros ingredientes.

Além disso, a produção de proteínas a partir de resíduos pode fortalecer a indústria de alimentos nacional, abrindo novas oportunidades no mercado internacional. Para que essa transformação ocorra de forma eficiente, é fundamental que as empresas agroindustriais invistam em pesquisas e tecnologias que permitam a extração e o processamento dessas proteínas.

Explorar novas tecnologias para viabilizar o aproveitamento de subprodutos e o desenvolvimento de novos ingredientes a custos mais competitivos também deve ser um foco de pesquisadores e desenvolvedores. A fermentação e o uso de enzimas são exemplos de processos biotecnológicos que têm se mostrado eficientes e capazes de viabilizar soluções em ingredientes para melhorar textura, nutrição e sabor em produtos vegetais análogos à carne.

As algas, ainda pouco exploradas, também apresentam um enorme potencial como fonte nutricional para a produção de alimentos alternativos. Seu cultivo é altamente eficiente, exigindo menos água e terra do que a agricultura convencional. Além disso, as algas são ricas em proteínas de alta qualidade, comparáveis às encontradas em carnes, e em diversos micronutrientes essenciais para a saúde, como vitaminas do complexo B, ferro e zinco. Algumas espécies de microalgas são capazes de produzir heme, um composto que confere sabor e aroma característicos à carne e que também é uma importante fonte de ferro biodisponível. Essas características tornam as algas um ingrediente promissor para a formulação de produtos plant-based, como hambúrgueres e carnes processadas vegetais, que buscam imitar a textura, o sabor e o valor nutricional da carne animal. Para saber mais sobre o potencial das algas, acesse a publicação feita pelo GFI: Potencial de aplicação de algas em produtos de proteínas alternativas.

2.11 Gargalos na produção

Embora a indústria de alimentos vegetais tenha se beneficiado da expertise e infraestrutura do setor de carnes, a criação de produtos como cortes cárneos, bifes e filés exigirá um avanço tecnológico significativo. É necessário desenvolver equipamentos especializados que permitam aprimorar a textura desses alimentos, mimetizando a experiência de consumo da carne animal.

A falta de acesso a plantas piloto, com custos elevados e infraestrutura limitada, é um obstáculo para a pesquisa e o desenvolvimento nessa área. Essas plantas são essenciais para testar novas tecnologias e ingredientes em escala piloto, como equipamentos para extração, modificação e texturização de proteínas vegetais. A ausência dessas ferramentas impede que startups e pequenos empreendedores possam inovar e desenvolver novos produtos.

O processo de produção de carnes vegetais exige um controle de qualidade rigoroso dos ingredientes utilizados. A ausência de equipamentos de análise rápida impede um monitoramento preciso e em tempo real de propriedades como o teor e a qualidade das proteínas, comprometendo a eficiência e a qualidade do produto final. Os métodos de laboratório, embora precisos, apresentam resultados demorados, limitando a tomada de decisões rápidas e a adaptação do processo produtivo.

A aquisição de equipamentos de análise rápida, apesar de ser um investimento significativo, trará benefícios a longo prazo, como a redução de custos e a melhoria da qualidade do produto final. Para a implementação bem-sucedida dessas análises, é fundamental desenvolver métodos analíticos específicos para cada tipo de ingrediente, integrar os equipamentos aos sistemas de produção e capacitar os profissionais envolvidos. Dessa forma, a indústria de alimentos poderá garantir a qualidade e a segurança dos produtos, atender às demandas de um mercado cada vez mais exigente e se tornar mais competitiva.

2.12 Gargalos de investimento

A necessidade de acesso a capital por parte de startups e novas indústrias que ingressam no setor plant-based ocorre em diversas etapas. Em sua maioria, os aportes são necessários nas seguintes fases: inicial – para pesquisa e desenvolvimento de protótipos e provas de conceito; escalabilidade – para teste de produção da nova tecnologia em larga escala; e, por fim, mercado – para investimentos em entrada e crescimento no mercado. No entanto, o processo de inovação não segue de forma tão linear. O empreendedor pode entrar no mercado previamente para validar sua solução e público-alvo, sendo que cada etapa pode demandar mais de uma rodada de investimento para superar desafios técnicos.

O setor alimentício opera com margens de lucro baixas, o retorno sobre o investimento é mais lento e arriscado. A demanda por investimento em capital (Capex) é elevada, os processos de desenvolvimento tecnológico têm um tempo de maturação mais longo e são mais intensivos em capital. Esses fatores, somados aos desafios de mercado já mencionados, tornaram a atração de novos investidores uma tarefa árdua. No entanto, startups que apresentam modelos de negócio mais competitivos, com margens mais lucrativas e inovações tecnológicas embarcadas em seus produtos, oferecendo diferenciais claros, continuam a atrair o interesse de investidores.

O GFI permanece empenhado em engajar novos investidores para o setor. Além disso, como alternativa, busca atrair fundos de investimento voltados para negócios de impacto, cujos critérios podem favorecer a competitividade das startups plant-based.

O GFI, por meio de seu programa de incentivo a pesquisa, lança anualmente chamadas para solucionar desafios e gargalos relevantes para o avanço das proteínas alternativas. Este programa tem sido fundamental para engajar pesquisadores e consolidar grupos de pesquisas no tema, além de construir as bases científicas das proteínas alternativas no mundo.

Uma alternativa para facilitar o acesso a recursos de suporte à inovação seria focar nos recursos descentralizados pela Finep através das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP) estaduais. Estamos construindo um acordo de cooperação junto ao Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP) para que qualquer FAP estadual interessada possa construir um edital no modelo match funding 1:1 com o GFI Brasil em 2025. O edital a ser criado, fruto dessa parceria, deverá ser open science (no caso de pesquisa acadêmica) ou de suporte a instalações, ou equipamentos de uso compartilhado (no caso de instalações de pesquisa ou centros de inovação).

O crédito produtivo, como o Finame, é composto por operações de crédito (capital reembolsável pela empresa) para compra de equipamentos industriais com taxas de juro facilitadas. As empresas brasileiras historicamente costumam apresentar reservas quanto a este tipo de endividamento. As taxas costumam ser fixas para qualquer tipo de operação, com pequenas variações para segmentos prioritários (cuja definição muda, mas hoje os investimentos relacionados à chamada “Economia Verde” estão no centro das atenções), ficando em torno de TLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, em torno de 6,3% a.a. quando da redação deste documento) acrescida de spread em torno de 1% a.a.

Outra fonte de crédito para projetos industriais é composta pelos Fundos Constitucionais de Financiamento, disponíveis apenas para as regiões Norte (FNO, operado pelo Banco da Amazônia), Centro-Oeste (FCO, operado pelo Banco do Brasil) e Nordeste (FNE, operado pelo Banco do Nordeste). Estes fundos podem cobrir um conjunto mais amplo de despesas, da compra de equipamentos até o financiamento de capital de giro e por isso costumam operar a taxas de juros ligeiramente superiores às do Finame. Some-se à aversão ao endividamento por crédito, a restrição geográfica para a operação desses Fundos.

Uma saída a ser explorada para “destravar” estes mecanismos de financiamento pela via do crédito é a modalidade de blended finance, também chamado de financiamento misto, uma forma de investimento que une recursos públicos, de fomento ou filantrópicos a capital privado com objetivo de financiar projetos de impacto positivo social, ambiental ou de desenvolvimento econômico. A modalidade se destaca no financiamento sustentável ao contribuir para o alcance dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU). O GFI Brasil pretende estudar a partir de 2025 essa forma de financiamento junto aos agentes de fomento, como forma de capital de follow-on para os recursos não-reembolsáveis aportados pelas FAP gerando produtos ou ativos industriais de uso exclusivo das empresas.

Outra estratégia para viabilizar financiamentos em infraestrutura são os contratos de compra futura (ou “offtake agreements”). Nessa modalidade, uma empresa cliente, ou uma filantropia, se compromete a adquirir um volume mínimo da produção futura. Esses contratos reduzem o risco financeiro do projeto, pois garantem previsibilidade de receita, facilitando o acesso ao crédito e atraindo investimentos.